Paraolimpíadas

Potência paralímpica, Ucrânia sofre com a guerra em meio à preparação para os Jogos de Paris

Delegação tem bons resultados no cenário paralímpico, como um sexto lugar no quadro dos Jogos de Tóquio, em 2021, e um terceiro lugar, com 117 medalhas, no Rio, em 2016

Nadador Danylo Chufarov afirma recordar dias e noites que passou em Mariupol na companhia da mulher; ele afirma que o "principal objetivo é permanecer vivo" - AFP

Impacto psicológico, dificuldade ou até mesmo impossibilidade de treinar, gestão do medo e até movimentos forçados. Estas são algumas das dificuldades que atletas paraolímpicos ucranianos estão enfrentando em sua preparação para os Jogos Olímpicos de Paris. Em meio à ofensiva russa no território vizinho, o atleta Danylo Chufarov, de 34 anos, afirma que “o principal objetivo de cada dia é permanecer vivo”, recordando dias e noites que passou em 2022 em Mariupol, na companhia da sua mulher.

Tal como aconteceu com ele, que foi vice-campeão paralímpico de natação em Pequim 2008 (nos 400 metros na categoria S13, para quem tem deficiência visual significativa), os principais candidatos ucranianos a medalhas nos Jogos Paralímpicos de Paris viram a sua preparação relegada para segundo plano quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022. O conflito ainda está em curso e o seu fim não parece estar próximo.

A delegação costuma ter bons resultados no cenário paralímpico: ficou em sexto lugar no quadro nos Jogos de Tóquio, em 2021, e, cinco anos antes, nas Paraolimpíadas do Rio 2016, ficou em terceiro lugar, com 117 medalhas (41 ouro).

"Nós ficamos"
O nadador Mykhailo Serbin, de 20 anos e campeão paraolímpico dos 100 metros costas S11 (deficiência visual), sofreu “dez dias de bombardeio permanente” em Kharkov, antes de decidir ir para outra cidade.

“Meu treinador e eu tínhamos a mesma opinião: ‘Ficamos, trabalhamos, vencemos, não importa o que aconteça’”, disse ele à AFP.

Serbin afirma ter o apoio da família: “Eles não queriam que eu abandonasse aquela que é a minha razão de ser”. E é por isso que ele insiste que acredita ter tomado a decisão certa. “Não me arrependo de ter ficado na Ucrânia”, diz ele. “Quem pode saber o que teria acontecido noutros lugares, que desafios nos teriam esperado lá? Estar em casa é sempre o melhor.”

Mas permanecer na Ucrânia significa ter de conviver, ou mesmo sofrer diretamente, com uma guerra que já dura mais de dois anos.

“Chegamos recentemente para um treinamento e a cidade havia sido atacada, tivemos que descer até o abrigo e esperar o fim do bombardeio”, conta.

Para Chufarov, que conquistou três medalhas de ouro na Copa do Mundo de Manchester no ano passado, quinze anos depois de suas duas medalhas paraolímpicas em Pequim 2008, o inferno que viveu em Mariupol, que caiu nas mãos da Rússia em maio de 2022, teve "um impacto enorme em na saúde.

“Durante esse período, todos os nossos pensamentos estavam voltados para a sobrevivência”, diz o nadador. “Aqueles de nós que conseguiram sobreviver tornaram-se pessoas diferentes de quem éramos, isso não pode mais mudar”, lamenta.

Segundo as autoridades ucranianas, o cerco a Mariupol (de fevereiro a maio de 2022), uma grande cidade portuária atualmente sob controle russo, causou pelo menos 25 mil mortes.

“Ao stress e à sobrecarga mental somaram-se a falta de sono, a falta de comida e de água potável”, explica este jovem de trinta anos, que acabou por se mudar para o sul da Ucrânia com a mulher. Lá ele passou seis meses sem treinar. “Parecia que não fazia mais sentido”, diz ele.

Lágrimas e medalhas
E mesmo longe de Mariupol, a guerra continuou a perturbar o seu treino.

“Os frequentes ataques aéreos e mísseis às vezes tornavam impossível ir à piscina ou à academia”, diz ele.

Andrei Demchuk, campeão paraolímpico de esgrima em cadeira de rodas no Rio 2016, optou por deixar a Ucrânia e se estabelecer em Varsóvia, capital da vizinha Polônia. O especialista no sabre de 36 anos contribuiu à sua maneira para o esforço de guerra, participando de conversas com soldados que sofreram mutilações ou ferimentos significativos após a passagem pelo front.

“Em primeiro lugar, estive lá para comunicar e tentar ganhar a confiança dos soldados, para que pudessem falar comigo sobre amputação, próteses, esporte”, disse à AFP. “Na minha opinião, o maior problema que os soldados amputados têm de enfrentar é compreender que podem continuar a viver e que podem ter uma vida quase sem problemas”, afirma o esgrimista, que pretende participar no Campeonato da Europa em março, em França.

“A guerra acrescenta um contexto emocional” às competições, observa. “Quase toda medalha vem com lágrimas porque você percebe que muitos de seus entes próximos e amigos não verão aquela vitória e não poderão comemorá-la com você”, emociona-se.

“Todas as vitórias são boas para a Ucrânia agora, tanto na linha da frente como no mundo do desporto”, conclui.