Mudança climática levará a aumento da inadimplência do agronegócio no Brasil, diz estudo
Pesquisa bancada pelo BID usou três décadas de dados climáticos e de produtividade
Um novo estudo bancado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) simulou os efeitos futuros da mudança climática sobre as finanças do agronegócio no Brasil, e a notícia não é boa. O trabalho indica que, com maior instabilidade no retorno das safras, o risco do investimento será maior.
Feito pela Universidade da Califórnia em San Diego em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) o trabalho se baseou em dados de produtividade, receita e empréstimos reunidos pelo IBGE sobre o estado da Bahia de 1990 a 2017. Cruzando os com informações históricas do clima e projeções futuras usadas pelo IPCC (painel de do clima da ONU), os cientistas criaram um modelo preditivo e o aplicaram sobre cenários mais prováveis do aquecimento global ao longo do século 21.
Em artigo publicado hoje na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, a PNAS, os pesquisadores apontam que no futuro o agronegócio brasileiro terá sua "sazonalidade intensificada" e "choques locais" mais frequentes. Nas conclusões, sugerem que o resultado financeiro disso será um aumento da "volatilidade de receita e lucro", ou seja, maior instabilidade para negócios.
O trabalho, liderado pela cientista Jennifer Burney e coordenado por Alexandre Gori Maia, conclui que o efeito no sistema de crédito ao agricultor, por fim, será um aumento da inadimplência, num cenário que levará poucas décadas para se instalar.
As simulações foram feitas para até período entre 2040 e 2070. O agronegócio da Bahia foi escolhido para calibrar as simulações dos pesquisadores por representar uma espécie de microcosmo no agronegócio brasileiro, apesar de não ser o maior em receita.
"A Bahia representa a diversidade de biomas e sistemas agrícolas do país, com sistemas modernos de produção de grãos no Centro-Oeste e de frutas no Vale do Rio São Francisco, além de produção agrícola familiar de menor tecnologia no semiárido", relataram os pesquisadores, que fizeram então previsão para o país calibrada pelo cenário baiano.
O resultado nacional foi preocupante, porque o clima é um fator muito bom para prever inadimplência.
"Encontramos maior variação de lucro e receita (incluindo um número maior de anos ruins e resultados piores) e maior inadimplência em empréstimos agrícolas em meados do século", escreveram Burney e colegas no trabalho. Houve uma forte correlação entre crises locais no setor e variáveis climáticas de temperatura e chuva, mas sobretudo a segunda delas.
Problemas e soluções
Além de projetar as dificuldades futuras, os cientistas tentaram identificar os pontos mais sensíveis do sistema de financiamento e produção do setor, buscando possíveis remédios para a situação.
A melhor forma de os produtores conseguirem mais resiliência, dizem os pesquisadores, inclui uma reforma dos serviços financeiros e o fortalecimento de instituições de resseguros para aguentarem mais turbulências. Outro ponto crucial, dizem, é se antecipar a problemas de acesso à água, um insumo vital para a agropecuária que deve sofrer grande impacto com a mudança climática.
"Encontramos algumas evidências preliminares de que os investimentos em infra-estrutura de resiliência, como as cisternas enfraquecem a correlação entre as flutuações climáticas sazonais e o pagamento dos empréstimos agrícolas", escreveram os cientistas.
Burney e colegas notam que, apesar das limitações que existem hoje para acessar dados sensíveis como empréstimos, os dados que se tornam públicos já são suficientes para ver uma correlação clara entre um agravamento da mudança climática e a inadimplência.
"As mudanças climáticas no Brasil devem ter impactos negativos que repercutem em todo o setor agrícola – desde a receita, passando pelo lucro e afetando o desempenho do pagamento de empréstimos dos mutuários agrícolas", diz a conclusão do trabalho.