Sobre o assassinato de Marielle Franco
Na manhã de domingo de 24 de março de 2024, a nação brasileira tomou um susto, com a divulgação pela mídia da prisão dos mandantes do bárbaro assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista, ocorrido no início da noite de 14 de março de 2018. Ela foi abatida a tiros de fuzil. Decorridos seis anos, a Polícia Federal prendeu os três autores intelectuais do crime. São eles: O Conselheiro Domingos Brazão do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro - TCERJ - Deputado Federal Chiquinho Brazão, (União Brasil - RJ) e Rivaldo Barbosa, ex-Chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro.
O bárbaro assassinato da vereadora carioca Marielle Franco chamou a atenção do Brasil e do mundo para o estado de completa degeneração em que se encontra o Rio de Janeiro. Especialistas acusam o ex-governador Leonel Brizola de, durante seus dois governos (1980 a 1986 e 1990 a 1993), impedir que as polícias Civil e Militar implementassem operações policiais nos morros, propiciando aos criminosos inteira liberdade para agir em território próprio. Essa leniência de Brizola foi o marco inicial do avanço dos narcotráficos até a situação caótica de hoje. De Anthony Garotinho a Sérgio Cabral, notórios saqueadores do erário público, o Rio de Janeiro desceu ladeira abaixo a rampa da falência econômica, moral, social e política. A outrora Cidade Maravilhosa tornou-se refém da bandidagem. As estatísticas são assombrosas: média diária de 14 homicídios, 461 roubos de rua, 153 roubos de veículos, 28 de cargas e 22 de estabelecimentos comerciais. O prognóstico é sombrio e aponta para uma conclusão inexorável: o Brasil está em pleno processo evolutivo para tornar-se um imenso Narco-Estado. Há evidências nesse sentido, tais como a ascensão de figuras políticas suspeitas de ligações próximas com organizações criminosas, milícias e outras hordas de celerados que infestam o país em todos os níveis.
A intervenção federal no Rio de Janeiro mal teve tempo de estabelecer-se e por em prática um projeto de enfrentamento à criminalidade e eis que ocorre a execução de Marielle, para tocar fogo, no que já ardia em chamas. A morte de Marielle, tragédia quase que anunciada (nas últimas eleições, 14 candidatos a vereador foram mortos na baixada fluminense), infelizmente não chegou a surpreender os especialistas do ramo. Ela veio a confirmar o fato de que estamos nos estágios iniciais pelos quais já passaram o México e a Colômbia, décadas atrás. Marielle vinha incomodando facções criminosas, denunciando a máfia dos ônibus, a violência das milícias e a corrupção governamental. Jovem, empolgada e combativa, foi vítima de sua inexperiência e inequívoca honestidade. Marielle se foi, fez história trágica, mas servirá de estímulo para que outras ou outros assumam o bastão que ela carregava com invulgar coragem e determinação.
A abjeta campanha difamatória com a qual tentaram macular a sua imagem e seu legado não obteve êxito. A verdade sobre quem era Marielle veio à tona e desmoralizou os abutres de sempre. Agora, cabe às autoridades investigarem o crime que abalou a nação e apontarem, o mais depressa possível, quem são os autores dessa barbárie, o que lançará luz sobre os motivos que levaram esses animais a tirarem a vida de Marielle. Acredito que a completa elucidação nesse caso criminal será decisiva para abrir a caixa-preta das falanges que agem com desenvoltura nos bolsões da criminalidade, encrustados nas favelas cariocas. Isto posto, ao que tudo indica, os criminosos se verão frente a frente com a realidade resultante de grande mal que fizeram no dia em que saíram de suas tocas, armados e decididos a ceifar a vida de uma jovem mãe inocente, que apenas fazia seu trabalho: melhorar o mundo em que vivemos. Adeus, Marielle. Que Deus a tenha em bom lugar. A opinião pública nacional, atônita, permanece perplexa diante das circunstâncias e motivação absurdas, que deram causa a eliminação de Marielle Franco.
Para se ter ideia da espécie, basta, por amostragem, registramos a recomendação feita aos executores, por um dos mandantes, o ex-Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, ao determinar que a execução de Marielle não ocorresse nas imediações da Câmara Municipal do RJ, para não despertar suspeitas de crime político. Como se vê, ao que tudo indica, o Rio de Janeiro não tem as mínimas condições políticas, morais, econômicas e jurídicas, para sequer sonhar um dia, voltar a ser a Cidade Maravilhosa, que todo o Brasil admirava e amava, e que inspirou Gilberto Gil, no seu magistral Aquele abraço, samba composto em 1969. Que as palavras e os acordes de 'Aquele abraço' inspirem os cariocas a lutarem por um Rio de Janeiro decente, onde a vida e a liberdade sejam respeitadas, a violência não tenha voz e Marielle e tantos outros que partiram injustamente, sejam lembrados como símbolos da luta por um mundo melhor.
*Advogado
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