OPINIÃO

Eleições em Portugal: O jogo nem sempre acaba quando termina

As eleições legislativas em Portugal têm uma particularidade sobre o resultado das urnas. O ganhador pode não levar, como já ocorreu há nove anos. Uma vitória sem maioria absoluta implica na necessidade de uma composição partidária pós-eleição, para aprovar o orçamento e as principais matérias, apresentar uma solução de estabilidade e ter o governo legitimado pelo presidente. Historicamente, mais do que dar posse a um partido e ao seu líder, presidentes buscaram essa estabilidade, tão necessária para garantir um governo sólido. 

Caso o presidente Marcelo Rebelo de Sousa decida dar posse a Luís Montenegro, do PSD, como primeiro-ministro, não se alcançaria a estabilidade desejada e necessária, pois o futuro governo não terá a maioria das cadeiras na Assembleia da República. 

É curioso, mas em Portugal a eleição não acaba quando termina, como se diz nos jogos de futebol. Por uma conta simples: o resultado final foi um empate técnico, entre a Aliança Democrática, liderada pelo PSD, maior partido de oposição, e o PS, que governa Portugal há oito anos. Mas isso não traduz um país dividido ao meio, porque quase 20% dos portugueses optaram pelo Chega, partido de extrema-direita que poderia ser o fiel da balança a favor de um governo liderado pelo PSD. Sem o Chega, torna-se praticamente impossível imaginar um governo de centro direita vitorioso em condições de governar.

Em 2015, ano da última vitória do PSD, o então reeleito primeiro ministro Pedro Passos Coelho, com sete pontos percentuais de vantagem sobre o PS (observe que não foi uma vitória mínima), não conseguiu maioria absoluta e não aceitou qualquer arranjo para ficar no cargo. Passos Coelho viu o seu oponente, que formou uma frente de centro-esquerda e obteve maioria na Assembleia, apresentar uma solução ao então presidente Cavaco Silva. Ou seja, colocou o país à frente dos seus interesses pessoais e partidários, algo raro atualmente, o que surpreendeu até mesmo seus aliados. 

Hoje, novamente segundo colocado, o PS não tem força para formar um governo à esquerda, enquanto Luís Montenegro tem o desejo de assumir o governo de imediato. Apesar de ser legítima, pois sua coligação elegeu mais deputados, sua nomeação não trará estabilidade política. Montenegro desconsidera a composição com o Chega, conforme anunciou desde sempre durante a campanha. Sem discutir o mérito dessa decisão, o país se vê diante de um impasse e da impossibilidade de formar um governo estável. Haveria aprovação do orçamento, por um “gesto” da oposição, ou o intuito de Montenegro é provocar novas eleições legislativas no cargo de primeiro-ministro culpando os adversários pela instabilidade à frente e para tentar se beneficiar na repetição da disputa? 

Nesse contexto, o árbitro constitucional é o presidente da República. Aguardemos o que acontecerá nos acréscimos da partida, disputada como um clássico, mas imprevisível pela ascensão do Chega, que deixou de ser franco atirador e virou um coadjuvante com poder de abalar históricos protagonistas.

*Foi o coordenador estratégico nas eleições legislativas de 2011, 2015 vencidas pelo PSD

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