Guerra

50 integrantes do Hamas foram mortos em incursão ao al-Shifa, maior hospital da Faixa de Gaza

Tropas de Israel invadiram o complexo hospitalar na madrugada de segunda-feira e afirmam terem encontrado diversas armas no local; ao menos 180 pessoas foram detidas

Palestinos deslocados fugindo da área próxima ao hospital al-Shifa chegam pela rodovia costeira ao campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza - AFP

O exército israelense anunciou nesta terça-feira que cinquenta integrantes do grupo terrorista Hamas foram mortos e ao menos 180 pessoas foram detidas durante uma incursão ao al-Shifa, maior hospital da Faixa de Gaza, localizado no norte do enclave. As tropas de Israel invadiram o complexo hospitalar na madrugada de segunda-feira e continuam operando no local, onde afirmam terem encontrado diversas armas e munições. Além dos pacientes, milhares de civis utilizam o espaço como abrigo desde o início da guerra, em 7 de outubro.

Segundo as Forças Armadas, a operação ocorreu porque havia evidências de que integrantes do Hamas utilizavam o espaço para coordenar suas atividades no enclave. Vídeos divulgados pelo exército israelense mostram trechos da incursão e exibem espaços dentro da unidade de saúde onde o grupo supostamente guardava armas e recursos financeiros.

Em comunicado, o Hamas afirmou que Israel “mirou diretamente” no complexo “sem se importar com os pacientes, equipe médica e os deslocados” que se abrigavam ali.

Anteriormente, autoridades israelenses disseram que mais de 200 pessoas foram detidas e 20 membros do Hamas foram mortos na ação, incluindo Faiq Mabhouch. Segundo Israel, Mabhouch era chefe de segurança interna do grupo palestino, responsável pela coordenação das atividades em Gaza. O Hamas confirmou a morte, mas declarou que ele estava encarregado de comandar a ajuda humanitária no norte do enclave e, portanto, deveria ter sido protegido pela lei internacional.

Problemas de saneamento no sul
A situação no sul da Faixa de Gaza também é ruim. Dois médicos franceses que atuaram na região entre os meses de janeiro e fevereiro relataram à AFP sua experiência operando em condições "terríveis", com escassez de antissépticos e entre pacientes gritando de dor.

— Não há mais recursos para garantir a assepsia [prevenção de doenças infecciosas] de um serviço hospitalar — afirmou na segunda-feira, durante uma entrevista coletiva em Marselha, no sul da França, o dr. Khaled Benboutrif, que trabalhou com a associação Palmed, especializada na ajuda aos palestinos. — Não havia macas (...) tivemos que atender os feridos graves no chão.

Seu colega Pascal André, infectologista, observou que "muitos pacientes estavam com graves infecções pós-operatórias", porque o local "não estava suficientemente limpo" devido à falta de antisséptico.

— Estamos diante de uma situação indescritível, injustificável — declarou. — As cirurgias acontecem em condições terríveis porque as pessoas não conseguem lavar-se de maneira correta.

Pilhas de lixo e poças de esgoto contaminado são cada vez mais comuns em acampamentos para palestinos deslocados no sul da Faixa de Gaza, agravando os riscos de saúde daqueles que fogem dos ataques israelenses.

— Sofremos com maus odores (...) os esgotos estão infestados de mosquitos que picam as pessoas e transmitem infecções — disse Sayed Rafic abu Shanab, que vive em Rafah, para onde centenas de milhares de habitantes de Gaza se deslocaram depois de fugir dos combates.

Em Rafah, onde a população aumentou de 300 mil para 1,5 milhão desde outubro, segundo a ONU, as pessoas lutam para sobreviver enquanto aguardam uma eventual trégua, evitando as crescentes montanhas de lixo na sua busca diária por alimentos.

— Não há coleta de lixo — disse Jamie McGoldrick, coordenador humanitário da ONU para os territórios palestinos, em entrevista coletiva. — Perto dos acampamentos, junto às estradas, há montanhas de papéis, plásticos, latas, restos de comida etc.

A ONU alertou para a fome iminente no território após mais de cinco meses de guerra entre Israel e o Hamas. Entretanto, os trabalhadores humanitários alertaram que a deterioração das condições de saúde deixa os habitantes de Gaza em uma situação ainda mais vulnerável.

— O saneamento é um dos fatores-chave na crise nutricional, na crise sanitária, e eu diria também na insegurança alimentar — afirmou McGoldrick. — As pessoas têm fome, mas a fome se agrava porque o seu sistema imunológico é afetado pelas condições de vida. As pessoas vivem em condições muito precárias e em superlotação.

A deplorável situação sanitária em Rafah e em outros locais da Faixa de Gaza já provocou um surto de hepatite A, uma inflamação do fígado causada por um vírus que se espalha pelas fezes, embora geralmente não seja fatal. O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou em janeiro que havia 24 casos confirmados e "vários milhares de pessoas com icterícia, aparentemente devido à hepatite A". Outras doenças poderiam se proliferar com a deterioração contínua da situação, acrescentou.

"Condições de vida desumanas — quase sem água potável, banheiros limpos ou um ambiente limpo - facilitarão a propagação da hepatite A e mostrarão o quão explosivamente perigoso é o ambiente para a propagação de doenças", disse ele na rede social X (antigo Twitter).

Mortes evitáveis
Outra dificuldade médica é que muitas pessoas deslocadas pelos combates se refugiaram "nos corredores, nas salas de espera, nas escadas" e até nos "elevadores" do hospital, disse Benboutrif.

— Eu vi na sala de reanimação alguns pacientes entubados pela boca, com ventilação e que estavam com os olhos abertos porque não havia medicamento suficiente — recorda o dr. André.

Muitos caminhões com ajuda humanitária estão bloqueados na fronteira com o Egito. Israel controla o acesso da ajuda terrestre no território, que entra a conta-gotas e é insuficiente para as necessidades dos 2,4 milhões de habitantes, que estão à beira da fome, segundo a ONU.

André conta que alguns pacientes "gritavam porque não havia anestésicos" e que aqueles com doenças de longa duração não tinham medicamentos. Em fevereiro, ele viu uma jovem mãe morrer "porque não teve acesso ao tratamento para diabetes".

— São mortes totalmente evitáveis sobre as quais não se fala, que não são contabilizadas — lamentou.

Além das pessoas feridas pelos bombardeios, o dr. Benboutrif disse que as emergências recebem "muitas vítimas de franco-atiradores".

— Está claro que estavam atirando nas crianças. Era bem direcionado, bem calculado — comentou o médico, ao mencionar o caso de uma menina de 11 anos que ficou tetraplégica após levar um tiro na coluna cervical.

Níveis "catastróficos" de fome
A guerra em Gaza começou com o ataque sem precedentes do Hamas, em 7 de outubro, ao sul de Israel, que deixou cerca de 1.160 mortos, a maioria civis, segundo um balanço da AFP com base em números oficiais israelenses. Já a retaliação israelense, que visa destruir o grupo fundamentalista palestino, matou mais de 31.800 pessoas, a maioria mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde no território controlado pelo Hamas.

Após cinco meses de guerra, toda a população de Gaza enfrenta "níveis severos de insegurança alimentar aguda", afirmou nesta terça-feira o secretário de Estado americano, Antony Blinken, o que evidencia a urgência de aumentar o envio de ajuda humanitária ao território palestino.

— De acordo com a medição mais respeitada, 100% da população de Gaza enfrenta níveis severos de insegurança alimentar aguda. É a primeira vez que uma população inteira é classificada desta maneira — declarou Blinken durante uma entrevista coletiva nas Filipinas, durante uma viagem oficial.

Um relatório publicado na segunda-feira por várias agências das Nações Unidas advertiu que um em cada dois habitantes de Gaza está em uma situação humanitária "catastrófica" e que a fome pode atingir a parte norte do território em maio, a menos que haja uma intervenção urgente.

O coordenador de ação humanitária da ONU, Martin Griffiths, fez um apelo a Israel para que permita a entrada livre de ajuda internacional na Faixa de Gaza e declarou que "não há tempo a perder".