Pesquisa para avaliar crianças em idade escolar afetadas pela epidemia de Zika é lançada no Recife
O objetivo é analisar os impactos a longo prazo da Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ) nas crianças e famílias afetadas
Foi lançado na manhã desta quarta-feira (20), no Recife, um estudo que pretende avaliar os impactos a longo prazo nas famílias afetadas pela epidemia de Zika em 2016. O lançamento da pesquisa, intitulada Life Zika, aconteceu no Cais do Sertão, no Bairro do Recife, e contou com a presença de pesquisadores, ONGs e famílias afetadas pela epidemia do vírus.
O estudo será desenvolvido em um período de sete anos, e em parceria, por pesquisadores da Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, e pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicineum (LSHTM), na Inglaterra.
Início da pesquisa
De acordo com o professor e pesquisador de medicina tropical da UPE e UFPE, Ricardo Ximenes, o projeto Life Zika é a segunda etapa dos estudos que foram iniciados ainda durante a epidemia da Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ).
“Não se sabia que a infecção pelo Zika vírus, durante a gravidez, estava relacionada a manifestações congênitas nas crianças. Quando surgiu a epidemia da microcefalia, apareceu uma quantidade muito grande de crianças com essa condição, muito maior do que em todos os anos anteriores”, relata o professor.
Estudo divido em duas etapas
A primeira parte do estudo foi tentar estabelecer e entender o que que estava causando a epidemia de microcefalia. “Se aumentou a quantidade de crianças com microcefalia, alguma coisa estava por trás. Foi nesse momento que iniciamos o estudo e entendemos que o Zika vírus era o responsável”, completou Ricardo.
Segundo a reitora da UPE, um estudo científico mais aprofundado em casos como o da pandemia do Zika é vital para responder com clareza diversos questionamentos, além de viabilizar questões acerca dos direitos e acessibilidade para as crianças e famílias afetadas no futuro.
“Os próximos passos da pesquisa estão voltados para essa questão dos direitos, não só das crianças, mas também das famílias. E também sobre como nós, que estamos do lado das instituições de ensino, podemos avançar, com base nas evidências científicas, e melhorar a nossa acessibilidade e o nosso conhecimento para poder recebê-los no futuro”, pontuou a reitora.
Adaptação social
Com um financiamento 3,6 milhões de libras do Wellcome Collaborative Award in Science, de Londres, o estudo pretende definir o prognóstico e as necessidades de aprendizagem de crianças em idade escolar com exposição pré-natal ao vírus Zika e avaliar, a longo prazo, a saúde dessas crianças e o impacto social para famílias.
Entre os pontos que serão avaliados nas crianças afetadas estão: os desenvolvimentos cognitivos, de linguagem e motor; o comportamento e se há sintomas do transtorno do espectro autista (TEA), os resultados educacionais de aprendizagem e inclusão social (como fazer amigos, ou sofrer bullying), etc.
A vida das famílias
O projeto prevê também a avaliação dos impactos nas mães e famílias das crianças afetadas pela Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ).
Entre os pontos a serem avaliados nas mães estão os impactos da SZC na vida e na saúde das mães. Estratégias de superação, mudança na trajetória de vida, tomada de decisão sobre a vida reprodutiva, etc.
A pesquisa também pretende avaliar a situação socioeconômica das famílias após as consequências da síndrome. Se houve apoio social, uso de serviço de saúde, acesso a políticas públicas, entre outros prontos como renda e situação profissional.
O impacto na vida das mães
Ana Paula Albuquerque da Silva (47), é mãe de Danilo Miguel, de 8 anos. Antes da epidemia, trabalhava como diarista e trabalhou até os oito meses da gestação de Miguel. Porém, precisou parar de trabalhar para cuidar do filho e cumprir a agenda médica de cuidados com a criança.
“Desde que ele nasceu precisou de acompanhamento neurológico, fono, pediatra, infectologista, e muitos outros. Mudou muito a minha vida. Deixei de trabalhar e passei a frequentar vários lugares, onde conheci várias outras mães que passam pela mesma dificuldade que eu”, relatou a mãe de Danilo.
Ana Paula só descobriu a síndrome congênita do filho após o nascimento, no dia 27 de setembro de 2016. “No sétimo mês eu tive sintomas, umas manchinhas na barriga, passei três dias mal, mas até aí eu não sabia. A médica pediu o teste de dengue, mas eu não fiz. Então só vim saber da microcefalia depois do nascimento. Cinco meses depois o pai de Danilo saiu de casa”.
A mãe atípica sustenta sozinha, com o benefício do filho e a pensão dada pelo pai da criança, Danilo, e outros três filhos.
Existe a possibilidade de uma nova epidemia?
O professor e pesquisador de medicina tropical da UPE e UFPE, Ricardo Ximenes, explicou as condições que viabilizaram a epidemia em 2016.
“Como era um vírus que nunca havia circulado nas américas, todas as pessoas eram suscetíveis. Elas não tinham imunidade, e isso aumentou a propagação do vírus. Além, também, de ter ocorrido em um momento muito especial de proliferação dos mosquitos transmissores do vírus”, afirmou o pesquisador.
Ainda segundo Ricardo, a infecção pelo Zika vírus está passando por um momento de retração, situação que ocorre quando boa parte da população adquire imunidade contra um vírus. Porém, isso não impede o surgimento de novas contaminações.
“É possível que estejam ocorrendo novas infecções, mas numa escala bem mais baixa. A questão é que o grupo de crianças que entrou em contato com o vírus naquela época está crescendo. Assim, está aumentando o número de pessoas suscetíveis agora. Então, é possível que, em algum momento, volte a ocorrer um aumento dos casos”, concluiu Ricardo.