RIO DE JANEIRO

Solução das mortes de Marielle e Anderson depende do STJ validar a delação de Lessa; entenda

Caberá ao ministro Raul Araújo a homologação ou não da colaboração, que completa seis anos nesta quinta-feira

Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes - Reprodução

Informações dadas pelo ex-sargento da Polícia Militar Ronnie Lessa, que fundamentadas geraram uma delação premiada, ainda não homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), trazem à tona a esperança de se chegar aos mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes o mais breve possível.

Agora, só depende do ministro Raul Araújo. Além de afirmar que são dois os mandantes, o fato de a colaboração depender da validação do STJ comprova que, pelo menos um deles, tem foro privilegiado.

Entre os investigados pela Polícia Federal e pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), apenas o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, tem tal prerrogativa. Brazão, por sua vez, nega veementemente o crime. Na opinião dele, Lessa estaria protegendo alguém ao incriminá-lo. O conselheiro afirmou, em entrevista ao Globo em janeiro, que não conhecia as vítimas e, tampouco, os réus.

Enquanto não houver a homologação, as investigações seguem em sigilo absoluto por agentes e promotores. Embora autoridades do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, em Brasília, tenham assegurado que as prisões dos mandantes do crime ocorreria até esta quinta-feira, quando o duplo homicídios completa seis anos, a dependência da decisão do tribunal acabou suscitando uma frustração aos parentes das vítimas. Por estar em segredo de Justiça, o STJ não comenta sobre o caso.
 

A principal linha de investigação do assassinato da parlamentar seria a disputa por terras na Zona Oeste do Rio. Ainda como ministro da Justiça, Flávio Dino firmou um compromisso com a viúva de Marielle, a vereadora Monica Benicio, de que o crime seria elucidado este ano. Ele assumirá uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 22 de março.

Entrada da Polícia Federal no caso Marielle e Anderson
Após assumir o compromisso de resolver de vez o caso Marielle e Anderson, logo que tomou posse no ano passado, Dino ofereceu ao governador Cláudio Castro o apoio da Polícia Federal nas investigações. Desde 22 de fevereiro de 2023, agentes da PF atuam em conjunto com Gaeco para chegar ao mandante do crime. O ex-ministro chegou a afirmar que “desvendar” o caso era uma “questão de honra”.

Meses depois, a PF e a força-tarefa do MP conseguiram convencer o ex-policial militar Élcio de Queiroz a fazer uma colaboração premiada. A delação causou uma verdadeira guinada no caso, que estava há cinco anos sem respostas. Foi a partir das revelações dele que a PF descobriu que os assassinos tinham plano para matar a vereadora desde dezembro de 2017. À polícia, o ex-PM relatou que havia passado a virada do ano de 2017 para 2018 na casa de Lessa que, alcoolizado, desabafou com Élcio que estava “chateado” por ter perdido “uma oportunidade de chegar a um alvo” na área do Estácio, semanas antes.

A delação também deu detalhes da participação do ex-bombeiro Maxwell Corrêa, o Suel, que teria ajudado a monitorar os passos de Marielle e participado da troca de placas do veículo Cobalt e providenciado seu desmanche. Já o sargento reformado Edimilson Oliveira, o Macalé, também revelado pelo ex-PM, teria intermediado a contratação de Lessa e participado das "campanas" feitas para vigiar os passos de Marielle na preparação para o crime.

Suel foi preso no dia 24 de julho do ano passado, durante a Operação Élpis, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do Rio, após a delação premiada. Macalé foi executado a tiros em novembro de 2021, aos 54 anos. Antes disso, foi citado em inquéritos relacionados ao jogo do bicho, aparecendo como integrante da equipe de segurança de Bernardo Bello e apontado como um dos braços direitos do bicheiro.

Antes de a PF assumir a investigação ao lado do Gaeco, eles já tinham contribuído pontualmente com a investigação. Em 2019, eles concluíram que houve obstrução na apuração do duplo homicídio pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) da Polícia Civil, provando que havia pessoas atrapalhando a resolução do caso plantando informações falsas. Nessa época, a investigação da DHC apontava o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, como o criminoso que intermediou a morte da vereadora, a mando do ex-vereador Marcello Siciliano. O trabalho da Polícia Federal ficou conhecido como "investigação da investigação".

Durante essa passagem na investigação, a PF também corrigiu a rota afastando o nome dos dois do centro do caso. Após essa correção de rumos, o delegado da DHC, Giniton Lages, e as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile, do Gaeco, passaram a mirar em Lessa, então policial militar, como atirador, e Élcio, o motorista do Cobalt usado na emboscada do dia 14 de março de 2018. Eles foram inseridos na investigação em outubro daquele ano, depois que um telefonema anônimo para a DHC trouxe os nomes à tona.

Na época, a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu para federalizar o caso, retirando a apuração do crime da Polícia Civil e do MPRJ. Na época, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge ela alegou que as autoridades fluminenses não demonstraram capacidade de chegar aos mandantes do crime. Ela justificou o pedido apontando a participação do Domingos Brazão no homicídio, na época, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE), com foro privilegiado. Em maio de 2020, ministros da Terceira Seção do STJ indeferiram o pedido, entendendo que o pedido de federalização não teve amparo de justificativa técnica.

Desde o dia do crime, em 14 de março de 2018, cinco delegados da Polícia Civil estiveram à frente das investigações das mortes de Marielle e Anderson. O delegado federal Leandro Almada, atuou no início do caso, assinando o relatório da "investigação da investigação", e depois passou a ser o superintendente da PF no Rio. Atualmente, o responsável pelo inquérito dos mandantes é o delegado federal Guilhermo Catramby, enquanto o promotor do caso, Fábio Correa, que coordena o Gaeco, chefia a Força-Tarefa Marielle e Anderson.