Eleições

Presidente da Guatemala abre caminho para líderes indígenas disputarem eleições departamentais

Há um mês no poder, Arévalo tem como promessa de campanha tornar a disputa "transparente"; será a primeira vez que autoridades ancestrais reconhecidas participarão do pleito

Novo presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo, no dia da posse na Cidade da Guatemala - Johan Ordonez/AFP

Alguns dos conhecidos líderes indígenas que lideraram os protestos de outubro na Guatemala e que mantiveram uma histórica manifestação de 104 dias em frente ao Ministério Público (MP) para exigir a renúncia da procuradora geral, Consuelo Porras, e defender a vitória do presidente Bernardo Arévalo nas urnas, estão buscando ocupar os governos departamentais e ser o elo entre o Poder Executivo e os municípios nos próximos quatro anos.

Arévalo está no cargo há um mês e, como parte de suas promessas de campanha para combater a corrupção, ele decidiu, como uma de suas primeiras ações, tornar "transparente" o processo eleitoral para governadores de departamento. Na Guatemala, 22 governadores e seus deputados, que são o elo entre o governo central e os municípios, são eleitos a cada quatro anos. Até agora, essas pessoas foram escolhidas pelo presidente sem muita supervisão e quase por compadrio, mas o novo presidente decidiu que a eleição será submetida ao escrutínio público.

Em 29 de janeiro, o governo publicou no diário oficial um Acordo Governamental com modificações nos regulamentos da Lei sobre Conselhos de Desenvolvimento Urbano e Rural. Três pontos foram acrescentados a um dos artigos para permitir que a convocação de candidatos seja pública, com os requisitos incluídos: a criação de uma lista restrita de três candidatos que avaliarão a documentação, a publicação da lista de candidatos e que a sociedade civil tenha três dias para apresentar objeções. Por fim, a comissão de avaliação terá que escolher uma lista de cinco candidatos para cada departamento, que será entregue a Arévalo.

Abordagem territorial
Com essas mudanças, os conselhos receberam a documentação de 1.516 pessoas que desejam o cargo.

— Esta é a primeira vez que participo. As autoridades indígenas, motivadas pelo evento do ano passado em defesa da democracia que culminou com a interrupção de um golpe de Estado, falaram comigo para que eu pudesse representá-las — disse Luis Pacheco, ex-presidente da 48 Cantones, uma das maiores organizações indígenas do país, ao El País.

Além de Pacheco, outros líderes que se destacam na longa lista de candidatos incluem Angelina Aspuac, da etnia kaqchikel maya e uma das fundadoras do Movimento Nacional de Tecelões, e Rigoberto Juárez Mateo, uma autoridade ancestral do povo q'anjob'al, que foi preso por se opor à instalação da empresa hidrelétrica espanhola Econer Hidralia Energía, proprietária da Hidro Santa Cruz.

— Eles [os governadores] presidem os Conselhos de Desenvolvimento Departamental e lá administram cerca de 4 bilhões de quetzales, cerca de 500 milhões de euros [cerca de R$ 2,67 bilhões] — explicou Luis Linares, analista guatemalteco da Associação de Pesquisa em Estudos Sociais (Asíes). — Com esses fundos, os municípios implementam projetos.

De acordo com o especialista, há muitos anos, os deputados distritais intervêm junto ao governador e aos prefeitos para "condicionar" a contratação de obras públicas para seus colaboradores mais próximos.

— Isso se tornou uma fonte de corrupção e parece que o atual governo está propondo uma abordagem territorial para atender às necessidades da população e promover o desenvolvimento — acrescentou.

Os deputados da oposição no Congresso advertiram que poderiam contestar o processo de eleição de governadores e insinuaram que Arévalo mudou a convocação porque "acordou" com os líderes indígenas pelo apoio que recebeu durante os protestos do ano passado.

— Eles estão errados. Não se trata de um pagamento de favor, estamos seguindo os procedimentos que a lei estabelece, estamos cumprindo os requisitos que foram estabelecidos nos editais de convocação. Mas não, não é um pagamento de favor — respondeu Pacheco.

Quando Arévalo nomeou seu Gabinete antes de sua posse, foi criticado por organizações indígenas que se sentiram excluídas, pois apenas uma mulher maya foi nomeada para um dos 14 ministérios. O presidente reconheceu que faltava uma maior representação dos povos indígenas, mas garantiu que eles ocupariam vice-ministérios e outros cargos no governo.

Víctor Hugo Godoy, secretário executivo da Presidência, disse em uma entrevista de rádio que o objetivo é construir as instituições que "foram desmanteladas por 40 anos".

Esta semana, a lista de candidatos foi anunciada e eles estão no período de recepção ou apresentação de objeções, um processo que continuará nos próximos dias. Arévalo deve receber a lista final no início de março, refinada pelos três avaliadores, para selecionar os novos governadores.