TEA

Empresas procuram incluir pessoas autistas, mas bullying e falta de adaptação ainda são desafios

Campanha Abril Azul alerta para a necessidade de maior compreensão do Transtorno do Espectro Autista por marcas e gestores

Paloma e sua cadela de suporte para pessoas autistas, a Bibi - Divulgação/Siemens Energy

A catarinense Marília Ribeiro, de 30 anos, costuma ser sutilmente eliminada de processos seletivos ao contar sobre seu diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Há alguns anos, em uma dinâmica de grupo com mais de trinta pessoas, o que já seria desgastante por conta do ruído (um fator de estresse para pessoas autistas), uma gestora chegou a adotar um tom infantil ao se comunicar com ela, após saber da condição. Antes da pandemia, Marília trabalhava presencialmente em outra empresa, onde também era comum enfrentar problemas relacionados ao excesso de estímulos como o barulho.

"Meu chefe ainda fazia vários comentários desnecessários, inclusive sobre eu precisar procurar “cura”. Em algum ponto isso me levou ao limite e precisei me afastar" disse.

Há três anos, Marília conseguiu uma vaga no banco digital Will Bank, onde trabalha como analista de processos da área de Customer Experience (ou CX). Ela se junta a um número crescente de pessoas autistas contratadas em empresas de diversos segmentos que buscam diversificar o quadros de funcionários.

O movimento é acompanhado por adaptações no ambiente corporativo, que variam desde a implementação de intervalos no expediente até a permissão para que cães de assistência a autistas permaneçam no escritório.

Além de trabalhar integralmente em casa, como os demais colaboradores da empresa, Marília, por exemplo, pode escolher o horário de seus turnos:

"Isso facilita demais pra mim, porque existem momentos de sobrecarga sensorial em que eu posso simplesmente me afastar e voltar quando estiver me sentindo melhor. Além disso, tive uma liderança também diagnosticada com TEA. Isso me encheu de esperança de que a empresa seria um local onde eu poderia crescer profissionalmente, mesmo com meu diagnóstico."

Atualmente, o Itaú Unibanco conta com cerca de 170 funcionários com autismo. A área de Diversidade e Inclusão da empresa realiza, junto a especialistas, uma avaliação com cada novo funcionário diagnosticado com TEA para orientar os gestores e colaboradores sobre como adaptar a rotina de trabalho, incluindo aumentar ou diminuir a quantidade de dias em home office.

Mas existem pessoas autistas com outras necessidades. Quando Paloma Porto, de 24 anos, começou a estagiar na Siemens Energy em julho de 2023, a empresa precisou elaborar uma cartilha para os demais colaboradores para avisar que a nova funcionária trabalharia acompanhada de uma cadela de assistência a pessoas autistas.

A cachorrinha Bibi é treinada para atuar em caso de estresse emocional, aplicando uma técnica chamada terapia de pressão, usada para regular o sistema nervoso. A cartilha explicava, por exemplo, que não é recomendado interagir ou tirar fotos dela.

Paloma explica que é possível comprar um cachorro já treinado para trabalhar como cão de assistência, ou adotar um filhote e contratar um treinamento, que dura dois anos. Nesse período, o cachorro pode permanecer com o dono ou ficar integralmente com seu treinador.

"Foi muita sorte encontrar a Bibi. Ela tem um bom tamanho, não é muito pequena e nem muito grande. O cão pequeno não consegue fazer terapia de pressão direito [um tipo de massagem] e o grande pode me atrapalhar a andar em alguns lugares. Ela gosta de ser treinada e consegue segurar seus impulsos" contou.

Paloma é diagnosticada com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e superdotação.

A diretora de recursos humanos da Siemens Energy no Brasil, Dione May Yamamoto, conta que a jornada de inclusão da empresa é focada principalmente nos programas de entrada, com a contratação de pessoas com deficiência para cargos de aprendizes e estagiários.

— Antes do processo seletivo, assim que começa a abertura das solicitações de estágio, fazemos uma palestra com nossos gestores para conscientizar sobre o tema, explicando que queremos trazer um ambiente de diversidade e inclusão.

Segundo Fábio Barbirato, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o TEA é caracterizado por inflexibilidade, hipersensibilidade tanto a som e luz, quanto a texturas de alimentos e da pele.

A grande maioria das pessoas autistas também têm deficiência intelectual e comprometimento da linguagem, o que vai desde não falar até não compreender figuras de linguagem.

Yashmin Dayen, de 23 anos, assistente administrativa da MAPFRE, é diagnosticada com TEA. Com sua chegada no corpo de funcionários, a empresa precisou realizar algumas mudanças na rotina de trabalho.

Em caso de testes de incêndio, por exemplo, Yashmin é avisada antes que a sirene toque, para ter tempo de ir a um lugar silencioso. Quando se sente sobrecarregada por conta da luz ou do barulho, é autorizada a tirar pequenas pausas, de cerca de dez minutos, até se sentir melhor.

— Eu tenho mania de me coçar e machucar quando me sinto ansiosa. Então, tenho alguns brinquedos para me acalmar, que a empresa permitiu deixar na mesa — concluiu.

Ela também pediu para que seus colegas fossem claros ao demandar alguma tarefa, evitando palavras de duplo sentido e ironia, além de demais figuras de linguagem:

— Eu não entendo sarcasmo. Em outras empresas, os colaboradores homens faziam piadas de teor sexual comigo. Eu sabia que eles estavam fazendo bullying porque eu não sou idiota, mas o motivo eu não entendia. Eles ficavam me cutucando, e isso me sobrecarregava demais. Muitas mulheres autistas sofrem abusos mais de uma vez até perceberem o que aconteceu.