CINEMA

A coisa não está boa em Hollywood. E ainda pode piorar com a IA; entenda

De ameaça da IA à falta de blockbusters, o que está por trás da crise nos estúdios de cinema

O Oscar é o clímax de uma temporada de premiações e um prolongado show de felicitações coletivas - Patrick T. Fallon/AFP

A cerimônia de entrega do Oscar, no último dia 10, proporcionou, como se esperava, um momento de otimismo para a sempre ansiosa indústria do entretenimento.

O Oscar é o clímax de uma temporada de premiações e um prolongado show de felicitações coletivas. Ao que parece, todo mês de março ressurge a promessa de que o restante do ano será brilhante.

No Festival de Cinema de Sundance, as guerras de lances que se sucedem durante o festival ofereceram algum entusiasmo. Enquanto isso, nas bilheterias, as maiores apostas do ano ainda não estrearam e, portanto, ainda não fizeram as salas bombar.

Cada filme inédito ainda pode surpreender. Repete-se a sensação de que este poderá ser o melhor ano de todos os tempos. Mas, ao que parece, não será assim.

Considerando os dados, o ano passado não chegou a ser um desastre para Hollywood, mas sim uma prévia dos desastres que estão por vir.

Claro que a melhor notícia de 2023 foi o fenômeno "Barbenheimer" — dois sucessos já célebres que marcharam de braços dados em direção a 21 indicações ao Oscar ("Barbie" ganhou uma estatueta e "Openheimer", sete). Apesar disso, para todos os lugares que você olha, o prognóstico parece sombrio.

A indústria ainda se recupera das paralisações decorrentes da pandemia e das duas greves que reduziram drasticamente a produção de filmes durante seis meses.

Escritores, atores e praticamente todo restante da força de trabalho de Hollywood se uniram animosamente contra os chefes dos estúdios. Na sua recusa em fechar os acordos necessários, os executivos se colocaram bobamente no papel de supervilões. O resultado é que a fúria contra eles ainda persiste.
 

Cada nova manchete sobre a enorme compensação financeira recebida por Robert Iger, executivo-chefe da Disney, ou as decisões de David Zaslav, executivo-chefe da Warner Bros./Discovery, de arquivar as reduções de impostos, dão sustentação a uma narrativa que diz que aqueles que financiam os filmes estão se tornando inimigos daqueles que os produzem.

Isso está acontecendo enquanto a indústria percebe, em uníssono, que os serviços de streaming — as incríveis plataformas que levariam Hollywood para o futuro sobre tapetes mágicos — talvez não sejam, afinal, uma panaceia para resolver os problemas de fundo.

E, pairando acima de toda essa raiva e essa ansiedade, está a presença sinistra da inteligência artificial (IA), uma ameaça a todas as partes humanas da cadeia alimentar criativa: desde os roteiristas até os atores, cujo rosto preenche as telas, e, teoricamente, também os executivos de estúdio, cujo trabalho é comandar com sabedoria.

Se 2023 foi um ano de redução, diminuição, arquivamento, marginalização, recuo e cobertura de apostas, 2024 será o ano das consequências. A verdade é que, graças às greves, simplesmente não existem filmes novos para preencher a programação.

Também não há produção suficiente em preparação para permitir que o negócio se expanda até o ponto de equilíbrio de que necessita. (A grande estreia deste mês, "Duna 2", veio de um adiamento.

A data de estreia original era em 2023, mas foi alterada por causa da interrupção gerada pelas greves.) Hollywood levará ao menos um ano inteiro para que suas linhas de abastecimento comecem a fluir novamente na capacidade máxima.

Entretanto, há menos linhas de abastecimento do que costumava haver. Apenas cinco empresas cinematográficas tradicionais ainda operam como estúdios tradicionais, e uma delas, a Paramount, está à venda.

Quanto aos novos projetos, o atual lema sussurrado nos corredores da indústria parece ser: tente sobreviver até 2025. Escritores e produtores que apresentam projetos estão sendo alertados para manter suas expectativas no nível básico; ninguém está comprando, todos estão cortando custos e impondo regras de cautela.

Os tempos do boom se acabaram. Para citar Tony Soprano — o personagem principal de uma série de sucesso quando uma era de ouro parecia estar nascendo, e não decaindo —, "as coisas estão tendendo para baixo". Ele não tinha ideia de como suas palavras eram premonitórias.

Se a indústria cinematográfica americana coubesse em um grande filme, estaríamos antes do fim da história, bem no fim do segundo ato, o momento mais sombrio quando tudo parece perdido. Ou como me disse um agente: "Muita gente entre nós sente que está trabalhando no rescaldo de uma indústria do passado, não em uma indústria ativa."

Mas, como qualquer fã dos filmes de Hollywood sabe, é neste momento que os heróis derrotados olham para o campo de batalha, avaliam os novos e maiores riscos, reagrupam-se e finalmente triunfam. Hollywood, pelo menos desde a década de 1940, sempre passou por momentos de perigo para sua sobrevivência — as acusações de influência comunista, o advento da televisão, a ascensão do videocassete, depois a TV a cabo e o streaming. Apesar das turbulências, ela sempre encontrou uma maneira de se recuperar.

Em meados da década de 1960, os estúdios estavam quase à beira de um naufrágio. Ninguém que dirigia Hollywood conseguia entender por que os métodos antigos não funcionavam mais. "Não era só porque estávamos cansados do sistema.

O sistema estava cansado de si mesmo", me disse uma vez o diretor Arthur Penn. Esse mal-estar, esse desânimo e essa incerteza, contudo, levaram a uma grande reviravolta e a uma década de agitação e criatividade.

O movimento da Nova Hollywood, nos anos 1960 e 1970, eclodiu porque um grupo de jovens cineastas talentosos fez filmes excelentes, como "Bonnie e Clyde", "A primeira noite de um homem", "Sem destino", "O poderoso chefão" e "Tubarão", que se tornaram grandes sucessos.

É importante notar, todavia, que os responsáveis pelos grandes estúdios, na época, consideravam a maioria desses filmes exceções, esquisitices e anomalias. A indústria cinematográfica não percebia que o mundo embaixo de seus pés estava em movimento.

E é nesse mesmo ponto que a atual indústria cinematográfica está agora: o sistema, ao que parece, está mais uma vez cansado de si mesmo. Os profissionais da indústria têm se perguntado, nos últimos quatro anos, quando as coisas voltarão ao normal. Mas está cada vez mais claro que essa tal normalidade não voltará a existir. Só há avanço se for em direção a algo novo e, logo, vão descobrir o que é isso afinal.

Nas cinzas do ano passado, um esboço desse novo normal começou a se moldar. É um cenário que consiste não mais em grandes estúdios (já não estamos na década de 1950) ou em grandes estúdios competindo com empresas produtoras emergentes que roubam seus prêmios (já não estamos na década de 1990).

Agora, é uma mistura de modelos novos e antigos: estúdios, empresas produtoras, streamers (como Apple, Amazon e Netflix) e sucessos inesperados (filmes familiares repletos de mensagens espirituais e fenômenos antiesquerda, como o polêmico filme "Som da Liberdade"), que continuam a surpreender as pessoas.

É também uma paisagem que, como tantas hoje em dia, envolve fenômenos como Taylor Swift. Em 2023, o filme "Taylor Swift: The Eras Tour" dispensou os distribuidores tradicionais, foi direto para os cinemas e superou os maiores filmes do ano passado no mercado interno americano.

Ao que parece, se os cinemas quiserem sobreviver nessa onda— em que se vai à sala de exibição para dançar com um monte de amigos —, é melhor que entendam que, provavelmente, esse tipo de evento coletivo será parte do futuro.

Um reconhecimento do efeito Swift pode ser aferido pelo fato de os direitos de streaming de "The Eras Tour" terem sido vendidos à Disney por, supostamente, cerca de US$ 75 milhões. Hollywood, finalmente, adotou o princípio da velha escola, testado e comprovado: se você não consegue vencê-los, coma-os (mesmo que seja uma refeição muito cara).

Barbenheimer deixou claro que o público ficou animado quando dois filmes vigorosos e muito diferentes foram lançados no mesmo dia. Mas se em 2023 Barbenheimer foi uma boa notícia para os estúdios, eles parecem não aprender com os sucessos.

Costumavam competir frente a frente quase todo fim de semana, mas agora tentam desesperadamente evitar esses confrontos de agenda. É surpreendente que, em vários fins de semana de 2024, até agora, não tenham programado um grande filme novo — muito menos dois. Isso é um erro.

Os estúdios precisam provocar essa colisão. Barbenheimer é um lembrete de que os estúdios do velho sistema (a Universal lançou "Oppenheimer" e a Warner lançou "Barbie") estão entre as poucas entidades que possuem músculos de marketing para sustentar um autêntico evento mundial.

De fato, 2023 proporcionou dois sucessos de bilheteria que disputaram o Oscar de melhor filme, um sonho que se tornou realidade para os estúdios de Hollywood. Mas isso não esconde o fato de que os filmes de super-heróis, a maior fonte de renda da indústria nos últimos 12 anos, mostram sinais de colapso iminente.

Quatro filmes da DC / Warner tiveram baixo desempenho de bilheteria, incluindo "Aquaman 2: o Reino Perdido", "Shazam! Fúria dos Deuses", "The Flash" e "Besouro Azul". A Disney também sofreu um duro golpe. Quando "Capitã Marvel" foi exibida nos cinemas, arrecadou US$ 427 milhões. A sequência, chamada "As Marvels", arrecadou lamentáveis US$ 85 milhões. E não deixa de ser crueldade mencionar a desastrosa tentativa da Sony de construir um universo estendido da franquia "Homem-Aranha" com o filme "Madame Teia".

Os filmes de super-heróis não terminaram. A Disney e a Warner Bros. fecharam planos plurianuais com esse tipo de filme. "Deadpool & Wolverine", provavelmente, será um sucesso neste verão. Mas o que seria um plano de negócios à prova de kriptonita já sucumbiu. Acabaram-se os dias em que o público acompanhava fielmente cada capítulo interconectado de uma saga oriunda do universo cinematográfico dos heróis. Porque deixou de ser entretenimento para se parecer com uma lição de casa.

Se houver uma ponta de esperança, talvez ela possa ser encontrada em um filme antigo de super-heróis que estreou, em meio a grandes dúvidas, há 35 anos. No verão de 1989, o prestígio do cinema hollywoodiano não passava de rotina; executivos ansiosos temiam que os jovens preferissem ficar em casa e assistir à MTV — da mesma forma que agora se preocupam com o fato de os jovens serem viciados nos pequenos vídeos do TikTok. Mas voltemos a 1989. O sucesso de "Batman", do diretor Tim Burton, e o êxito inesperado de "A Pequena Sereia", "Sexo, mentiras e videotape" e "Faça a coisa certa" abriram novas perspectivas e possibilidades. Cada um desses filmes era de um gênero considerado marginal: quadrinhos, animação e filme independente. E se tornaram minas de ouro.

Hollywood pode ainda não saber o que vai substituir os filmes de super-heróis, qual será a próxima categoria de sucesso de bilheteria consistente, mas a crise atual fornece, pelo menos, incentivo para que se comece a perseguir uma redefinição de parâmetros.

Redefinir, no entanto, requer energia criativa e imaginação, e isso é uma parte da indústria cinematográfica que os estúdios tradicionais tentaram eliminar durante décadas. Recentemente, os estúdios entraram na era da gestão de marca e abandonaram o negócio de geração de ideias e desenvolvimento de roteiros. Redesenharam seu negócio como curadoria e não como descoberta. Isso também tem de mudar.

Não estamos aqui fazendo um apelo nobre para que a indústria se torne algo que nunca foi; é uma proposta sólida para que os estúdios (e agora os streamers) se reconectem com um modelo de negócio empreendedor, flexível e relativamente rápido de dinamizar, no qual possam operar com sucesso durante a maior parte de sua existência.

Hollywood tem uma longa história de alternância entre surtos de exuberância irracional e profundos períodos de depressão. Antes dos perigos do streaming e da IA, a ameaça existencial vinha da TV, aquela luz que atraía os talentos de primeira linha e os olhos do público. Mas nem tudo que se apresenta como a morte de uma indústria acaba se materializando.

O e-book, por exemplo, não acabou com os livros nem com as livrarias. O streaming, negócio que, apesar de todas as falhas, dá acesso a filmes para mais pessoas, não vai matar o cinema ou a ida ao cinema. É possível que as decisões erradas que levaram a duas greves prolongadas — a mais consistente tentativa recente dos chefes de estúdio de dar um tiro no próprio pé — tenham criado um benéfico imprevisto, uma improvável esperança, que se extrai do sério atraso na conclusão de filmes de franquias gigantes.

Considerando os recentes números decepcionantes de bilheteria, algumas dessas franquias com décadas de existência, como "Velozes e furiosos" e "Missão: impossível", podem, finalmente, ter atingido a idade provecta necessária para pedir aposentadoria.

À luz da escassez de blockbusters e por pura necessidade de criar pânico na cadeia de suprimentos, Hollywood está olhando, comprando e até mesmo fazendo planos para produzir um monte de roteiros que possam sair do papel rapidamente para serem filmados, editados e lançados com rapidez. São filmes que não exigem um orçamento magnífico de US$ 250 milhões e um ano inteiro de complicado trabalho de pós-produção. São longas como "Hamnet", dirigido pela vencedora do Oscar, Chloé Zhao (cujo último filme, "Eternals", da Marvel, obteve baixo desempenho), e "Novocaine", thriller adquirido pela Paramount, estrelado por Jack Quaid. Até mesmo Tom Cruise, que não estrela um filme sem franquia desde 2017, está fazendo parceria com o diretor vencedor do Oscar, Alejandro Iñárritu.

Os filmes independentes não exigem que os espectadores tenham doutorado nos filmes anteriores de franquias ou de universos estendidos. São apenas histórias que você gostaria que Hollywood contasse mais vezes. E talvez você os recorde como sendo aquilo que costumávamos chamar simplesmente de filmes.