Saúde

Dengue: racismo ambiental agrava epidemia para boa parte da população

Saiba como as populações marginalizadas são impactadas pela falta de recursos ambientais

Possíveis focos de dengue. Na foto, Ciep Jornalista Wladmir Herzog, na rua Francisco Portela, Paraíso, São Gonçalo: no local há uma piscina abandonada - Márcia Foletto/Divulgação

Além dos números alarmantes, a epidemia de dengue tem revelado desigualdades, numa conexão direta com o racismo ambiental. Se, por um lado, a doença afeta todas as camadas da população, suas consequências são particularmente severas para as comunidades historicamente marginalizadas, que enfrentam condições de vida precárias e acesso limitado aos recursos de saúde.

De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, “essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais, enquanto as populações mais privilegiadas usufruem de uma maior proteção ambiental e melhores condições de vida”.

A proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, encontra terreno fértil em regiões urbanas com poucos recursos. O infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Julio Croda salienta problemas como a ausência de saneamento básico, recolhimento de resíduos, rede de esgoto, acesso à água potável e instalação de aterros sanitários.

— A coleta de lixo não eficaz também favorece a ocorrência de criadouros em materiais que não foram recolhidos, como vasilhas, pneus e outros materiais que favorecem o acúmulo de água. E o adensamento populacional também facilita a maior presença do Aedes aegypti. Então essas condições são estruturais. Além disso, a fiscalização é menos eficiente nessas comunidades — explica.

O racismo ambiental é uma forma de desigualdade socioambiental que afeta principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres.

Suas consequências se manifestam de várias formas, entre elas na localização de lixões e aterros sanitários próximos a comunidades de baixa renda e majoritariamente compostas por pessoas negras e indígenas, na poluição do ar em bairros mais pobres, na falta de acesso à água potável e saneamento básico em comunidades rurais e periféricas, entre outros.

Essa segregação urbana contribui diretamente para a vulnerabilidade dessas populações, expondo-as de maneira desproporcional ao risco de contrair a dengue.

— Nas regiões mais pobres, principalmente nas comunidades carentes, o controle vetorial é mais difícil, primeiro por conta do adensamento populacional, dificuldade de água encanada regular e coleta de lixo. A tendência é que por conta dessas condições de saneamento básico, as pessoas acumulem mais água em recipientes não apropriados para esse propósito. O que favorece a multiplicação do mosquito — diz Julio Croda.

Dados da dengue na região Sudeste, por exemplo, evidenciam o racismo ambiental. Segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde, chegou a 574.953 o número de casos na região. Desse total 55,4 % são pacientes femininas. Entre pretos e pardos são 148.174 infectados. Já entre a população branca são 110.264. Da amarela são 4.297 e da indígena, 557.

Além das condições ambientais favoráveis à propagação da dengue, que colocam essas comunidades em maior risco de contrair a doença, a resposta do governo muitas vezes é insuficiente nessas áreas, com menor investimento em programas de controle de vetores.

A escassez de recursos de saúde, aliada ao racismo ambiental, resulta em acesso limitado não só a medidas preventivas mas também ao tratamento adequado para aqueles que contraem a doença.

— Geralmente, nas periferias e nas comunidades carentes o acesso a serviços de saúde também é pior. A tendência é que a gente tenha o maior número de casos graves por conta da maior incidência da doença, mas também uma maior letalidade associada à doença, justamente por conta da falta de acesso a serviços de saúde, de avaliação clínica desses pacientes e identificação dos sinais de alarme — acrescenta o infectologista.

Problema
O termo racismo ambiental surgiu nos Estados Unidos, sendo usado desde os anos 1980, e faz parte de relatórios da ONU como um problema a ser enfrentado. A partir da articulação do movimento negro e de pesquisas que comprovavam a tese, o conceito passou a se espalhar internacionalmente. A definição não se configura somente através de ações que tenham uma intenção racista, mas que tenham impacto “racial”.

O racismo ambiental também se manifesta na distribuição desigual de recursos e investimentos públicos. Enquanto áreas mais privilegiadas têm melhor infraestrutura e serviços de saúde, as comunidades marginalizadas lutam para obter acesso aos mesmos recursos, perpetuando as disparidades sociais e de saúde.

Ações para reduzir o problema incluem a criação de políticas públicas que considerem as desigualdades sociais, garantam a participação das comunidades afetadas nas decisões, promovam a educação ambiental e valorizem o conhecimento tradicional.

— O racismo ambiental atua como um vetor que aprofunda as consequências das mudanças climáticas e, também, os processos de favelização, colocando as populações negras frente à precarização das condições de moradia, e intensificando a fragilidade das condições de saúde, acentuando assim doenças tropicais, como a dengue. Essas comunidades têm cor e condição socioeconômica bem definida — destaca a Coordenadora do Instituto Mirindiba de ação climática popular, Andressa Dutra.