Homem reage à cena com ator nu em teatro no RJ e se revolta após mulher não deixar a sala
Funcionários de estabelecimento precisaram impedir senhor de retornar à sala, para que a sessão do espetáculo não fosse interrompida
Bastou o ator Léo San tirar a roupa — como ele sempre faz numa das cenas do espetáculo "Pasolini no deserto da alma", em cartaz até o próximo domingo (3), no Teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio de Janeiro — para que um burburinho crescente preenchesse a sala. Na segunda fileira da plateia, um casal de idosos iniciou uma discussão acalorada, sem censuras, enquanto a peça se sucedia normalmente no palco. Num rompante, o senhor levantou do assento e deixou o espaço. A mulher permaneceu imóvel no mesmíssimo lugar. Mas a trama não terminou aí.
— Estava na bilheteria do teatro, organizando o borderô (relatório sobre a quantidade de ingressos vendidos), quando ouvi um sujeito berrar — relembra Jacqueline Gomes, assistente de produção da peça. — O homem gritava: "Se minha mulher não aparecer aqui agora e for embora comigo deste teatro, meu casamento está acabado!". Ele começou a reclamar sobre a nudez na peça, e eu questionava: "Mas você ficou chocado com isso?". E ele dizia que não, "nada disso", pois tinha 60 e tantos anos de idade. Foi quando ameaçou entrar novamente no teatro para buscar a mulher.
A cena se desenrolou no último domingo (25). Na ocasião, seguranças do estabelecimento impediram o homem de retornar à sala, para que a sessão não fosse interrompida. Para acalmá-lo, Jacqueline se dispôs a entrar no local e tentar estabelecer contato com a espectadora, a única na segunda fileira da plateia. No escurinho, a funcionária acenou, acenou, acenou... E nada.
— Fui pelo cantinho da escada, para tentar chamá-la. Todos os outros espectadores passaram a me olhar, menos ela — rememora a assistente de produção. — Aí voltei e falei para o homem que não podia fazer mais nada. O cara fez um escândalo! Tenho problema de hipertensão e precisei até tomar um remédio para não passar mal. Nunca vi, em pleno século 21, com nudez em tudo quanto é produção, um homem desses se espantar com uma cena assim, que não é gratuita.
Lá pelas tantas, o homem partiu, ressaltando que iria "beber algo" pelas redondezas. Mas era domingo, e pairava um marasmo nos arredores do Largo da Carioca. Pois bem, nos instantes seguintes, o senhor ressurgiu. E ponderou que era uma "pessoa cabeça aberta, de esquerda", sem deixar de tecer novas críticas à mulher: "Às vezes, estou vendo vídeos em que aparecem mulheres nuas, e ela reclama, fica brigando comigo. Agora ela vem e me traz para essa peça", queixou-se.
A cena que provocou o comportamento acontece após os primeiros 20 minutos da peça. Na narrativa inspirada na trajetória de Pier Paolo Pasolini (1922-1975), após conhecer o ator Ninetto Davoli (interpretado pelo ator Léo San) — com quem cultivou um longo relacionamento —, o cineasta e poeta italiano (papel do ator Maurício Silveira) questiona se o rapaz está intimidado diante de sua presença. Ao que o outro simplesmente tira a roupa — e ambos se beijam.
— Podemos até pensar que avançamos nessa seara. Mas a nudez ainda incomoda, e muito, sobretudo no teatro. E mais: trata-se de nudez masculina seguida por beijo na boca entre dois homens. Ainda há preconceito — avalia Francis Mayer, diretor do espetáculo. — Na ficção, o personagem fica pelado porque deseja impressionar Pasolini. Parando para pensar melhor agora, sinto que o personagem conseguiu, com esse espectador incomodado, aquilo que ele não conseguiu com Pasolini.
Do mesmo modo, a mulher do tal espectador fez pouco caso do corpo desnudado no tablado. Ao fim do espetáculo, ela recebeu apoio de funcionários do teatro e frisou que cultivava vergonha pelo comportamento "extremamente preconceituoso" do marido. Não demonstrava qualquer preocupação, como apurou o Globo. "Achei a peça maravilhosa, estou muito tranquila e devo voltar aqui, na próxima semana, para ver esta história novamente", contou. Cai o pano.