Unidos por Dominguinhos, Mariana Aydar e Mestrinho celebram primeiro álbum juntos
Uma década depois de dividir tantos palcos, artistas lançam pela primeira vez um álbum em parceria, já disponível nas plataformas de música
Há pouco mais de 10 anos, o mestre Dominguinhos deixava, mesmo sem saber, o último legado para a música brasileira antes do seu ocaso neste planeta: foi o pivô do encontro de dois grandes artistas que se conheceram em visitas ao hospital nos seus últimos momentos de vida. Mariana Aydar e Mestrinho se uniram com a bênção do mestre e agora, uma década depois de dividir tantos palcos, lançam pela primeira vez um álbum em conjunto, já disponível nas plataformas de música.
O disco de estúdio “Mariana e Mestrinho”, produzido por Tó Brandileone (5 a Seco), apresenta repertório inédito e também clássicos do forró, mas pautados no discurso que repensa os preconceitos comuns no gênero, sobretudo com relação ao machismo. Os dois fizeram o primeiro registro juntos durante a pandemia, no festival Coala de 2020, em uma versão virtual e a afinidade dos dois tornou o projeto de um álbum juntos inevitável.
A bênção do mestre
Em 2013, Mariana filmava um documentário dedicado à trajetória de Dominguinhos e o visitava com frequência no hospital, esbarrando sempre na recepção com um sanfoneiro e sua sanfona. “Quando eu cheguei lá e vi a sanfona dele, falei: ‘ah, ele deve estar saindo de algum show’. Aí quando eu subi, a Guadalupe (ex-mulher de Dominguinhos) falou: ‘não, Mari. Ele vem todos os dias tocar para o Dominguinhos”, lembra a artista.
“Eu já tinha visto Mestrinho cantar em lugares, mas a gente ainda não tinha uma convivência. No hospital eu não só pude ter essa convivência como pude ver esse ser humano maravilhoso que ele é. Ele ia todos os dias tocar para Dominguinhos quando ele estava em uma situação bem difícil, na cama. E quando Mestrinho tocava, ele mexia a mãozinha e apertava a mão dele. Eu fico arrepiada só de lembrar”, recorda Mariana.
Festivais e palcos da vida
Com a boa repercussão internacional do filme "Dominguinhos (2014)", dirigido por Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Castro, os dois artistas se aproximaram. “A gente foi para Austin (Texas, EUA), pois o documentário rodou muito em festivais de cinema. Nessa viagem eu levei o Mestrinho. Aí a gente começou a conviver, tocar e nossa afinidade musical começou a aparecer muito. Às vezes eu tinha um show e já perguntava se poderia trazer o Mestrinho e vice-versa. As pessoas mesmo começaram a ligar a gente”, relata a artista.
“A gente sentiu que era a hora de fazer um disco. Apesar de todos esses encontros, a gente ainda não tinha um registro sonoro, um disco. E foi bem natural entender que tinha chegado essa hora”, avalia Mariana. “A gente começou naturalmente a fazer um som. Às vezes eu ia no show dele e dava uma canja. E a gente começou a conviver mais pessoalmente”, conta.
Ouça:
Repertório e convidados do álbum
A escolha do repertório levou em conta o discurso das canções. Seja, por exemplo, na crítica social de “O Filho do Dono”, clássico do caruaruense Petrúcio Amorim ou no romantismo de “Ninguém Segura o Nosso Amor”, de Iranilson e do pernambucano de Arcoverde João Silva, que já foi padrasto de Mestrinho e também é autor de “Preciso do seu Sorriso” (João Silva/ Enok Virgulino), outra das homenagens a Dominguinhos presentes no disco. Destaque para as participações especiais da pernambucana Isabela Moraes e da alagoana Juliana Linhares e da canção “Dádiva”, escrita especialmente para o álbum por Zeca Baleiro.
Quem divide os vocais na faixa “Até o Fim” (Mestrinho) é Gilberto Gil. “A gente queria o Gil porque ele é essa lenda e referência para nós enquanto artistas, mas é um artista muito importante no território de inovação do forró, de criar pontes”, explica Mariana. “Estar do lado dele é uma riqueza muito grande. Ele tem muita luz e eu acredito muito na forma dele pensar sobre a vida, sobre o amor”, descreve Mestrinho, que acompanha o artista no palco desde os 19 anos.
“Cheguei pra Ficar” (Dominguinhos/Anastácia), pequena obra-prima lançada pelo autor no cultuado LP “Domingo Menino Dominguinhos” (1976), é outras regravação do repertório do mestre que uniu musicalmente Mariana Aydar e Mestrinho. “A gente escolheu essa que é uma parceria com Anastácia, pela importância dessa mulher compositora totalmente ativa, maravilhosa, com 83 anos, compondo muito e fazendo shows. E ela era a maior parceira do Dominguinhos. Os maiores sucessos de Dominguinhos são em parceria com Anastácia e só se fala dele”, pontua Aydar.
Mestrinho toca acordeon em todas as faixas de “Mariana e Mestrinho”. Completam o time de músicos do álbum os craques Feeh Silva (zabumba e triângulo), Salomão Soares (piano), Fejuca (violão e cavaco), Federico Puppi (violoncelo), Will Bone (sopros), Rafa Moraes (guitarra) e Léo Rodrigues (percussão). Multi-instrumentista, o produtor musical Tó Brandileone tocou violões, guitarras, baixos, sintetizadores e percussões por todo o álbum.
Um forró feminista
O protagonismo feminino no forró foi uma prioridade para Mariana e Mestrinho. Fugindo da maneira tradicional do forró de retratar as mulheres, era preciso gravar canções que trouxessem a mulher para o centro da narrativa. “A gente sabia muito o que a gente queria falar para atualizar esse discurso. Porque no Forró, principalmente para nós mulheres, existe um lugar muito difícil de escolher músicas antigas, porque existem muitas músicas machistas e que não colocam a mulher como protagonista da sua vida, dos seus desejos. É sempre a ‘ florzinha do baile’ ou ‘a que não pode ninguém tocar senão vou matar o cara que for lá dançar com ela’, ou sobre a roupa curta”, critica Mariana.
“Boy Lixo” (Mariana Aydar/ Fernando Procópio/ Tinho Brito) e “Alavantu Anahiê” (Isabela Moraes/ PC Silva), aparecem para cumprir essa função. “Com esse álbum a gente espera trazer debates importantes sobre esses temas, mas de uma forma leve que o forró proporciona, que é com alegria”, diz Mestrinho. “Mestrinho é um homem muito ligado nesses movimentos. A gente conversa bastante. E também queríamos colocar luz em músicas desse cancioneiro do forró que muitas vezes nós, como pesquisadores que vive o forró todos os dias, mesmo assim nos surpreendemos com a quantidade de músicas incríveis que o forró tem”, completa Mariana.
Uma canção compartilhada
“Te Faço um Cafuné” (Zezum), gravada por Dominguinhos no álbum “Isso Aqui Tá Bom Demais” (1985), talvez represente a canção que mais simboliza o encontro entre Mariana e Mestrinho. Os dois fizeram questão de regravar a canção que faz sucesso no remake da novela “Renascer”, na versão gravada por Mariana.
“É uma música que eu ouvi pela primeira vez no álbum do Dominguinhos dos anos 80 e ela me causou muita emoção e me trouxe tanta coisa boa ao ouvir, tantas sensações maravilhosas… a música era uma canção e eu queria dar um jeito de colocar no repertório para tocar nos shows, porque eu queria que as pessoas também sentissem o que eu estava sentindo ouvindo essa música. Aí eu coloquei, mudei o ritmo para xote e as pessoas começaram a ouvir cada vez mais”, recorda mestrinho.
“Quando eu conheci Dominguinhos eu já cantava essa música. Então nos shows em que eu acompanhei ele (eu o acompanhei por muitos anos) e toda vez que ele colocava para tocar, eu cantava. Até o dia que eu gravei com junto com um trio de forró que eu tinha, o Trio Juriti, e ele participou dessa gravação e cantou junto. Nessas andanças, a Mari ouviu a música e se apaixonou e sempre pedia pra eu tocar”, conta o artista. “Foi por isso que a gente quis gravar, porque a gente não tinha ainda uma gravação juntos dela”, completa Mariana.
“A Mari gravou e levou essa música mais pro alto ainda. Ela fez uma gravação linda em que gravei sanfona. E a música foi tão bem que foi parar em uma novela da Globo. Eu fico muito feliz por isso. Essa música foi tão emblemática nas nossas vidas que a gente resolveu gravar ela juntos. As pessoas gostavam de ouvir a música comigo e também a versão da Mari e agora vão ter a oportunidade de ouvir nós dois juntos”, comemora Mestrinho.