Lei da União Europeia que impõe mais regras às "big techs" entra em vigor nesta quinta (7). Entenda
Google, Meta, Microsoft e Apple tiveram de fazer adaptações em seus serviços para estar em conformidade com o mercado europeu
Nesta quinta-feira, os europeus já estão vendo mudanças nas big techs. O Google mudou a forma como exibe certos resultados de pesquisa. A Microsoft não terá mais clientes do Windows usando o Bing, sua ferramenta de busca na internet, por padrão. E a Apple dará aos usuários de iPhone e iPad acesso, pela primeira vez, a lojas de aplicativos e sistemas de pagamento de concorrentes.
Isso é efeito da nova lei da União Europeia que visa aumentar a concorrência no ambiente digital. A Lei de Mercados Digitais, que entrou em vigor no primeiro minuto desta quinta-feira, exige que as big techs reformulem o funcionamento de alguns de seus produtos para que rivais menores possam ter mais acesso aos seus usuários.
A legislação, aprovada em 2022 prevendo um período para as empresas se adaptarem, ainda está servindo de inspiração para novas leis semelhantes em vários países, inclusive o Brasil.
Essas mudanças são algumas das alterações mais visíveis que Microsoft, Apple, Google, Meta e outros estão fazendo em resposta a uma onda de novas regulamentações e leis ao redor do mundo.
Nos Estados Unidos, algumas das gigantes da tecnologia disseram que abandonarão certas práticas que estão sendo investigadas por órgãos antitruste federais. A Apple, por exemplo, está facilitando a interação dos usuários de Android com seu produto iMessage, tema que o Departamento de Justiça vem investigando.
— Este é um ponto de virada — diz Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia em Bruxelas, que passou grande parte da última década lutando contra as gigantes da tecnologia. — A autorregulação acabou.
Na mira dos reguladores
Por décadas, Apple, Amazon, Google, Microsoft e Meta avançaram sem muitas regras e limites. À medida que seu poder, riqueza e alcance cresciam, uma onda de cercos regulatórios, elaboração de leis e casos legais surgia contra elas na Europa, Estados Unidos, China, Índia, Canadá, Coreia do Sul e Austrália.
Agora, esse ponto de virada global para conter as maiores empresas de tecnologia finalmente aconteceu.
As empresas estão sendo forçadas a mudar seus produtos, incluindo dispositivos e recursos de seus serviços de mídia social, que tem sido especialmente perceptíveis para os usuários na Europa. As empresas também estão fazendo mudanças significativas, ainda que menos visíveis, em seus modelos de negócios, negociações e práticas de compartilhamento de dados, por exemplo.
O que muda na Apple, multada em US$ 1,95 bilhão
O grau de mudança é evidente na Apple. A empresa do Vale do Silício costumava oferecer sua App Store como um mercado unificado em todo o mundo, mas agora tem regras diferentes para desenvolvedores da App Store na Coreia do Sul, na União Europeia e nos Estados Unidos devido a novas leis e decisões judiciais.
A empresa abandonou o design exclusivo de um carregador de iPhone devido a outra lei da UE, o que significa que os futuros iPhones terão um carregador que funciona em dispositivos que não sejam da Apple.
Na segunda-feira, a Apple foi multada em US$ 1,95 bilhão por reguladores da UE por prejudicar a concorrência entre rivais de streaming de música.
As modificações significam que as experiências tecnológicas das pessoas tenderão a diferir cada vez mais com base em onde vivem. Na Europa, usuários com menos de 18 anos do Instagram, TikTok e Snapchat não veem mais anúncios baseados em seus dados pessoais, resultado da Lei dos Serviços Digitais de 2022.
Em outras partes do mundo, jovens ainda veem esses anúncios nessas plataformas.
Setor passa por amadurecimento
A indústria de tecnologia está essencialmente amadurecendo e se tornando mais parecida com os setores financeiro, de automóveis e de saúde, com empresas adaptando seus produtos e serviços às leis e regulamentações locais, disse Greg Taylor, professor da Universidade de Oxford focado em competição nos mercados de tecnologia.
— Isso representa uma mudança radical na forma como regulamos o setor de tecnologia — disse ele. — Embora a UE seja a primeira a agir, outras jurisdições ao redor do mundo estão tentando fazer coisas semelhantes.
Mesmo enquanto as grandes empresas de tecnologia fazem mudanças, rivais menores como o Spotify afirmam que é necessária muito mais ação governamental em todo o mundo para abordar seriamente seu vasto poder. Muitas das empresas continuam a relatar lucros e vendas recordes.
Microsoft, Meta, Amazon, Apple e Alphabet, controladora do Google, ajudaram a impulsionar o mercado de ações para novas altas. O valor de mercado delas juntas mais que dobrou desde o final de 2019 para quase US$ 10,6 trilhões.
Mesmo os formuladores de políticas por trás de algumas das novas regras disseram ser irrealista esperar que as novas leis e regulamentações desalojem imediatamente empresas dominantes como Google ou Apple.
Andreas Schwab, membro do Parlamento Europeu que ajudou a redigir a Lei de Mercados Digitais, disse que a esperança era que, ao longo do tempo, as regras, se rigorosamente aplicadas, proporcionassem espaço para novos concorrentes surgirem e crescerem.
— O ponto de virada será alcançado quando tivermos mais concorrência e não apenas mudança de alguns produtos — disse Schwab, que viajou para o Brasil, Japão, Coreia do Sul e Cingapura no último ano para discutir as novas regras de tecnologia da União Europeia.
— Talvez em um ano digamos que foram importantes, ou talvez em um ano digamos que é uma piada porque as mudanças não significaram nada.
Procuradas, Amazon, Apple, Google, Meta e Microsoft recusaram os pedidos de entrevistas.
União Europeia foi pioneira
Poucas leis forçaram as empresas de tecnologia a fazerem tantos ajustes quanto a Lei dos Mercados Digitais. A legislação pioneira da UE foi aprovada em 2022 e, entre outras medidas, proíbe as big techs de usarem seus serviços interligados e seus recursos financeiros para encurralar usuários e sufocar rivais.
A lei afeta desde a publicidade on-line até aplicativos de mensagens e métodos de pagamento de aplicativos.
As companhias que infringem o regulamento podem enfrentar multas de até 20% de sua receita global. Por mais de um ano, as empresas de tecnologia negociaram com os reguladores da UE em Bruxelas sobre mudanças em seus produtos, serviços e negócios para se adaptarem.
Em janeiro, o Google disse que reduziria a visibilidade de seus próprios serviços nos resultados de pesquisa, apresentando mais links de concorrentes em buscas sobre voos e restaurantes, por exemplo.
A empresa também se comprometeu a permitir que usuários europeus limitem o compartilhamento de dados pessoais entre serviços como busca, YouTube e Chrome — uma mudança há muito desejada por grupos de privacidade.
Naquele mês, a Apple disse que, além da mudança que permite lojas de aplicativos e serviços de pagamento concorrentes, os clientes na Europa com um novo iPhone veriam uma tela para selecionar um navegador padrão em vez do iPhone automaticamente usar o navegador da Apple, o Safari.
Mudanças na segmentação dos anúncios
Ao mesmo tempo, a Lei de Serviços Digitais, destinada a combater conteúdo ilícito on-line, também começou a surtir efeito. Os usuários europeus ganharam novas ferramentas para denunciar conteúdo tóxico.
Plataformas como Google e Meta não podem mais permitir que anunciantes segmentem usuários com base em etnia, opiniões políticas e orientação sexual. Usuários do TikTok e do Instagram também podem optar por ver postagens sem qualquer conteúdo recomendado por um algoritmo baseado em seus dados pessoais.
As batalhas legais se aproximam. No mês passado, a Suprema Corte dos EUA ouviu argumentos sobre se Texas e Flórida poderiam legalmente proibir sites como Facebook e TikTok de remover determinados conteúdos políticos.
Se os estados prevalecerem, isso modificará a forma como plataformas online podem definir os termos de interação em seus sites sem interferência do governo dos Estados Unidos.
Nu Wexler, ex-funcionário dos escritórios em Washington do Google, Meta e Twitter, atual X, afirmou que as empresas de tecnologia estão "fazendo mais concessões" e "estão sendo mais pragmáticas". Ele afirmou que elas simplesmente "não são tão invencíveis como eram há cinco anos".