Barroso compara termo de juridiquês a Kama Sutra ao pedir linguagem simples no Judiciário
Ministro defendeu que é preciso ''parar com esse negócio de achar que quem fala complicado é inteligente''
Durante a aula magna ministrada para estudantes de Direito da PUC de São Paulo, nesta segunda (4), o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, trocou o tom austero que empregou na abordagem inicial sobre ''ameaça de golpe de Estado no século XXI'' por uma linha descontraída e suave, com toques de bom humor, ao falar do pacto por uma linguagem simples no Judiciário - programa que visa estimular uma comunicação mais direta em decisões judiciais e tornar a Justiça mais acessível à população.
O ministro defendeu que é preciso ''parar com esse negócio de achar que quem fala complicado é inteligente''. Ele apontou que, "geralmente, quem fala complicado não sabe do que está falando".
"Nós já temos problemas graves no Direito, que é por vezes uma terminologia muito esquisita. Nós somos capazes de dizer coisas do tipo: no aforamento, havendo pluralidade de enfiteutas elege-se um cabecel. É feio demais. Já temos embargos infringentes. Tem mútuo feneratício. Me perdoem, mas parece uma posição do Kama Sutra", comparou, arrancando gargalhadas dos estudantes.
"Portanto, não é preciso chamar recurso extraordinário de irresignação derradeira. Ou habeas corpus de remédio heroico. Ou Supremo Tribunal Federal de Pretório Excelso. Nem dizer que alguma coisa é de cediça sabência. Se quiser usar um latim, até pode, mas já está um pouco em desuso", ensinou.
De outro lado, o ministro alertou para um possível exagero da informalidade. Destacou que ‘para tudo existe um limite na vida’ "Existe um brocado latino, "Dormientibus non succurrit jus", que significa o Direito não socorre aos que dorme. É uma frase muito importante para quem vai advogar. Agora, linguagem simples também não é partir para o excesso de informalidade. Portanto, não vai traduzir "Dormientibus non succurrit jus" como em bom carioquês "Camarão que dorme a onda leva’. Também não é preciso exagerar", anotou, para alegria e aplausos de sua plateia.
Barroso relaxado entrou em cena durante a aula magna, depois de considerações sobre a Operação Tempus Veritatis, investigação da Polícia Federal que põe o ex-presidente Jair Bolsonaro no centro de uma suposta trama de golpe de Estado.
O ministro apontou que o inquérito está "revelando que estivemos mais próximos que pensávamos do impensável".
"Achávamos que já havíamos percorrido todos os ciclos do atraso institucional para termos que nos preocupar com ameaça de golpe de Estado no século XXI", disse o ministro, que fez críticas aos militares.
Barroso falou em ‘deslealdade’. Segundo ele, a politização das Forças Armadas ‘talvez tenha sido uma das coisas mais dramáticas para a democracia’.
Também abordou o ‘discurso de ódio’ e a ‘tentativa de destruir reputações com desinformação’. Aqui, novamente voltou a brincar com os estudantes, ao desmentir uma fake news que circulou sobre ele próprio.
Barroso advertiu sobre como a inteligência artificial, com os deep fakes (tecnologia que permite a alteração de falas em vídeos), têm o potencial de agravar um cenário de desinformação.
Segundo ele, somos ensinados a acreditarmos no que vemos e ouvimos e, no dia em que não pudermos mais acreditar nisso, ‘a liberdade de expressão terá perdido o sentido’. "Isso será gravíssimo e dramático", prevê.
"O deepfake vai tornar a vida pior ainda do que já é nesse mundo da desinformação. Para quem tiver dúvida, eu não sou chantageado pelo ministro José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil do primeiro governo Lula) e por uma orgia de que participamos em Cuba. Embora haja milhares de acessos a essa informação na rede social Eu queria dizer que nunca fui a Cuba. Não tenho relações com o ministro e não sou dado a orgias", disse, para regalo dos estudantes que o assistiam. "Embora na vida não descarte nenhuma possibilidade, mas não aconteceu."
Ao final, retornou aos costumes, como em sessão na Corte que preside. "Portanto, a circulação da desinformação já se tornou uma estratégia de destruição de reputações nesse mundo desencontrado que vivemos."