Agência nuclear da ONU tem preocupações crescentes sobre capacidade do Irã de produzir arma atômica
Relatório da AIEA aponta aumento das reservas de urânio enriquecido, e especialistas acreditam que levaria algumas semanas para país obter material para uma bomba
Um relatório confidencial da Agência Nuclear de Energia Atômica (AIEA), obtido por agências de notícias nesta segunda-feira, revelou que o Irã aumentou a quantidade de urânio enriquecido nos últimos meses, superando e muito os limites impostos por um acordo internacional sobre o programa nuclear do país, um texto que hoje é considerado praticamente morto. No documento, o diretor-geral declara ainda ter "preocupações" com a capacidade iraniana de militarizar suas atividades nucleares.
No relatório, revelado pela AFP, a agência aponta que as reservas de material enriquecido no dia 10 de fevereiro eram de 5.525,5 kg, vinte e sete vezes acima do limite estabelecido pelo acordo firmado em 2015 e conhecido como Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA, em inglês). Em outubro, o Irã armazenava localmente 4.486,8 kg de material enriquecido em diferentes graus.
Segundo o Wall Street Journal, que também teve acesso ao relatório, 712kg do urânio armazenado estão enriquecidos a 20%, 145,1kg a mais do que o relatado em outubro. Apesar desse grau não ser suficiente para uso em uma arma nuclear, especialistas apontam que o Irã tem a tecnologia para enriquecer o material até os 90% necessários para uso militar.
Hoje, o Irã já enriquece a níveis mais elevados: segundo o Wall Street Journal, o país tem o 121,5kg de urânio enriquecido a 60% (6,8 kg a menos do que em outubro), sendo a única nação que não tem armas atômicas a enriquecer o material a esse grau, que é considerado próximo do grau usado em uma bomba. Pela definição da AIEA, são necessários 42kg de urânio enriquecido para a montagem de uma arma nuclear.
No relatório, conforme revelado pela AFP, o diretor-geral da agência, Rafael Grossi, citou "declarações públicas sobre as capacidades técnicas" do Irã, o que "reforça as preocupações" com um suposto uso militar da tecnologia nuclear, e pediu que Teerã "coopere plenamente" com os inspetores da ONU. Recentemente, o ex-chefe da agência nuclear iraniana, Ali Akbar Salehi, sugeriu que o país já "cruzou todos os limites da ciência e da tecnologia nuclear".
Com um programa nuclear criado ainda nos anos 1950, as atividades iranianas no setor, assim como as preocupações com o uso militar da tecnnologia, começaram a ser observadas mais de perto no começo do século, após denúncias feitas por dissidentes sobre locais secretos e planos para a construção de uma bomba.
Especialistas afirmam que, ao menos em teoria, o Irã tem capacidades técnicas para se tornar uma nação nuclear, mas eles também apontam, citando informações de inteligência, que esses planos foram pausados em algum momento e não estariam em pleno curso hoje. Oficialmente, as autoridades locais dizem que seu programa nuclear tem fins pacíficos, e citam uma fatwa (decreto religioso) do aiatolá Ali Khamenei que veta sua militarização.
Para tentar evitar que o Irã construísse uma bomba, em 2015 foi firmado o JCPOA, com a participação, além dos iranianos, de EUA, China, França, Reino Unido e Rússia, além da União Europeia. O plano previa limites ao grau de enriquecimento de urânio, à quantidade de material enriquecido armazenado e a equipamentos mais avançados nas centrais nucleares. A proposta ainda previa inspeções mais intrusivas, e em troca oferecia o alívio a algumas sanções e o acesso do país aos canais usuais de comércio exterior.
O texto foi seguido sem grandes percalços até a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, e ao posterior abandono do acordo pelos EUA, que passaram a adotar uma política de sanções e bloqueios conhecida como "Pressão Máxima", que segue em vigor até hoje.
Sem incentivos e sem sucessos nas muitas negociações diplomáticas, o Irã também passou a ignorar o acordo, aumentando o grau de enriquecimento de urânio e barrando inspeções com frequência — no relatório, Grossi reclama da retirada de credenciais de inspetores e da cooperação cada vez mais restrita entre os dois lados. Na semana passada, o diretor-geral da AIEA foi convidado para uma visita a Teerã em maio, mas ele ainda não confirmou a viagem.