Estados Unidos

Câmara dos EUA, de maioria republicana, aprova impeachment de responsável pela fronteira

É a primeira vez em 150 anos que membros do Congresso votam a favor da destituição de um membro do governo; movimento deve ser barrado no Senado, controlado pelos democratas

Secretário de Segurança Interna dos EUA, Alejandro Mayorkas, chega para entrevista coletiva em Las Vegas, Nevada - Patrick T. Fallon/AFP

A maioria republicana na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos conseguiu aprovar, por uma pequena margem, sua ambição de longa data de destituir o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, por sua suposta negligência no cumprimento do dever ao lidar com a fronteira com o México. Mas, salvo alguma surpresa, o gesto, o primeiro desse tipo em um século e meio, não terá consequências para o chefe da imigração americana: o impeachment agora vai para o Senado, onde não tem nenhuma perspectiva de sucesso, dado o controle do Partido Democrata sobre essa instituição.

Um total de 214 membros republicanos do Congresso votou a favor da destituição de Mayorkas, na terça-feira, sob a acusação de descumprimento do dever de proteger a fronteira e de violação da confiança pública ao fazer declarações falsas ao Congresso. Outros 213, toda a bancada democrata e os três republicanos que se juntaram a eles na votação da semana passada, votaram contra.

É a primeira vez em 150 anos que membros do Congresso votam a favor do impeachment de um membro do governo. A Constituição dos EUA prevê a destituição em casos de traição ou crimes igualmente graves.

Mayorkas nega qualquer irregularidade e argumenta que os problemas na fronteira sul, onde em 2023 houve um número recorde de travessias irregulares do México para os Estados Unidos, se devem a um sistema de imigração herdado e cheio de problemas. Na semana passada, a oposição republicana bloqueou a aprovação de um projeto de lei de compromisso bipartidário que combinava a ajuda à Ucrânia e a Israel com a reforma da imigração que imporia um regime de controle de fronteira muito mais rígido. Os democratas acusaram os republicanos de terem vetado a medida porque queriam usar as questões de imigração como um tema de campanha neste ano eleitoral.

A Câmara entregará os documentos do processo de impeachment ao Senado em 26 de fevereiro, quando a câmara alta retoma os trabalhos após um recesso de duas semanas que começou na terça-feira, depois de aprovar um projeto de lei de US$ 95 bilhões para ajuda à Ucrânia e a Israel.

A votação de terça-feira na Câmara dos Deputados foi psota em dúvida até o último minuto, devido à tempestade de neve no nordeste dos EUA que causou atrasos e cancelamentos de voos e trens. Os republicanos têm uma maioria de apenas sete membros no Congresso, e qualquer ausência ou mudança de opinião de última hora poderia representar um deslize. Na mente de todos eles estava o fiasco da semana passada, quando um erro de cálculo dos "sins" com os quais estavam contando os levou a apressar uma votação que acabaram perdendo porque três de seus próprios membros votaram contra, 214 sim contra 216 não.

Na terça-feira, o "número dois" da bancada republicana, Steve Scalise, que havia entrado em licença médica na semana passada para tratamento de câncer, juntou-se às fileiras daqueles a favor da punição de Mayorkas.

A imigração se tornou uma das principais questões de campanha no período que antecede as eleições presidenciais de novembro próximo nos Estados Unidos, com o aumento do número de chegadas irregulares de migrantes. No ano passado, houve um recorde de 2,4 milhões de entradas ilegais, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. Em dezembro, a Patrulha de Fronteira prendeu quase 250 mil pessoas tentando cruzar a fronteira ilegalmente, o maior número em décadas. Mas em janeiro, as travessias caíram quase pela metade, de acordo com dados divulgados na terça-feira pela Alfândega dos EUA.

Imediatamente após o anúncio do resultado da votação, o presidente Joe Biden condenou a ação contra o membro de seu governo.

"A história não julgará gentilmente os republicanos na Câmara por esse ato petulante de partidarismo inconstitucional contra um honrado servidor público, a fim de bancar jogos políticos mesquinhos", denunciou em um comunicado distribuído pela Casa Branca. "Os mesmos republicanos que promoveram esse impeachment sem fundamento estão rejeitando os planos bipartidários que o secretário Mayorkas e outros em meu governo trabalharam arduamente para fortalecer a segurança na fronteira neste momento — e, assim, revertendo anos de suas próprias exigências para aprovar leis de imigração mais rígidas", continuou Biden, referindo-se ao fracasso do projeto de lei na semana passada.

Ainda segundo Biden, "desistir de soluções reais quando elas são mais necessárias para fazer política não é o que o povo americano espera de seus líderes".

Por sua vez, o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson — que não conseguiu conter um sorriso ao anunciar o resultado da votação — disse em uma declaração paralela que o secretário de Segurança Interna "se recusou consciente e consistentemente a aplicar as leis de imigração, o que alimentou a pior catástrofe de fronteira da história dos EUA.

— Ele merece sofrer impeachment, e o Congresso tem a obrigação constitucional de fazê-lo. Ao lado de uma declaração de guerra, o impeachment é o poder mais sério que a Câmara tem, e nós o tratamos como tal — disse Jhonson.

Parlamentares democratas, especialistas constitucionais e os antecessores de Mayorkas no cargo condenaram a medida, acusando os republicanos de querer transformar o que era apenas uma diferença política de opinião em uma punição legal. Eles também argumentaram que não havia nenhuma indicação de que o secretário de Segurança Interna tivesse cometido o tipo de crime punível com impeachment.