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Extrema-direita reivindica compor governo português após centro-direita vencer com maioria apertada

Ascensão de partido antissistema foi confirmada em pleito cuja taxa de participação foi a mais alta em quase três décadas

André Ventura, candidato da direita em Portugal - Reprodução

No dia seguinte a uma eleição legislativa que pôs fim a oito anos de poder socialista em Portugal, a centro-direita terá problemas para cumprir sua promessa de não formar o governo sem o apoio da extrema-direita, que quadruplicou seus assentos no Parlamento.

A nova ascensão do partido Chega foi confirmada no pleito deste domingo (10), cuja taxa de participação (66%) foi a mais alta em quase três décadas. A sigla antissistema, fundada em 2019 por André Ventura, passou de 12 para 48 deputados, com 18% dos votos. Em seu discurso de celebração, o líder do partido afirmou que “o povo disse que a direita deve governar”.

Em 2022, nas eleições legislativas anteriores, o Chega já havia se posicionado como a terceira força política. Agora, seu presidente disse ter alcançado o objetivo de tornar-se “a peça-chave do sistema político”. Ventura interpretou os resultados como “um ajuste de contas” contra o “sequestro da esquerda” das instituições e prometeu começar imediatamente a “libertar Portugal da extrema esquerda” e da “ideologia de gênero”.

Com 99% das urnas apuradas, o partido conquistou representação em todos os distritos do país, exceto Bragança, e foi o mais votado no Algarve, onde a extrema direita conquistou dois assentos.

No geral, porém, o resultado das eleições antecipadas deste domingo gerou incerteza sobre a governabilidade do país. A Aliança Democrática (AD), de centro-direita, liderada por Luis Montenegro, obteve uma vitória estreita à frente do Partido Socialista (PS), comandado por Pedro Nuno Santos. O primeiro acumulou 29,5% dos votos e garantiu 79 assentos de um total de 230. Já o PS conseguiu 28,7% dos votos e 77 deputados. Para ter maioria absoluta, portanto, o AD precisaria consolidar uma aliança com o Chega.

Apesar disso, o líder da AD deixou claro que não abrirá as portas do governo à extrema direita, como prometeu durante a campanha. Ele afirmou que seria “uma tremenda maldade” se fizesse o contrário. Segundo analistas, é grande a possibilidade de Montenegro liderar um governo de minoria, algo possível em Portugal, mas que traz consigo o fantasma da instabilidade. Desde 1976, apenas três Gabinetes desse tipo conseguiram chegar ao fim de seus mandatos: a aliança de 2015, quando o Partido Socialista se juntou aos partidos de esquerda (união apelidada de “geringonça”); o primeiro governo de António Guterres, no final dos anos 1990, e o de Carlos César nos Açores, nesta mesma época.

Para estas eleições, Montenegro decidiu recuperar uma coalizão histórica, a Aliança Democrática, com a qual seu partido venceu pela primeira vez uma eleição após o fim da ditadura. Junto ao Partido Social Democrata (PSD, centro-direita), a coalizão inclui o Centro Democrático e Social-Partido Popular (CDS-PP, direita conservadora) e o Partido Popular Monárquico (PPM), duas formações que não tinham presença na Assembleia da República. Os monárquicos são uma força anedótica, embora o CDS-PP seja um partido histórico que participou da redação da Constituição portuguesa. Os resultados de domingo significam o retorno do CDS ao Parlamento e, além disso, sua entrada no governo.

Em seu discurso, Montenegro não disse se convidaria representantes da Iniciativa Liberal (IL) para participar de seu futuro gabinete, uma sigla com visão ultraliberal na economia e nas políticas públicas. Montenegro e o líder da IL, Rui Rocha, se encontraram para um almoço há alguns meses para expressar sua vontade de chegar a acordos pós-eleitorais. Os liberais terão oito assentos, o mesmo número que na legislatura anterior.

Ascenção do Chega
O resultado de domingo confirma o Chega como um partido político de crescimento vertiginoso em apenas cinco anos. Das fileiras socialistas, lamentou-se que o avanço da extrema direita ocorresse quando se comemoram os 50 anos da Revolução dos Cravos, que encerrou a ditadura em Portugal em 1974.

— O Partido Socialista deve fazer uma forte oposição e se preparar para enfrentar o que vem, que se prevê que não será bom para os portugueses — destacou a ministra Ana Catarina Mendes. — São os socialistas que devem estar atentos e não permitir que a democracia caia — acrescentou.

O primeiro-ministro António Costa, que havia afirmado durante a campanha que a extrema direita não cresceria tanto quanto previam as pesquisas, disse neste domingo que será necessário analisar as razões do avanço do Chega.

— Temos que tentar compreender o quanto é estrutural e quanto pode resultar de eleições realizadas em um quadro conjuntural atípico, após uma crise de inflação e aumento maciço das taxas de juros. Devemos ver o quanto isso responde a uma mudança profunda na sociedade portuguesa e quanto é voto de protesto — indicou.

No bloco de esquerda, a única alegria foi para o Livre, que passou de um para quatro deputados e poderá formar um grupo parlamentar. O Bloco de Esquerda manteve os cinco assentos sem que a renovação na liderança com a economista Mariana Mortágua tenha beneficiado nas urnas, enquanto o Partido Comunista Português, que se apresentava pela primeira vez com Paulo Raimundo, perdeu dois dos seis deputados que tinha, passando para as mãos do Chega.

Um país dividido
Nesta segunda-feira, o popular jornal Correio da Manhã escreveu que “o furacão Chega vira o país para a direita”. Já o Jornal de Notícias resumiu a situação assim: “Uma vitória frágil, um país dividido”. O editorial do Público ressaltou que, “a partir de agora, as forças democráticas terão que encarar a vitória do Chega como um fracasso que lhes pertence”.

O chefe dos socialistas aceitou sua derrota e assumiu o papel de líder da oposição. Pedro Nuno Santos advertiu, no entanto, que não se sentia obrigado a ceder em relação ao próximo orçamento do Estado e a se abster em sua aprovação.

Este será o teste crucial para a frágil maioria de centro-direita, entre a esquerda e a extrema direita. Uma das maiores agências de rating do mundo, a canadense DBRS comentou que “o principal risco está relacionado com uma paralisia parlamentar e um governo instável”, que poderia enfrentar “obstáculos importantes”.