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Conheça as brasileiras que disputarão prova de rali exclusiva para mulheres na Arábia Saudita

Juntas há 15 anos, Paula Breves e Vilma Rafael já conquistaram inúmeros pódios

Paula Breves (direita) e Vilma Rafael (esquerda): dupla brasileira que vai representar o Brasil no Rally de Jameel, na Arábia Saudita - Custodio Coimbra

Há 15 anos, um convite informal num jantar deu início a um “casamento” que superou lama, poeira, pedras, frio e calor, e hoje comemora o ápice da relação na Arábia Saudita. A partir de amanhã, a dupla Paula Breves e Vilma Rafael será a primeira representante brasileira no Rally de Jameel, que acontecerá até 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em sua terceira edição. A prova de regularidade é exclusivamente feminina, com a presença de 40 equipes de países diferentes.

Paula e Vilma consideram um feito a participação feminina internacional no meio do deserto, num país onde as mulheres eram proibidas de dirigir até 2017. A prova terá 1.600km, passando pelas cidades de Hail, AlUla, Umluj, Yanbu, and King Abdullah Economic City (KAEC), com pernoite em tendas. Será a primeira competição da dupla fora do país e sem qualquer companhia extra. Maridos e membros da equipe ficarão no Brasil.

— Nós ficamos sabendo do convite da CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) numa prova. Ficamos quietas, não contamos nada para as famílias até estar tudo certo. Fizemos uma chamada de vídeo para contarmos a eles. A primeira reação foi de susto, mas depois fomos explicando como era, e eles entenderam. Eu acho... — brinca Paula, a pilota e mais falante da dupla.

A responsável pelo encontro de personalidades tão distintas dentro de um 4x4 foi Paula. A médica veterinária, que prefere não divulgar a idade, já havia dado os primeiros passos no rali de regularidade ao lado do marido Flávio, em 2007.

A parceria não durou nem um ano. Como navegadora, Paula admite alguns problemas de senso de direção na hora de passar as coordenadas. Algo que gerava brigas constantes dentro do carro ao lado do marido. Ela preferiu desfazer a dupla para manter o casamento de mais de duas décadas.

Mas não desistiu do esporte. Decidiu pegar o volante do carro, que é o que realmente gosta, e foi atrás de uma navegadora. Conseguiu algumas, mas ninguém disposta a encarar a modalidade a sério.

Foi quando ela teve a ideia de convidar Vilma, até então apenas a mulher de Beto, amigo do marido. O chamado foi meio de brincadeira meio a sério. Só não esperava que ela aceitasse de pronto. Acostumada a viver no mato com os animais, a usar botas e calças e sem grandes vaidades, Paula não acreditava que a sofisticada dentista topasse comer terra pelo Brasil a fora.

— Eu disse sim, mas ela continuou me ligando para saber se eu tinha aceitado mesmo — conta Vilma, de 50 anos, que se encontrou no esporte como navegadora e, de quebra, deu umas dicas de refinamento para a amiga.

O que rege a parceria e a amizade de longa data é o respeito. Juntas, elas conquistaram o espaço num ambiente extremamente masculino. Na primeira prova, já alcançaram o pódio. Em 2015, estiveram nos três primeiros lugares em todas as corridas.

Ano passado, foram vice-campeãs na categoria Supermaster, em pódio até então ocupado apenas por homens ou duplas mistas.

— Incomodamos no começo, teve resistência. Pensavam que éramos aventureiras ou íamos atrapalhar as corridas. Muitos homens franziam o nariz quando conseguíamos pódios. Hoje acredito que as mulheres que entrarem vão encontrar o respeito que eu e a Vilma conquistamos — diz Paula.

Sem gritos e destemperos, elas aceitam as falhas uma da outra, respiram fundo quando algo dá errado e se apoiam nos momentos difíceis na corrida ou na vida pessoal — como quando a mãe de Paula foi internada no CTI horas antes de uma viagem e mantiveram a presença na prova.

Mas é ali que se sentem renovadas para voltar para filhos, maridos e a carreira. As horas dentro do 4x4, apesar dos desafios em manter o carro na rota e em segurança, servem como uma terapia para equilibrar tantas funções.

— O homem quando sai de casa, fecha a porta e pronto. A mulher, não. Tem que organizar tudo. Comida, quem vai levar e buscar na escola, no inglês, o que vai levar para o lanche, ver babá... Muitas vezes, a gente estava resolvendo problema de casa ainda na largada. Uma vez, a Vilma estava ao telefone: “A Renata vai comer no fulano, não sei, o quê?” E, ao mesmo tempo, ela gritando: “Larga, larga...” — lembra Paula.

A amizade também foi um porto seguro para resistir às reclamações das filhas pequenas, que não entendiam as mães longe nos finais de semana.

— Hoje, elas só sentem orgulho das mães — diz Vilma.