Aplicativo, impressão e mensagens: o que pesa contra Bolsonaro na fraude em cartões de vacina
Ao concluir o inquérito, Polícia Federal pediu indiciamento do ex-presidente por associação de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde e por associação criminosa
Ao indiciar Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Federal apontou uma série de elementos de provas para demonstrar que o ex-presidente não só tinha conhecimento como também ordenou que o ex-ajudante de ordens Mauro Cid fraudasse certificados de vacinação contra a Covid-19. O ex-mandatário, que nega qualquer irregularidade, é acusado de ter praticado os crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação.
No relatório final da investigação, a PF elenca mensagens de texto, dados do aplicativo ConecteSUS e registros de impressão do Palácio da Alvorada que comprovam o depoimento de Cid, que afirmou ter entregue nas mãos de Bolsonaro documentos falsos do Sistema Único de Saúde (SUS).
A conclusão do inquérito foi encaminhada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifestará pela denúncia ou não do ex-presidente.
Dados do ConecteSUS
Durante a pandemia de Covid-19, o governo dos Estados Unidos exigia a apresentação de comprovante de vacinação contra a doença para liberar a entrada no país. No Brasil, esse documento é gerado por meio do aplicativo ConecteSUS, do Ministério da Saúde.
De acordo com a PF, os dados de imunização de Bolsonaro foram fraudados no sistema com um registro falso de que ele recebeu doses em 13 de agosto e em 14 de outubro de 2022, no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Ao longo da investigação, a PF requisitou mais informações ao Ministério da Saúde e comprovou que as inserções das duas doses da vacina da fabricante PFIZER no sistema foram realizadas em sequência no dia 21/12/2022 às 18h59 e às 19h. O responsável pelas atualizações foi o então secretário municipal de Governo de Duque de Caxias João Carlos de Sousa Brecha.
“Os dados encaminhados pelo Ministério da Saúde revelaram novos indícios de inserções falsas relacionadas a pessoas próximas ao ex-Presidente da República. O documento informa que LAURA FIRMO BOLSONARO, filha de JAIR BOLSONARO, teria sido vacinada contra a Covid-19 recebendo duas doses da vacina da fabricante PFIZER”, diz a PF.
Registros de login e impressões
A PF destacou ainda que os dados técnicos permitem afirmar que o acesso à conta do ConecteSUS de Bolsonaro, em 22 de dezembro de 2022, foi realizado em um computador localizado no Palácio do Alvorada, residência presidencial.
“A Diretoria Técnica da Presidência da República ainda encaminhou uma planilha com os usuários que estavam logados na máquina utilizada para acesso ao aplicativo ConecteSUS do ex- Presidente da República. Dentre os usuários, consta o login ‘maurocbc’, vinculado ao então chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República MAURO CESAR BARBOSA CID. De acordo com os dados fornecidos, MAURO CID realizou o login na máquina ‘PR197653’ às 07h58min do dia 22/12/2022”, relatou a PF.
A PF também afirma que, conforme dito por Cid, após a inserção dos dados falsos de vacinação, o então ajudante de ordens imprimiu os certificados e entregou em mãos de Bolsonaro. Em nova apuração, os investigadores conseguiram acesso aos “logs de impressão” que identificaram na conta do usuário “maurocbc” os seguintes arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19” e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.
Esses dados reforçam o depoimento de Cid, que afirmou à PF que não só recebeu ordens do ex-presidente para fraudar o cartão de vacinação como também entregou os dados falsos em mãos ao próprio Bolsonaro, que nega qualquer irregularidade.
Localização do ex-presidente
O inquérito mostrou que as doses teriam sido aplicadas na menina em 24 de julho e em 13 de agosto, também no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Da mesma forma, os registros foram excluídos do sistema, sob a justificativa de “ERRO”. Bolsonaro alega que nunca tomou vacina contra a Covid-19.
A PF também descreve informações colhidas junto à Controladoria-Geral da União (CGU) que mostram que Bolsonaro não esteve em Caxias na data em que teria tomado a primeira dose da vacina, permanecendo no Rio até seu retorno para Brasília, às 21h25min. Já em relação à segunda dose, apesar de o ex-presidente ter comparecido a uma caminhada em Caxias, às 11h, não há indicativo de que ele tenha ido ao posto médico para se vacinar.
“A CGU afirma ainda que JAIR BOLSONARO embarcou para a cidade de Belo Horizonte às 13h40min, ficando pouco tempo no município de Duque de Caxias/RJ”, ressalta a investigação.
Ligações e mensagens de texto
No relatório, os investigadores elencaram ainda uma série mensagens de texto e de ligações que evidenciam conversas entre servidores da prefeitura de Caxias sobre os dados de vacinação do presidente e de sua filha. Algumas delas ocorreram, inclusive, na data em que os registros de ambos foram excluídos do sistema do Ministério da Saúde.
Em um dos diálogos, às 19h25 de 27 de dezembro de 2022, João Carlos de Sousa Brecha telefone para uma servidora e depois envia, por WhatsApp, seu nome completo e CPF. Os dados, segundo a PF, seriam para que ela alterasse o perfil do secretário no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização para Gestor de Estabelecimento, que lhe daria a permissão de excluir registros de vacinação contra a Covid-19.
Desfrutando da mudança de acesso concedido, Brecha teria entrado nos arquivos de Bolsonaro, mas não conseguiu alterá-los. Ele então manda para a servidora fotos em que aparece a tela de um computador onde é possível ler parte do nome do ex-presidente.
Após uma chamada de voz entre os dois, que durou três minutos e 52 segundos, a PF concluiu que a servidora excluiu do sistema os registros em nome de Bolsonaro e Laura.