futebol

Em busca de afirmação, técnicos brasileiros cruzam fronteiras e tentam trabalhos fora do país

Longe dos centros de elite do futebol, profissionais encontram reconhecimento e estabilidade para mostrar seu trabalho

Péricles Chamusca, treinador do Al Taawon, da Arábia Saudita - Reprodução/Instagram

A instabilidade que treinadores enfrentam no futebol brasileiro fez com que alguns deles topassem o desafio de tentar se firmar fora do país. Péricles Chamusca — campeão da Copa do Brasil de 2004 pelo Santo André — é um deles. Com passagens pelo Japão, Catar e, agora, Arábia Saudita, o comandante do Al-Taawoun comemora a decisão.

— Acho que tenho um sentimento inverso. Quando comecei a sair do país, penso que entrei na zona de conforto. A atmosfera de trabalhar fora é muito mais tranquila, o que me possibilitou desenvolver bem a minha função em todos as localidades, conquistando títulos e me adaptando bem às diferentes culturas — diz.

Com falta de apoio e incerteza sobre o futuro, a possibilidade de desenvolver trabalhos duradouros no Brasil é para poucos. Atualmente — dentre os clubes da primeira divisão — apenas Abel Ferreira, do Palmeiras, Fernando Diniz, do Fluminense, e Pedro Caixinha, do RB Bragantino, estão no comando de suas equipes há mais de um ano.

Gestão e respeito
Após passar por dois clubes em três anos, Bragantino e Vasco, Maurício Barbieri resolveu “buscar novos ares”. À frente do Juárez (do México), o treinador afirma que tem sentido algumas diferenças positivas, em comparação as suas experiências mais recentes no futebol brasileiro.

— Em relação aos últimos trabalhos que tive no Brasil, tenho notado um respeito muito grande pela figura do treinador aqui. Até o momento tenho reparado também que se espera que a função do treinador se estenda a outras áreas. É treinar a equipe principal, mas tendo ligação com a base, com o departamento de scouting e a logística da equipe — explica.

Outro exemplo é Rodrigo Santana, que começou a carreira no URT-MG, mas só passou a chamar atenção no trabalho seguinte, no Atlético-MG, quando chegou à semifinal da Sul-Americana e foi derrotado nos pênaltis. A proximidade do título continental, conta, o motivou a buscar outras oportunidades que o permitissem disputar mais competições internacionais. Após quatro anos no Brasil, o treinador comandou o Rans, da Indonésia, e o Vaca Díez, da Bolívia. Sem clube no momento, ele diz que “está atento ao mercado e tem recebido consultas para retornar ao futebol boliviano”.

Segundo Santana, quando se transferiu para o futebol da Indonésia, tinha propostas para permanecer no Brasil, mas acreditava que poderia ganhar experiência com a mudança de país. E não se arrepende, já que ganhou reconhecimento por onde passou:

— Para o meu currículo, faltava trabalhar em outros países. Ter essa experiência internacional para um treinador jovem como eu, ainda me daria tempo de sair do Brasil e ganhar esta bagagem, para depois retornar. Eu fico feliz de estar sendo lembrado pelos lugares que passei, sempre chegando propostas.

Barbieri também afirma que tinha propostas de clubes brasileiros, mas entendeu que sair do país naquele momento o faria crescer como profissional, “com a possibilidade de conhecer e explorar oportunidades em outra liga e iniciar uma carreira internacional”.

Mas há também quem faça o caminho inverso, como Tiago Nunes — sem que o resultado seja diferente. O treinador estava no comando do Sporting Cristal, com o qual terminou em quarto lugar no Campeonato Peruano, mas preferiu encerrar o contrato lá para assumir o Botafogo em novembro do ano passado. Foram apenas 15 jogos (quatro vitórias, sete empates e quatro derrotas) até ser demitido, em fevereiro deste ano. Segundo a imprensa paraguaia, ele é cotado para assumir o Cerro Porteño.

Para Chamusca, isso é resultado da cultura do “resultadismo” no futebol nacional. Segundo ele, a situação só vai evoluir quando os técnicos deixarem de ser reféns do placar final.

— Os clubes precisam dar oportunidade aos treinadores em um ambiente profissional, de construção de performance. Do jeito que acontece no Brasil, hoje é uma fantasia. Querem que os técnicos deem resultados em três meses, o que torna o trabalho uma loteria para eles. Você precisa do resultado de imediato para depois ter a possibilidade de desenvolver o trabalho — critica.

O problema, analisa Barbieri, estende-se também à falta de gestão e respeito de quem está no comando de toda a estrutura.

— Tenho convicção de que os treinadores no Brasil, que sempre foram muito capacitados, têm evoluído muito nos últimos anos. Mas o futebol brasileiro, apesar de ter evoluído em aspectos financeiros, estrutura, ainda tem muito a melhorar em gestão, organização, respeito aos torcedores e profissionais envolvidos com futebol — afirma.

Para Rodrigo Santana, falta respaldo de figuras como o presidente e o executivo de futebol. Segundo ele, o “clube precisa ter critério para trazer o seu treinador e confiar na escolha”.