Senado aprova PL do fim da "saidinha", em nova derrota para o governo
Projeto ainda deve voltar à Câmara antes de ir a sanção do presidente Lula; Planalto orientou voto contra a medida
De volta aos trabalhos após a folga no carnaval, o Senado impôs um novo revés ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva logo na primeira votação, ao aprovar nesta terça-feira projeto que põe fim à chamada "saidinha" de presos em datas comemorativas. O governo era contra a medida, que foi relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e incluiu emenda do senador Sergio Moro (União-PR), dois dos principais adversários políticos do PT na Casa. O texto retorna agora à Câmara dos Deputados, onde deverá passar por nova votação.
Nos bastidores, o governo buscou estratégias para tentar barrar a aprovação da medida, mas sem sucesso. No plenário, até senadores que fazem parte da base governista votaram a favor. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, é contrário à política de encarceramento em massa e já indicou ser contra esse tipo de medida no passado, como em seu discurso de posse. Quando ele presidiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi o responsável pela adoção das audiências de custódia, nas quais prisões em flagrante são reavaliadas em até 24 horas.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconheceu que legendas da base orientaram favoráveis ao projeto, mas disse que mesmo assim não iria orientar a favor.
–A única coisa que me sobra aqui é liberar a bancada do governo na medida em que, eu não gosto da ideia de liberar, mas eu também não vou conflitar com todos os líderes que já encaminharam, então, o governo nesse caso vai liberar e eu vou explicar para o governo qual foi a posição que aconteceu–afirmou Wagner.
Ele disse que não houve orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre vetar o projeto.
O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), liberou a bancada do partido e defendeu que a medida fosse ainda mais restritiva do que propôs a oposição.
Partidos da base do governo, como o União Brasil e o PDT foram favoráveis ao projeto. O PSB e o PT liberaram sua bancada.
– O PDT faz o encaminhamento sim, pelos nossos estados, mas que tenhamos um debate – disse a senadora Leila Barros (PDT-DF).
O Palácio do Planalto ainda avalia a possibilidade de Lula vetar a medida caso o texto passe novamente pela Câmara. Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, porém, um eventual veto ainda não foi discutido.
— A gente não trabalha com "se" nem com "caso". Tem um projeto que está em tramitação ainda. O governo e os líderes vão debater — disse Padilha, antes da aprovação no Senado.
Atualmente, a lei permite que presos que apresentarem bom comportamento no regime semiaberto deixem a prisão por um período de tempo determinado para visitar familiares nos feriados,participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social e frequentar cursos.
A proposta relatada por Flávio exclui as duas primeiras hipóteses. No Senado, Flavio Bolsonaro acolheu uma emenda ao projeto apresentada por Moro que altera o texto para permitir que presos saiam para frequentar cursos supletivos profissionalizantes, do ensino médio ou superior. A emenda também define que essa permissão não inclua presos condenados por “crime hediondo ou por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa”.
— O Senado - como acredito que fará, aprovará esse projeto - dá uma bela resposta à sociedade em mostrar que não estamos ausentes do debate, que não vamos nos omitir em discutir a segurança pública neste país— afirmou Moro.
O tema é uma bandeira de parlamentares de direita, que defendem uma política penal mais dura para evitar que condenados por crimes possam ser reintegrados à sociedade antes de cumprirem suas penas. A morte de um policial militar em janeiro deste ano, em Minas Gerais, reacendeu o debate.
O sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, foi baleado por um fugitivo que não voltou para a cadeia após a saída temporária de Natal. Flávio Bolsonaro anunciou que, caso seja sancionada, a lei levará o nome do policial militar.
Na época, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o Congresso precisava alterar a lei que trata das "saidinhas" de presidiários durante feriados. Na rede social X (antigo Twitter), Pacheco escreveu que o crime cometido "é de gravidade acentuada e gerou a todos grande perplexidade e tristeza". O presidente do Senado ainda citou outros casos de violência contra policiais e disse que a situação pede um reação do Congresso, que segundo ele, deve promover mudanças na lei que delimita as "saidinhas" de fim de ano para presidiários.
O projeto tramita no Congresso há 14 anos e foi aprovado pela Câmara em 2022. O Senado aprovou a urgência do texto na semana anterior ao carnaval, em uma votação simbólica ( quando não há a contagem de votos individuais) que durou 48 segundos.
“A ‘saidinha’ falha com as vítimas e compromete nossa segurança. Não podemos tolerar mais impunidade. Apoio firme ao projeto que encerra essa brecha. A justiça não pode ser opcional”, escreveu o senador Nelson Trad (PSD-MS), nas redes sociais antes da votação.
Criminalistas, contudo, criticam o projeto e afirmam que a medida é ineficiente.
— A medida é antiquada e ineficiente. Descumpre a finalidade precípua, a ressocialização e a integração à comunidade. A medida parece visada para retroalimentar o crime organizado que precificará seus componentes. Talvez, o intuito seja outro — afirmou Thiago Turbay, advogado criminalista e sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados.
O doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, diz que a efetividade das “saidinhas” é uma unanimidade para profissionais e estudiosos do direito penal e criminal. Beçak diz que o benefício serve como um incentivo para o bom comportamento de detentos e que a taxa de fugas é consideravelmente baixa.
— Eu acho que tem algo que não se fala muito, é de que com a saidinha uma parcela pequena não retorna, cerca de menos de 5%, mas esse fator gera uma sensação de descrença no sistema a médio e longo prazo, por parte da população — observou.
Segundo ele, essa sensação leva a população a desacreditar da aplicação de penas no sistema prisional brasileiro.
— Se a população tem uma sensação de que uma parcela desses presos não voltam e que cometem crimes e incide no ilícito novamente, isso gera uma defasagem na crença da aplicação da pena pela Justiça.