Justiça

TPI rejeita pedido da Venezuela contra retomada de investigação por crimes contra a Humanidade

Caracas alega que já tomou e tomará medidas contra supostos abusos cometidos durante protestos contra Maduro em 2017

Manifestantes da oposição montam barricadas contra as forças de segurança da Venezuela durante protesto contra o governo em 2017 - Juan Barreto/AFP

O Tribunal Penal Internacional (TPI) negou um pedido do governo da Venezuela que tentava impedir a retomada de uma investigação sobre supostos abusos dos direitos humanos e "crimes contra a humanidade" cometidos por forças de segurança contra a oposição em 2017, durante uma série de protestos contra Nicolás Maduro.

"A Sala de Apelações rejeita o recurso e confirma a decisão impugnada", afirmou o juiz Marc Perrin de Brichambaut, magistrado do tribunal, com sede em Haia, alegando que não foram encontradas "razões convincentes para se afastar da decisão" já proferida. Todas as seis alegações apresentadas por Caracas foram rejeitadas, por unanimidade, pelos juízes da Corte.

Em 2018, Argentina, Colômbia, Chile, Paraguai, Peru e Canadá denunciaram a situação na Venezuela ante o TPI, e dois anos depois o procurador-chefe do tribunal, Karim Khan, concluiu que havia base para a abertura de um inquérito.

Essa investigação tem como ponto central as denúncias feitas por oposicionistas e ativistas dos direitos humanos de abusos cometidos pelas autoridades e forças de segurança do regime de Nicolás Maduro durante os protestos contra o governo em 2017. Segundo números extraoficiais, 125 pessoas morreram e centenas foram submetidas a tortura, prisões arbitrárias e outros tipos de abusos. A denúncia também trazia evidências de como a Suprema Corte foi usada contra os opositores e contra a Assembleia Nacional, onde a oposição tinha maioria.

Após negociações com Caracas em 2021 e 2022, nas quais Maduro prometeu "medidas" para garantir "a administração da justiça" a Corte chegou a suspender a investigação, mas em junho do ano passado, o TPI considerou as medidas “insuficientes” e ordenou a retomada do inquérito.

No pedido de recurso, feito em julho, Caracas alegava que já estava investigando e punindo internamente responsáveis por abusos, ao mesmo tempo em que acusou opositores de manipular alguns dos incidentes onde teriam ocorrido abusos. A Venezuela também afirma que alguns dos crimes descritos no processo não aconteceram, mas o argumento não convenceu os juízes em Haia.

“A Venezuela rechaça a infundada decisão da Sala de Questões Preliminares do Tribunal Penal Internacional, que pretende ocultar a verdade da Venezuela, em um caso evidente de instrumentalização política contra o país”, disse, no X, a vice-presidente Delcy Rodríguez, que na publicação também citou o que chamou de “inatividade” do TPI com a crise em Gaza. “A Venezuela vai reverter essa decisão, e fará valer a verdade por todos os meios a seu alcance.”

Por outro lado, o procurador do TPI aplaudiu a decisão, que confirma, segundo ele, que "os procedimentos penais nacionais do governo venezuelano não refletem suficientemente o alcance da investigação" planejada pelo seu gabinete.

A rejeição do pedido de recurso foi celebrada pela ONG venezuelana Provea e a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH). Em comunicado, as duas organizações dizem que ela destaca "a sua grande relevância em um clima de impunidade" na Venezuela.

“Em um contexto marcado pelo desmantelamento do Estado de direito no país, e diante de uma nova onda de perseguição contra vozes dissidentes, a resposta do TPI é um importante ponto de virada, uma vez que permite que a investigação de sérias violações dos direitos humanos e da lei criminal internacional cometidas pelo regime de Maduro siga adiante”, diz o texto “Essa nova decisão exige que o governo da Venezuela coopere de forma plena com o escritório do procurador do TPI nesta investigação, e trabalhe nos termos da cooperação assinada com o TPI.”

A negativa aos argumentos venezuelanos deve jogar ainda mais pressão externa sobre o regime de Maduro: no momento, ele é cobrado sobre a realização de eleições livres para a Presidência, previstas para o segundo semestre, ao mesmo tempo em que o governo amplia a repressão a dissidentes e barra potenciais rivais, como Maria Corina Machado, vencedora das primárias da oposição, em 2023, das urnas.

Nesta sexta-feira, Maduro se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Vicente e Granadinas, e os dois trataram da realização de eleições — nos bastidores do Palácio do Planalto e do Itamaraty existe uma percepção crescente de que os acordos firmados entre governo e oposição, no fim do ano passado, estão sendo descumpridos por Caracas, diante do aumento da repressão e de sinais de que as autoridades podem não seguir a promessa de uma votação livre, justa e transparente.