Após decisão do Conselho da Vale, governo vai tentar influenciar sucessão na mineradora
A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, é a maior acionista individual da empresa, com uma participação direta de 8,7%
A decisão do Conselho de Administração da Vale de estender o mandato do atual CEO da companhia até dezembro não deve afastar as tentativas do governo Lula de influenciar a sucessão na mineradora, na avaliação conselheiros e analistas. Isso porque a lista tríplice que será levada ao colegiado por uma empresa de recrutamento terá de passar pelo crivo de integrantes do conselho alinhados ao governo.
A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, é a maior acionista individual da empresa, com uma participação direta de 8,7%. Outros acionistas, como a Cosan, fazem parte de grupos econômicos que têm negócios com o governo.
— Há uma forte influência indireta do governo com as empresas que têm assento no Conselho da Vale. Hoje, muitos votam alinhados — disse uma fonte a par das conversas que resultaram na extensão do mandato do presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, até 31 de dezembro.
O mandato de Bartolomeo iria até 26 de maio. Sua extensão foi uma solução intermediária — o governo pressionava por sua substituição imediata — e buscou contemplar o desejo do próprio executivo de ajudar na escolha de seu sucessor. Dos 13 conselheiros, apenas dois se opuseram à proposta vencedora. Eles defendiam que o mandato fosse prorrogado até maio de 2025.
— Decidiu-se que seria melhor definir um prazo para acabar com as especulações e evitar mais perdas para a empresa — disse a fonte.
‘Risco de ingerência’
Uma empresa de head hunter será contratada para selecionar três executivos. A lista será apresentada ao conselho, como é de praxe na mineradora. Bartolomeu pediu para acompanhar as entrevistas.
— Ele deixou claro para o conselho que não iria continuar na empresa se não fosse atendido e se não pudesse participar do processo de escolha de seu sucessor. Ele se sente responsável pelo bom desempenho da companhia — explicou a fonte.
Bartolomeo assumiu o comando da Vale há cinco anos e manifestava vontade de permanecer na companhia. Após o fim de seu mandato, o executivo atuará ainda como consultor da Vale até 31 de dezembro de 2025, informou a mineradora. Durante a transição de comando, ele vai permanecer na empresa nos dois primeiros meses do ano que vem.
Nos últimos meses, o governo Lula tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega para o cargo de CEO da Vale, mas a possibilidade foi fortemente criticada dentro da companhia e pelo mercado. Após o governo desistir da indicação, circularam nas bolsas de apostas os nomes de Paulo Caffarelli, ex-presidente do Banco do Brasil, e Walter Shalka, que está de saída da Suzano.
Para Igor Guedes, analista do setor de Metais e Mineração da Genial Investimentos, a decisão de alongar o mandato de Bartolomeo abre brecha para que a companhia continue a ser pressionada pelo governo.
— Como estenderam o mandato até o fim de 2024, daqui a poucos meses, a discussão (em torno da sucessão) volta de novo. E nesse meio tempo o governo pode continuar pressionando.
Ele teme que os ruídos atrapalhem o desempenho da empresa:
— Existem ruídos atrapalhando o papel da Vale a ganhar tração, atrapalhando a companhia a surfar a onda de desempenho operacional favorável. Esses ruídos são a lentidão na decisão sobre o CEO, a atuação do (presidente) Lula e as negociações em torno do pacote de indenizações (do desastre da Samarco) em Mariana. — Para o investidor, o maior risco é de ingerência política.
Bartolomeo focou seu mandato na recuperação da reputação da Vale entre os investidores preocupados com questões ambientais, sociais e de governança. Ele procurou reduzir os riscos ligados ao armazenamento de resíduos de mineração após dois desastres com barragens de rejeitos em 2015 e 2019.
Bartolomeo também se desfez de negócios não essenciais e transformou as operações de metais básicos em um negócio separado para gerar valor para os ativos de níquel e cobre da Vale.
Analistas reconhecem os esforços na área de segurança. Por outro lado, investidores têm se preocupado com o desempenho operacional, o controle de custos e a percepção de que a Vale poderia conduzir melhor as relações com os estados e o governo federal.