EUROPA

Premier polonês alerta que Europa vive momento mais crítico desde 1945: "Uma era pré-guerra"

Para Donald Tusk, não importa quem vença as eleições nos EUA, é tarefa da Europa proteger a Ucrânia para evitar 'cenário pessimista'

Primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, participa de entrevista coletiva em Varsóvia - Wojtek Radwanski / AFP

Donald Tusk, de 66 anos, tem uma imagem de sua infância gravada na memória. É uma fotografia que estava na casa de sua família em Sopot, às margens do Mar Báltico, próxima à sua cidade natal: uma praia cheia de pessoas sorridentes e felizes. A foto foi tirada em 31 de agosto de 1939. "Algumas horas depois, a cinco quilômetros de distância, a Segunda Guerra Mundial começou", lembra. Agora, o primeiro-ministro polonês alerta que a Europa está novamente "em uma era pré-guerra" e deve se preparar para se defender.

— Não quero assustar ninguém, mas a guerra não é mais um conceito do passado. Ela é real e começou há mais de dois anos — disse Tusk em entrevista a jornalistas europeus em seu escritório em Varsóvia, argumentando que o compromisso da Otan, a aliança militar ocidental encabeçada pelos EUA, de dedicar 2% do PIB à Defesa deve ser cumprido e que é preciso aumentar a ajuda à Ucrânia para evitar "cenários pessimistas".

Tursk, um líder democrata-cristão que gera tanto ódio quanto admiração na Polônia, foi primeiro-ministro entre 2007 e 2014 e retornou ao poder após vencer as eleições em outubro passado. Sua principal promessa de campanha foi restaurar o Estado de direito após oito anos de governo do ultraconservador Lei e Justiça (PiS) e devolver o país ao centro da Europa, uma tarefa que assumiu com mão de ferro e algumas decisões controversas.

Ele tem sido a principal figura do espaço liberal-conservador na Polônia nas últimas duas décadas e retornou ao cenário político de seu país vindo de Bruxelas, onde presidiu o Conselho Europeu e, mais tarde, o Partido Popular Europeu (PPE), que nas próximas eleições europeias deve decidir se faz parceria com a extrema direita ou se opta pelas alianças dos últimos 60 anos.

Seus comentários foram feitos em um momento em que uma nova barragem de mísseis russos atingiu a Ucrânia, em meio à intensificação dos ataques aéreos russos nas últimas semanas. A Força Aérea ucraniana afirma ter abatido 58 drones e 26 mísseis na madrugada desta sexta-feira, e a infraestrutura de energia foi danificada em seis regiões, no oeste, centro e leste do país, segundo o primeiro-ministro Denys Shmyhal.

— O que é mais preocupante agora é que literalmente qualquer cenário é possível. Não tivemos uma situação como essa desde 1945 — comentou o premier sobre a inevitabilidade de uma guerra entre a Rússia e países europeus. — Sei que isso parece devastador, especialmente para as pessoas da geração mais jovem, mas temos de nos acostumar mentalmente a uma nova era. Estamos em uma era pré-guerra. Não estou exagerando. Isso está se tornando cada vez mais evidente a cada dia.

No final de dezembro, o espaço aéreo polonês foi invadido brevemente por um míssil de cruzeiro russo direcionado para o território da Ucrânia, num dia marcado por intensos bombardeios contra várias cidades ucranianas. A violação fez com que a Polônia enviasse, três dias depois, quatro de seus caças F-16 para o leste do país para proteger sua fronteira.

— Esse foi outro incidente preocupante — destacou Tusk. — Quando Lviv ou outras cidades do oeste da Ucrânia são atacadas, o som das explosões pode ser ouvido do nosso lado da fronteira. No último Conselho Europeu, tive uma discussão interessante com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez. Ele nos pediu que parássemos de usar a palavra "guerra" em declarações. Argumentou que as pessoas não querem ser ameaçadas dessa forma, que na Espanha isso soa abstrato. Respondi que, em minha parte da Europa, a guerra não é mais uma abstração e que nosso dever não é discutir, mas agir e nos preparar para nos defender.

O premier defende que proteger a Ucrânia é uma tarefa da Europa, que não pode ficar à mercê das iniciativas do governo americano na Otan.

— Independentemente de Joe Biden ou Donald Trump vencerem a próxima eleição [nos EUA], é a Europa que precisa fazer mais no que diz respeito à Defesa — afirma. — Não para obter autonomia militar em relação aos EUA ou para criar estruturas paralelas à Otan, mas para fazer melhor uso do nosso potencial, das nossas capacidades e da nossa força. Seremos um parceiro mais atraente para os EUA se formos mais autossuficientes em questões de Defesa.

Para Tusk, “não há razão para que os europeus não respeitem o princípio fundamental [da Otan] e gastem um mínimo de 2% do PIB em Defesa”. Na opinião do líder polonês, a Europa precisa gastar “o máximo que puder para comprar equipamentos e munição para a Ucrânia, porque estamos vivendo o momento mais crítico desde o fim da Segunda Guerra Mundial”. Ainda segundo ele, “os próximos dois anos decidirão tudo”:

— Se não pudermos apoiar a Ucrânia com equipamentos e munição suficientes, se a Ucrânia perder, ninguém na Europa poderá se sentir seguro.