GOVERNO LULA

Bilhete, bronca, religião: a reunião ministerial de Lula em sete pontos

Orientação é que os titulares das pastas não falem apenas sobre as suas respectivas áreas, mas apresentem um panorama geral das ações da gestão

Lula durante a reunião ministerial - Ricardo Stuckert/Divulgação

Sob pressão pela queda de popularidade identificada em pesquisas recentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou os ministros a viajarem mais e aumentarem a ênfase na divulgação das realizações do governo, deixando as articulações para a eleição municipal em segundo plano.

A reunião ministerial de ontem, a mais curta desta gestão, também foi marcada por preocupações com a comunicação no campo digital, críticas ao “uso político” da religião e pela reação do presidente às investigações de uma trama golpista envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou de “covardão”. Segundo Lula, o Brasil correu sério risco de golpe.

Lula convocou os integrantes do primeiro escalão e deixou claro que pretende vê-los viajando o país e dando entrevistas para ocupar espaços com ações consideradas positivas — o titular da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou uma série de dados que podem ajudar a embasar os colegas. Há um incômodo no Planalto com o fato de resultados como a abertura de vagas de emprego e o crescimento na renda oriunda do trabalho terem repercussão aquém da desejada.

A reunião de Lula em sete pontos

Eleições municipais: Lula pediu para que ministros deixem as disputas de outubro em segundo plano. Com 11 partidos compondo a Esplanada, o presidente não quer que a pauta contamine a agenda do governo.

Mais viagens: O presidente quer que auxiliares viagem mais o Brasil para divulgar entregas do governo nas áreas econômica e social. E que além de falarem de suas respectivas áreas, devem apresentar panorama geral das ações da gestão.

Foco nas entregas: O petista quer ver concretizado o "portfólio robusto" de projetos que já foram lançados até aqui; nada de anúncio de novos programas: "É hora de colher e não de criar novos programas", disse Lula aos ministros.

Bronca em Nísia: Lula pediu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, uma comunicação mais eficiente sobre a dengue e, em relação aos hospitais federais, afirmou que ela pode trocar o comando das unidades, mas também deve aproveitar para solucionar problemas de gestão.

Bilhete: O vice-presidente Geraldo Alckmin enviou um bilhete para Rui Costa pedindo mais entusiasmo do ministro enquanto ele expunha os números do governo.

Religião: Em baixo com os evangélicos, segmento alinhado a Bolsonaro, Lula fez críticas ao uso da religião como instrumento político: "manipulada da forma vil e baixa".

"Covardão": O presidente afirmou que não há dúvidas de que houve tentativa de golpe no Brasil e chamou Bolsonaro de "covardão": "Ficou em casa chorando (após a derrota) e preferiu fugir para os EUA" esperando o golpe acontecer.

Auxiliares avaliam que esse movimento poderia ajudar a contrabalançar repercussões negativas de falas do presidente, que também acabam afetando sua popularidade, como a comparação da ação de Israel no conflito na Faixa de Gaza com o Holocausto. A orientação é que os titulares das pastas não falem apenas sobre as suas respectivas áreas, mas apresentem um panorama geral das ações da gestão. No domingo, O GLOBO mostrou que o tom da reunião seria de cobrança por melhorias na comunicação do governo.

Pesquisa Quaest divulgada na semana passada mostra que 51% da população aprova a gestão Lula, queda de três pontos percentuais na comparação com dezembro do ano passado. Na outra ponta, 46% desaprovam — eram 43% no fim de 2023.

 

"Ainda falta muito a fazer"
Lula repetiu que agora é hora de colher e não de criar novos programas. O presidente citou que é preciso fazer os recursos renderem, possibilitando que as ações que estão no Orçamento deste ano sejam entregues — segundo um auxiliar, o presidente estava “agitado, animado e acelerado”.

— Todo mundo sabe também que ainda falta muito para a gente fazer, por mais que já tenha recuperado Farmácia Popular, Mais Médicos, Bolsa Família... — disse Lula em sua fala inicial.

Depois do discurso, o encontro, que durou pouco mais de quatro horas, foi fechado.

— O presidente pediu que cada ministro procure revisitar tudo o que lançou. Ele não quer ver anúncios de novos programas, mas concretizar o que foi lançado. Já tem um portfólio robusto. Os resultados do governo e da economia têm que ser agregados em indicadores que sejam compreendidos pela população — afirmou o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Dentro deste eixo, Lula também não quer que os auxiliares percam o foco com as eleições municipais. Com 11 partidos com representantes no ministério, ele defendeu a portas fechadas a necessidade de evitar que a disputa pelas prefeituras traga reflexos negativos e reforçou que não quer que o pleito contamine a agenda do governo. Há ministros, inclusive, que devem participar das campanhas apoiando nomes que vão se opor aos preferidos do PT.

Após o encontro, o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, minimizou eventuais problemas na área e afirmou que o governo vai investir mais na segmentação por meio das redes sociais. Internamente, Lula afirmou que a esquerda está perdendo a batalha digital para o bolsonarismo — a saída de Flávio Dino do governo deixou um vácuo no enfrentamento à oposição, como mostrou levantamento da consultoria Bites.

— Na mesma forma que 2023 foi o ano do plantio para as outras áreas, para a comunicação também. Hoje, qualquer comunicação institucional é segmentada para determinados públicos.

Segundo presentes na reunião, Pimenta pediu ajuda de todos os ministros por um discurso mais uniforme.

Um dos pontos que Lula gostaria de ver explorado na ofensiva de comunicação é o programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação, voltado a estudantes do ensino médio. Antes criticado, o ministro Camilo Santana ganhou fôlego, e integrantes da pasta estão estudando estratégias para que as informações da iniciativa cheguem de forma eficiente à rede escolar e ao público-alvo.

Enquanto tenta conter o desgaste, Lula também criticou o uso político da religião e afirmou que ela não pode ser “manipulada da forma vil e baixa”. A portas fechadas, foi além e disse que “o Deus do Malafaia não é o mesmo que o nosso”, em referência ao pastor Silas Malafaia, crítico dele e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O presidente vem enfrentando dificuldades entre os evangélicos, segmento em que, segundo a Quaest, enfrenta desaprovação de 62%, seis pontos percentuais a mais que em dezembro de 2023. Segundo presentes na reunião, o presidente quis dizer que o governo não tem o objetivo de politizar a religião, como foi feito pela gestão anterior.

Lula voltou a afirmar que não há mais dúvida de que houve uma tentativa de golpe nos ataques de 8 de janeiro e chamou Bolsonaro de “covardão”. Em depoimentos tornados públicos na semana passada, os ex-comandantes Freire Gomes, do Exército; e Baptista Júnior, da Aeronáutica, afirmaram que o ex-presidente apresentou um documento que abriria caminho para a ruptura constitucional — o ex-presidente nega que tenha atuado contra a democracia. Os dois oficiais rejeitaram a ideia.

— Esse país correu sério risco de ter um golpe em função das eleições de 2022. E não teve não só porque algumas pessoas que estavam no comando das Forças Armadas não quiseram fazer, mas também porque o presidente é um covardão. Ele não teve coragem de executar aquilo que planejou, ficou dentro de casa chorando quase que um mês e preferiu fugir para os Estados Unidos — afirmou Lula.

"Às vezes não, todo dia"
A relação com o Congresso ocupou pouco espaço da reunião, mas Lula afirmou que vai tentar promover um armistício entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Lira não conversa com o responsável pela articulação política do governo desde o fim do ano passado. Em conversas com aliados, o presidente da Câmara acusa Padilha de não cumprir acordos. Durante a reunião, Lula disse que Lira “às vezes” reclamava do ministro Padilha, então, interrompeu o presidente e afirmou, segundo relatos:

— Às vezes não, todo os dias — disse o ministro.