SAÚDE

A vida depois do Ozempic: quantas pessoas recuperam o peso perdido?

Metade dos consumidores desses medicamentos para perda de peso interrompe o tratamento dentro de um ano

Perda de peso - @spukkato/Freepik

Perder peso é surpreendentemente fácil. Recupere-o mais tarde também. Foi demonstrado que os medicamentos da moda, agonistas do receptor GLP-1, causam uma perda de cerca de 15% do peso do paciente. O Santo Graal das dietas é injetável, o seu nome comercial é Ozempic e custa entre R$ 971 a R$ 1.308 por mês no Brasil.

Mas o seu custo vai além do econômico. Este medicamento gera uma sensação constante de saciedade e viver plenamente num mundo de alimentos ultraprocessados. No nosso dia a dia, muitos planos sociais giram em torno da mesa ou do balcão do bar. Ozempic elimina a vontade de comer, em muitos casos também a vontade de beber , podendo dar uma sensação constante de náusea.

Estas são algumas das razões pelas quais, apesar da sua eficácia, até metade dos consumidores abandonam estes medicamentos no espaço de um ano. E com a volta à rotina, os quilos voltam. No entanto, um novo estudo sugere que pode haver uma maneira de evitar o efeito rebote: exercícios.

Para chegar a esta conclusão, investigadores da Universidade de Copenhage, na Dinamarca, contataram os participantes de um antigo estudo que publicaram em 2020. Analisaram então 195 pessoas obesas que perderam 10 quilos e mantiveram esse peso. Um grupo complementou a dieta com um tratamento com Saxenda, um dos primeiros agonistas, isto é, um fármaco que possui afinidade por um receptor particular e causa uma modificação no receptor que resulta em um efeito observável, do GLP-1 (um hormônio que aumenta a secreção da insulina).

Outro passou a tomar o mesmo medicamento, combinando-o com um programa de exercícios supervisionados, com duas aulas de spinning e duas corridas por semana. Um terceiro grupo recebeu um placebo. Depois de um ano, quase todas as pessoas que tomaram o medicamento mantiveram o peso mais baixo ou perderam mais peso. Os resultados foram publicados no New England Journal of Medicine (Jornal da Nova Inglaterra de Medicina, traduzido do inglês) e os participantes retornaram às suas vidas sem supervisão ou orientações.

A parte mais reveladora do estudo começou a se revelar. Depois de um ano, os pesquisadores convidaram os participantes a retornar ao laboratório. 109 retornaram e tiveram peso, composição corporal e hábitos atuais de exercícios verificados. Para alguns, o ano foi desastroso. Quem não manteve a rotina de exercícios recuperou cerca de 70% do peso perdido.

Além disso, a maioria desses quilos recuperados estava na forma de gordura, não de músculo, então eles acabaram com porcentagens de gordura corporal mais altas do que antes de começarem a tomar o medicamento. Ficou pior.

— Eles ganharam um peso pouco saudável — diz Signe Sørensen Torekov, professor de ciências biomédicas na Universidade de Copenhage e principal autor do estudo.

Por outro lado, as pessoas que mantiveram certos hábitos desportivos por conta própria mantiveram melhor o peso e preservaram mais massa muscular. Os resultados indicam claramente que as pessoas que tomam estes medicamentos podem “manter um peso saudável” mesmo depois de interromperem a medicação.

— Mas eles precisam fazer exercícios — acrescenta Torekov.

O novo estudo foi financiado, em parte, pela Fundação Novo Nordisk, uma instituição de caridade afiliada ao fabricante do Saxenda, embora a empresa não tenha supervisionado o estudo ou os seus resultados. Além disso, o medicamento utilizado já foi superado por versões mais avançadas, mas os autores e outros especialistas consultados garantem que os resultados do estudo seriam aplicáveis aos demais medicamentos desta família.

Vida pós Ozempic
María (nome fictício), madrilena de 36 anos, perdeu cerca de sete quilos com os furos. O tratamento não foi acompanhado de dieta alimentar ou exercícios, mas como nunca teve fome, perdeu peso sem muito esforço. Ela decidiu parar de tomar injeções de Ozempic e voltou aos velhos hábitos.

— Ganhei peso de novo. Fiquei com dores durante quatro meses, depois parei — ela conta

Questionada sobre os motivos que a levaram a abandonar um medicamento que funcionava, María explica que perdeu o que queria e que o dia a dia com Ozempic não era muito agradável.

— A forma de administrar, injetável, me deu um pouco de preguiça, me incomodou. E, depois, a dificuldade de conseguir, o enjôo… Enfim, desisti — explica.

Um ano depois, ela está com o mesmo peso de quando começou a utilizar o fármaco.

Javier Díaz, sevilhano de 45 anos, acompanhou o seu tratamento com uma rigorosa rotina desportiva. Há um ano, em sua entrevista, ele se gabou de poder fazer 100 agachamentos por dia. E continua a fazê-lo, pois tem mantido os seus hábitos desportivos.

— Dois dias na semana tenho personal trainer e três dias de treino gratuito. Faço CrossFit , treino funcional, misturo cardio e força, e ando muito com o cachorro… No momento estou fazendo uma caminhada de uma hora com ele — ele conta.

Díaz deixou a Ozempic há oito meses. Mas ele não parou de se exercitar. Seu peso se manteve estável nesse período, entre 81 e 82 quilos.

— Este é um exemplo claro de como a medicina pode ajudar. É um caso muito comum. Estresse, hábitos de vida, trabalho... são fatores que influenciam o peso do paciente. Podemos ajudá-lo com medicamentos para regular a disfunção do seu cérebro, dos seus hormônios intestinais. Mas deve ser acompanhado de hábitos saudáveis que serão mantidos após o término do suporte farmacológico —explica Cristóbal Morales, seu endocrinologista.

Morales é endocrinologista dos hospitais Virgen de la Macarena e Vithas (ambos em Sevilha) e membro da Sociedade Espanhola para o Estudo da Obesidade. Questionado sobre o estudo da Universidade de Copenhage, concorda veementemente com os resultados, que coloca num contexto mais amplo e unânime.

— Estudos como este corroboram a nossa mensagem de que as Unidades de Excelência em Obesidade não o são se não forem multidisciplinares e não tiverem incorporados profissionais de atividade física e desporto — o especialista salienta.

A obesidade é uma doença crónica, por isso tem sido sugerido que o seu tratamento também o seja. No entanto, em muitos casos, estes medicamentos apenas fornecem uma ajuda extra para encorajar uma mudança no estilo de vida.

— A obesidade é para sempre e os pacientes lutarão durante toda a vida para manter o peso. Mas a experiência da vida real com medicamentos para obesidade é diferente dependendo do paciente. Tem gente que usa para atingir o peso saudável e depois consegue mantê-lo sem remédios. Outros precisam de pequenas doses e há quem possa precisar delas de forma intermitente — admite Morales.

Os primeiros agonistas do GLP-1 começaram a ser utilizados há 15 anos e vários estudos científicos confirmam a segurança do tratamento a longo prazo. Mas uma vida com Ozempic, embora viável e segura, não se mostra sustentável. O medicamento pode fornecer ajuda ocasional, mas antes da primeira injeção, você deve começar a considerar como administrar a vida após o Ozempic. O que fazer quando a fome voltar.