Suplente de Chiquinho Brazão, sobrinho de bicheiro pode assumir vaga na Câmara dos Deputados
Em caso de renúncia ou cassação do parlamentar preso domingo suspeito de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ricardo Abrão assume vaga de deputado federal
Exonerado nesta terça-feira do cargo de secretário especial de Ação Comunitária da prefeitura do Rio, Ricardo Martins David, conhecido como Ricardo Abraão pode assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados em caso de renúncia ou cassação do deputado federal Chiquinho Brazão, preso domingo suspeito de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Ricardo Abrão — sobrinho do bicheiro Aniz Abraão David — é suplente de Brazão e já esteve na Câmara em três momentos, entre 2023 e 2024, quando Chiquinho se licenciou do cargo: assumiu, como suplente, entre 3 de Fevereiro e 17 de Julho de 2023; retornou brevemente entre 3 de Outubro e 21 de novembro daquele mesmo ano e finalmente exerceu o mandato de 23 de novembro de 2023 a 1º de Fevereiro de 2024 quando assumiu o cargo de secretário justamente no lugar de Brazão, que havia sido exonerado após surgirem as primeiras informações sobre a delação premiada de Ronnie Lessa.
Escolhido para comandar a Secretaria Especial de Ação Comunitária (Seac) do município do Rio, em outubro de 2023, o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil) deixou o cargo em fevereiro. Até esta segunda-feira, no entanto, quase dois meses depois de sua saída, pelo menos 15 pessoas nomeadas por ele continuavam na estrutura da Seac. A exoneração do grupo só aconteceu nesta segunda-feira. Entre os dispensados está Ricardo Abrão, que comandava a pasta. Ele é um antigo aliado do clã Brazão e não trocou os assessores nomeados pelo antecessor.
No relatório da Polícia Federal que serviu de base para as prisões, domingo, dos irmãos Brazão e do delegado e ex-chefe de Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa, o nome do Abrão é citado como tendo feito parte de uma sociedade com os Brazão em um posto de gasolina.
Entre os nomeados por Brazão que seguiam na Seac até segunda-feira, três são ex-assessores dele ou do irmão, o deputado estadual Pedro Brazão (União Brasil). Outro que possui relação com o clã e continuava na pasta é Roberto Peçanha Fernandes, subsecretario de Ações Territoriais como mostra levantamento feito pelo gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo).
Roberto Fernandes foi diretor-presidente da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (Cehab-RJ) e diretor de obras e conservação regional do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Tido como apadrinhado de Domingos Brazão, seu vínculo com os Brazão foi noticiado pelo RJTV, em dezembro de 2022, num suposto esquema que ficou conhecido como “farra do asfalto”.
Chiquinho Brazão assumiu a Seac como parte de um acordo político entre o Republicados — partido para o qual ele pretendia se mudar juntamente com seu grupo político — e o governo municipal. A secretaria recebeu, para este ano, um reforço e tanto no caixa. Por meio de decreto publicado em 6 de fevereiro foram previstos créditos suplementares para a Seac no valor de R$ 198,7 milhões o que eleva de R$102 milhões para mais de R$300 milhões o orçamento da pasta em 2024.
— O caso da Seac é emblemático do quão prejudicial pode ser a entrega de um órgão público para um grupo político. Não só porque a secretaria virou um cabide de empregos para aliados da família Brazão, como mostra nosso levantamento. É espantoso também que, em ano eleitoral, a pasta tenha recebido quase R$ 200 milhões a mais para programas assistenciais que, muitas vezes, não são fiscalizados como deveriam ser. E mais: tão espantoso quanto isso é o fato de a prefeitura não ter exonerado o grupo da família Brazão até agora. Estão esperando o quê? — cobrou o vereador Pedro Duarte.
Perguntada sobre o aumento no orçamento da secretaria, a prefeitura informou que a nova secretária Marli Peçanha, que assume nesta terça-feira, "retorna ao cargo com autonomia para reformular os quadros da secretaria e dar continuidade aos principais projetos da pasta, como: Favela com Dignidade, Casa Carioca e Recicla Comunidade" e que "Juntos, os três programas já beneficiaram mais de 60 mil pessoas, e, conforme o previsto no planejamento da prefeitura feito em 2021, terão orçamento maior este ano".
Os tentáculos do clã Brazão pelos espaços de poder no Rio ficam expostos no relatório da PF. Há menções, por exemplo, ao fato de a família ter comandado o Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária (IEDS), mais conhecido como Hospital Curupaiti, no Tanque, Zona Oeste do Rio, próximo a conhecidos redutos eleitorais da família.
No texto os investigadores citam que a unidade foi já foi dirigida por Deolinda de Inácio Brazão, irmã de Chiquinho e Domingos, e teria sido usada como linha auxiliar do centro social Gente Solidária mantido pela família. A entidade é apontada no relatório como sendo usada “a fim de promover ações de caráter eleitoreiro junto ao seu (família Brazão) curral político”. Em abril de 2006 o Dique Denúncia recebeu informação sobre a suposta execução de um diretor do hospital.
— Aquele hospital, por ser meio escondido, pouco badalado, era perfeito para o propósito dos Brazão que era roubar sem ser incomodado, não chamava atenção — disse Cidinha Campos, que em 2007 já fazia denúncias a respeito.
Um dos nomeados na Seac que permaneciam no cargo até ontem, Zélio Ricardo Perdomo Portugal é outro citado no documento da PF como tendo sido um dos responsáveis “atualmente” pelo centro social Gente Solidária. Ele também esteve nomeado, em 2019, no gabinete de Pedro Brazão na Alerj com um cargo CCDAL-6 e salário de R$ 4.974,69.
Em 2010, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) realizou blitz no Gente Solidária. Foram encontradas “milhares de amostras grátis de remédios, cestas básicas, material hospitalar e odontológico, centenas de escovas de dentes e camisetas contendo o nome de Brazão. Foram apreendidas fotos de Chiquinho Brazão com “duas cadeiras de rodas do SUS”.