Mercado de Trabalho

O potencial de pessoas com autismo no mercado de trabalho

Cerca de 85% deste grupo não trabalham formalmente

Laço que faz referência às pessoas com autismo - Divulgação

A inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) desafia o mercado de trabalho. Em dezembro de 2012, a Lei nº 12.764 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos de pessoas autistas com a previsão de estímulo à inserção deste público no mercado de trabalho. No entanto, a garantia deste direito vai muito além do que prevê a legislação. 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 85% deste grupo não trabalham formalmente. Frínea Andrade, psicóloga e diretora do Instituto Dimitri Andrade, afirma que há um enorme potencial para recrutamento de pessoas com autismo que não é aproveitado no mercado por puro desconhecimento. “Existe uma mão de obra extremamente qualificada que pode contribuir de maneira muito rica e funcional dentro da empresa”, conclui. 

Além disso, contratar uma pessoa com autismo traz diversidade para as empresas, estimula o diálogo, aprendizado e amplia as perspectivas do ambiente de trabalho. O CEO da Specialisterne Brasil, Marcelo Vitoriano, aponta que inúmeras pesquisas afirmam que um time mais diverso traz maior engajamento e humanização e, consequentemente, resulta em melhores resultados para a empresa. 

“A pauta da inclusão das pessoas com autismo e também com outras neurodivergências, faz com que as nossas empresas sejam melhores em todos os sentidos”, concluiu. 

Abertura

De acordo com a presidente da Associação de Famílias para o Bem-Estar e Tratamento da Pessoa com Autismo (AFETO), Ângela Dantas, hoje em dia existe uma abertura maior para empregar pessoas com autismo no mercado de trabalho. Contudo, ainda falta conhecimento por parte dos empregadores, por causa disso, é preciso abrir os horizontes para essas pessoas. 

Uma orientação dada pela presidente da Afeto, é convidar especialistas para ofertar uma palestra no local de trabalho. “Quando você dá uma orientação, gera curiosidade. As pessoas começam a conversar com as outras e perguntar, e o processo se torna natural. Porém, nós precisamos do que é inicial: a orientação”, disse. 

De acordo com Frínea, o primeiro passo é a informação, ou seja, o empresário precisa conhecer a neurodivergência e a potencialidade dos trabalhadores. No segundo momento, há uma preparação para a empresa receber esse funcionário. 

“A falta de informação gera preconceito e cria uma barreira intransponível para o acesso ao trabalho das pessoas neurodivergentes”, completa Marcelo.

Etapas

De acordo com Vitoriano, deve haver uma preocupação com a inclusão da pessoa com autismo em todos os processos de interação do funcionário com a empresa, desde o recrutamento até a convivência no ambiente de trabalho.

“Isto deve começar nos processos de recrutamento e seleção. Muitas pessoas podem ter dificuldades nas entrevistas em função de suas características, com dificuldades de comunicação e interação social” disse. 

Segundo ele, o preparo das equipes de Recursos Humanos com informações sobre as características do TEA faz a diferença e ajuda essas pessoas a conseguirem um emprego. Além disso, é importante preparar as equipes que irão receber este novo colaborador autista com muita informação.

Apoio

O apoio de familiares e amigos neste processo também é essencial em todos os momentos da vida. É por meio dele que é possível adquirir forças para enfrentar novos desafios, seguir em frente em momentos difíceis e encontrar o afago e carinho quando for necessário. Segundo Ângela, os familiares de pessoas com autismo precisam acreditar e confiar neles ao invés de superproteger. 

“Enquanto superprotege, não dá asas para ele voar. Não é para largar, mas deixa ele ir e seguir seu próprio caminho.  É estar lá se ele estiver feliz, se ele estiver triste, mas tem que deixar ele ir”, enfatiza. Ela conclui afirmando que pessoas com autismo são capazes de ter sua vida profissional como qualquer outra pessoa. 

Conhecimento

A psicóloga Daiane Kleinschmitt, de 37 anos, conta que não possuía nenhum diagnóstico no início da sua carreira profissional. Segundo ela, o estudo e dedicação sempre estiveram presentes em sua trajetória profissional e encontrar emprego nunca foi problema. As dificuldades passaram a aparecer na convivência no ambiente de trabalho.

“Na grande maioria das vezes, as minhas dificuldades apareciam depois de estar inserida, justamente pela maneira que eu sou”, completou.   

Os entraves não eram resultado da falta de conhecimento da psicóloga, mas por não saber a origem de algumas características da sua personalidade.

“As pessoas faziam alguns movimentos de exclusão, vinha rótulos como: ela é mais fria, ela é mais distante, ela não quer interagir. Porém, eu super achava que estava interagindo com as pessoas. Achava que estava bem inteirada”, concluiu. 

A psicóloga diz que o autoconhecimento e a compreensão são essenciais para as pessoas com autismo que estão começando agora no mercado. 

“Compreensão das suas características e, principalmente, das suas potencialidades. Muitas vezes passam uma vida toda tentando se encaixar para estar dentro do padrão e deixam de lado o todo o potencial que poderia ser desenvolvido”, disse. 

“Eu me aceito dentro da minha neurodivergência. Eu entendo que eu tenho as minhas limitações, mas também compreendo que eu tenho os meus potenciais”, finalizou. 

Ela defende que, a partir do momento que uma empresa aprende a gerenciar bem essa potencialidade, ela terá um ótimo colaborador. “A empresa precisa ter esse olhar mais refinado para as características e, principalmente, para o acolhimento e acomodação desse profissional”, disse Daiane Kleinschmitt. 

Para muitas pessoas com autismo, os obstáculos para conseguir um emprego começam no momento das entrevistas de emprego. A supervisora Clarice Farias, de 28 anos, conta que, às vezes, o entrevistador pode sentir que o entrevistado está mentindo ou sendo esnobe, visto que algumas pessoas autistas possuem uma dificuldade de olhar nos olhos de outras pessoas. 

Além disso, ela descreve que passou muito tempo à procura de um emprego e que acabou trabalhando em uma área que não era a sua pelas dificuldades em se inserir no mercado de trabalho. “Nós temos dificuldades e muitas vezes não somos compreendidos. Eu acabei em uma área que não é minha”, concluiu Clarice.