O ingrediente mais badalado do mundo? Acredite, é o repolho; entenda
Entenda como esse alimento coadjuvante ganhou destaque em restaurantes criativos
Se eu fosse um vegetal, contrataria o gerente de marca do repolho.
O repolho passou uma eternidade sendo o carro-chefe do stir-fry (técnica de cozimento de origem oriental em que os ingredientes são fritos em uma pequena quantidade de óleo enquanto são misturados) e do ensopado, o companheiro silencioso de inúmeras pernas de pato, sanduíches de porco desfiado e pratos alemães. Nunca reclamou, mesmo quando cozido com carne enlatada ou enfiado em uma panela por meses. Mas, hoje, o vegetal que pode fazer sua casa cheirar como um cortiço do século XIX é o queridinho dos apaixonados por culinária nos Estados Unidos.
Folhas de repolho roxo foram usadas para embrulhar mapo tofu no restaurante Poltergeist, o atual fascínio culinário de Los Angeles. No Superiority Burger, em Nova York, o repolho envolve delicadamente o arroz com tofu e cogumelos refogados. Pratos requintados que colocam o repolho em papel de destaque estão encontrando seu caminho nos cardápios de todo os EUA. No Good Hot Fish, em Asheville, Carolina do Norte, o repolho verde picado é estrela em uma panqueca temperada com molho de sorgo picante.
— É como o bacon nos anos 1990 — diz o chef Michael Stoltzfus, que tem dois pratos de repolho em seu cardápio no Coquette, em Nova Orleans.
O repolho é apenas a última celebridade em uma família de crucíferos robustos que ajudam chefs e clientes durante os meses mais frios, quando os produtos locais são escassos. Rúcula, couve e couve-flor tiveram cada um sua vez, mas as couves-de-bruxelas, a atual queridinha dos menus modernos que David Chang começou a grelhar com bacon no Momofuku Noodle Bar em 2004, são talvez a brássica de porta de entrada de todas.
Essa verdura tem a vantagem de ser especialmente barata e abundante, com uma longa vida útil, já que uma única cabeça parece durar para sempre na geladeira. E ganhou espaço nos cardápios americanos à medida que acrescentavam pratos criativos influenciados pela China, Índia e outros países asiáticos, onde o alimento é um ingrediente essencial. O kimchi, prato típico coreano, por exemplo, ajudou muito. Seu crescimento meteórico foi impulsionado (para o desagrado de alguns) pelo interesse em tudo que é fermentado e benéfico para o intestino.
Com sua herança suíço-alemã, Stoltzfus era um superfã de repolho antes de ser um chef famoso.
— Todo mundo riu de mim por muito tempo — conta.
Seu grande sucesso é um pedaço de repolho verde torrado com molho ravigote e polvilhado com parmesão. A US$15, o prato é um constante gerador de dinheiro em um momento em que os orçamentos de restaurantes estão particularmente apertados.
— É algo com que brincamos — diz. — Nosso aperitivo mais vendido é a coisa que mais nos anima e também, de longe, a melhor margem de lucro — pontua.
Ainda assim, alguns clientes que não são fãs do alimento precisam ser convencidos.
— Para uma pessoa comum, o repolho é a última coisa que eles escolhem quando veem no cardápio porque é humilde, como uma batata — fala o chef do Chi Spacca, em Los Angeles, Armen Ayvazyan.
Muitas pessoas pedem a receita que foi a contribuição do chef para a reabilitação do ingrediente: uma porção macia de repolho em forma de cone recheada com nduja (uma espécie de salame). Chega à mesa em um molho de queijo taleggio cercado por azeite de cebolinha verde.
O repolho tem sido um cavalo de batalha culinário global por séculos (a China é a que mais produz, a Rússia é a que mais come). E alimentou gerações de imigrantes americanos.
Nova onda
Mas encontrar o repolho que iniciou o renascimento crucífero atual não é tão fácil. Em 2019, parecia que o repolho estava a caminho do sucesso, pelo menos de acordo com a agência de notícias Associated Press. Alguns meses depois, o site de gastronomia Eater saudou o repolho como “sua próxima grande paixão por vegetais”. No entanto, a pandemia desacelerou o ímpeto dos vegetais nos restaurantes, embora tenha havido um aumento nas vendas de chucrute e kimchi quando as pessoas pensaram que o repolho fermentado poderia afastar a Covid.
Agora, a febre do repolho está mais forte do que nunca.
— Acho que 2024 será um ano realmente emocionante para o repolho — previu o famoso agricultor Lee Jones, do Chef’s Garden, uma fazenda especializada na região norte de Ohio.
A chef de Nova York Victoria Blamey, que cresceu no Chile, odiava repolho e seu cheiro sulfuroso. Mas quando a jovem cozinheira trabalhava na Inglaterra, experimentou um prato do vegetal com bacon. Agora, ela usa o repolho em terrinas e chou farci (prato típico europeu), e recentemente casou o repolho, o caranguejo e a baunilha no restaurante Blanca.
— O repolho pode ser tão elegante e luxuoso quanto qualquer outra coisa — disse.
Mas e o cozinheiro caseiro? Para as pessoas que cresceram comendo repolho refogado ou salada de repolho, o alimento não é novidade. A quantidade do vegetal que os americanos comem até caiu neste século: de 4 kg em 2000 para cerca de 2,7 kg per capita em 2022.
Cerca de um terço dos consumidores compraram repolho em 2023, de acordo com uma pesquisa realizada pela The Packer, uma publicação da indústria de produtos agrícolas. E eles não eram apenas cozinheiros com orçamento limitado. Pessoas que ganham mais de US$ 100 mil por ano compraram mais repolho do que aquelas que ganham menos de US$ 25 mil.