CRÍTICA

"Ferrari" tem seus deslizes, mas triunfa ao mostrar lado nada vitorioso na história da escuderia

Longa-metragem Michael Mann retrata o fundador da montadora italiana como um homem em crise

"Ferrari" traz Adam Driver como protagonista - Lorenzo Sisti/Divulgação

O que esperar de um filme que carrega em seu título o nome da mais famosa escuderia de Fórmula 1 no mundo inteiro? Talvez, uma emocionante trajetória de ascensão selada por uma vitória triunfal. Desviar do caminho mais óbvio, no entanto, é um dos grandes acertos de Michael Mann em "Ferrari", seu ambicioso projeto acalentado por 20 anos e que chega hoje aos cinemas brasileiros.

O novo longa-metragem do aclamado diretor estadunidense não é uma cinebiografia usual. Em vez de empregar seus esforços em contar como Enzo Ferrari - vivido por Adam Driver - e sua família criaram a montadora que revolucionou a indústria do automobilismo, o diretor responsável por títulos como "O Informante" (1999) e "Inimigos Públicos" (2009) foca em levar ao público um período de crise enfrentado pelo empresário italiano, sem fazer disso uma história de superação.

Com roteiro escrito por Troy Kennedy Martin, baseado no livro "Ferrari: O homem por trás das máquinas", o filme é ambientado no verão de 1957. Vendo sua fábrica à beira da falência, o magnata aposta todas as suas fichas na Mille Miglia, icônica corrida realizada na Itália, mas enfrenta problemas para montar uma equipe que garanta a vitória.
 

A vida pessoal de Enzo é ainda mais conturbada do que a profissional. Seu casamento com Laura - interpretada por Penélope Cruz - foi destruído pela perda do único filho do casal. Em meio às constantes brigas, ele tenta esconder da esposa as visitas à amante, Lina Lardi (Shailene Woodley), e a existência de Piero (Giuseppe Festinese), fruto dessa relação.

Ritmo adequado
Ao optar por centralizar sua trama em um curto período de tempo, com alguns flashbacks no caminho, o filme não comete um erro comum entre cinebiografias, que costumam atropelar os acontecimentos para fazer uma vida inteira caber em poucas horas. "Ferrari" tem o ritmo adequado, sem soar enfadonho, mas também sem deixar pontas soltas ao longo da história. Para os fãs de automobilismo, Mann consegue realizar uma reconstrução elegante da corrida, transmitindo na tela parte da adrenalina que o esporte carrega, ao mesmo tempo em que faz saltar aos olhos belas paisagens italianas.

Enzo é retratado como um homem traumatizado por perdas recorrentes. Até mesmo a vitória em uma das categorias da Mille Miglia é rapidamente abafada por mais uma tragédia em sua vida. Ao escancarar os fracassos de uma figura tão rica e poderosa, o longa consegue humanizar o personagem e torná-lo mais próximo do espectador. Ao mesmo tempo, a obra não adota um dom vitimista. A culpa que cai sobre os ombros do empresário está explícita, mas não há julgamento moral nesse retrato.

Brasil no elenco
"Ferrari" conta com o brasileiro Gabriel Leone no elenco. Ele interpreta o piloto anglo-espanhol Alfonso de Portago, que chega como a grande novidade da escuderia para a corrida. Curiosamente, o brasileiro também dará vida a Ayrton Senna em uma minissérie da Netflix. Embora mostre competência em sua estreia em Hollywood, o artista é prejudicado por um dos defeitos que o filme apresenta: a baixa atenção dada aos coadjuvantes. Com exceção das companheiras de Enzo, os demais personagens que orbitam em torno do protagonista não são bem desenvolvidos pelo roteiro, surgindo como seres sem motivações ou histórias pregressas.  

Outra falha do longa chama atenção desde que o seu primeiro trailer foi lançado. Assim como em "House of Gucci" (2021), os atores de "Ferrari" falam um inglês com sotaque "macarrônico", que soa exagerado e artificial. A caracterização de Adam Driver também não é das melhores, mas sua atuação segura compensa a tentativa frustrada de fazê-lo parecer com um homem de 60 anos.