Ativista e advogada

Detida há um mês, principal presa política da Venezuela está incomunicável e sem acesso a advogados

Acusada de conspirar para assassinar Maduro, Rocío San Miguel está encarcerada em El Helicoide, conhecida como "o maior centro de tortura" da Venezuela

Rocío San Miguel, diretora da ONG Controle Cidadão, está detida na prisão do Serviço Bolivariano de Inteligência - Ivan Reyes / AFP

Há quase um mês, a ativista e advogada venezuelana Rocío San Miguel, diretora da ONG Controle Cidadão, está detida na prisão do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), El Helicoide — acusada de ser "o maior centro de tortura" do país por ONGs de direitos humanos.

Principal especialista venezuelana em temas militares, Rocío foi presa sob acusação de "traição à pátria", "terrorismo" e "conspiração" para assassinar o presidente, Nicolás Maduro. Desde 9 de fevereiro, ela não tem contato com seus advogados e recebeu apenas uma visita de sua filha, Miranda Díaz.

Mirada, o marido de Rocío, Víctor Díaz Paruta, e seus irmãos Miguel San Miguel e Alberto San Miguel foram presos no passado, mas deixaram o cárcere um dia antes da prisão da ativista pelo governo venezuelano. No entanto, a família é obrigada a se apresentar à Justiça periodicamente e está proibida de sair do país e de falar com a imprensa.

Conhecida dentro e fora do país e, após a sua prisão, entidades como a União Europeia exigiram, sem sucesso, que ela fosse libertada. Apesar de ter incomodado o chavismo com seus relatórios, análises e pesquisas sobre o mundo militar, ela nunca se aliou a políticos da oposição venezuelana.

Entenda os principais aspectos do caso

Obrigada a aceitar defensor público
San Miguel foi presa na madrugada de 9 de fevereiro quando tentava embarcar em um voo com sua filha no aeroporto Simón Bolívar, em Maiquetía, a 32 quilômetros de Caracas. Desde então, seus advogados tentam entrar em contato com ela, mas não tiveram acesso à ativista.

Após três dias incomunicável, no que foi denunciado como desaparecimento forçado, ela foi levada ao 2º Tribunal de Terrorismo, dentro de El Helicoide. Na audiência, Rocío pôde ver seus familiares, mas não foi autorizada a ser acompanhada de seus advogados e foi forçada a aceitar um defensor público — uma estratégia comum em casos de prisioneiros políticos. Segundo o Ministério Público, ela é acusada dos crimes de traição à pátria, conspiração e terrorismo.

— Essa defesa pública nunca se comunicou com os parentes de Rocío. Fomos designados pelos parentes para ajudá-la, mas isso não foi possível — disse à AFP Joel García, advogado de San Miguel. — Ela está indefesa e incomunicável.

Apenas uma visita
Em 18 de fevereiro, a ativista recebeu uma única visita de sua filha, Miranda Díaz.

— Ela nos disse que não havia sido torturada — relatou seu advogado, acrescentando: — Desde então ninguém mais conseguiu falar com ela. Ela não teve acesso à família, amigos, advogados, nada.

Segundo García, o estado atual da ativista é "totalmente desconhecida porque não há comunicação com ela".

— Não sabemos sobre seu estado de espírito, sua saúde, se está comendo... não sabemos nada, nem mesmo como ou com quem ela está sendo mantida — lamentou.

San Miguel tem dupla nacionalidade, venezuelana e espanhola. Sua prisão estava na pauta de um telefonema entre o ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, e seu colega venezuelano, Yván Gil.

Ex-marido detido
San Miguel dirige a ONG Controle Cidadão, que monitora casos de violações de direitos humanos de civis e militares na Venezuela. Além da sua família, que conseguiu liberdade condicional, seu ex-marido, o coronel aposentado Alejandro José Gonzales, foi detido sob suspeita de "revelar segredos políticos e militares" relativos à segurança nacional.

Ele está preso na Diretoria de Contra Inteligência Militar, em Caracas, e também é investigado pela suposta obstrução da administração da justiça. Os advogados de Gonzales também não tiveram acesso ao processo.

Evidências
A casa de San Miguel foi invadida dias depois de sua prisão, enquanto sua filha estava lá. As autoridades levaram mapas e computadores, que mais tarde foram apresentados à imprensa pelo procurador-geral, Tarek William Saab, como "prova" de seu envolvimento em uma suposta conspiração.

Saab mostrou fragmentos de uma "ordem de operação" confiscada de um oficial militar detido, também acusado de envolvimento no suposto magnicídio, na qual "Rocío San Miguel é explicitamente mencionada".

De acordo com os trechos, a ativista seria responsável por "fazer a ligação" com a mídia para divulgar "avanços na operação", gerar "afinidade de comunicação com a população militar" e "coordenar" a defesa dos oficiais envolvidos por meio da ONG Controle Cidadão.

O prazo para que a Procuradoria-Geral conclua suas investigações expira em 15 dias, de acordo com a lei, e, segundo García, sua cliente "ainda não tem os meios nem o tempo necessários para se defender".

Segundo dados da ONG especializada Foro Penal (Fórum Penal), há 263 "presos políticos" na Venezuela, dos quais 19 são mulheres.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) investiga possíveis crimes contra a Humanidade cometidos pelo governo do presidente Nicolás Maduro. As autoridades venezuelanas negam as acusações e questionam a investigação do TPI, considerando que a corte "instrumentaliza" a Justiça internacional como arma política (Com AFP).