Em alta, hepatites virais matam 3,5 mil pessoas por dia no mundo, alerta novo relatório da OMS
Documento revela que mais de 300 milhões de indivíduos vivem com formas crônicas de hepatite B e C, e que 1,3 milhão morrem a cada ano pela doença
Os casos de hepatites virais são responsáveis pela morte de 1,3 milhão de pessoas por ano, aproximadamente 3,5 mil por dia. Os dados atualizados sobre os diagnósticos fazem parte do novo Relatório Global sobre Hepatite 2024, da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado nesta terça-feira durante a Cúpula Mundial sobre Hepatite, que acontece em Lisboa, Portugal.
Segundo o documento, as hepatites virais representam a segunda principal causa infecciosa de morte no mundo, provocando um número de óbitos semelhante à tuberculose, atual líder. De forma mais alarmante, mostra ainda que esse ritmo está em alta: de 2019, quando 1,1 milhão de vidas foram perdidas, cresceu 18,2% até 2022, ano mais recente do levantamento.
Os números são uma estimativa baseada em informações de 187 países. Os especialistas que elaboraram o relatório pontuam que, embora o mundo tenha melhores ferramentas de diagnóstico e tratamento da infecção viral que acomete o fígado, com preços mais baixos, os percentuais de pessoas que acessam os testes e as terapias permanecem praticamente estagnados.
"Esse relatório mostra um quadro preocupante: apesar do progresso global na prevenção de infecções por hepatite, as mortes estão aumentando porque muito poucas pessoas com hepatite estão sendo diagnosticadas e tratadas", diz o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em nota.
Apesar do cenário, a organização afirma que a meta de eliminar a doença até 2030 segue possível, desde que “ações rápidas” sejam tomadas agora. "A OMS está comprometida em apoiar os países para que usem todas as ferramentas à sua disposição, a preços acessíveis, para salvar vidas e reverter essa tendência”, continua o diretor-geral.
De acordo com os novos dados, 83% das mortes são causadas pela hepatite B, e 17%, pela C. As estimativas da OMS apontam ainda que mais de 300 milhões de pessoas vivem com formas crônicas das infecções, 254 milhões com hepatite B, e 50 milhões, com a C. Homens são responsáveis por 58% desses casos; metade são entre pessoas de 30 a 54 anos e 12% são entre crianças e adolescentes com menos de 18 anos.
Oficialmente, no entanto, de modo contrário ao número de óbitos, a taxa de incidência passou por uma “ligeira diminuição” de 2019 para 2022. No ano mais recente do monitoramento, foram 2,2 milhões de novas infecções (1,2 milhão de hepatite B e 1 milhão de hepatite C), 12% a menos que as 2,5 milhões registradas em 2019.
De acordo com a OMS, isso mostra que as medidas de prevenção, como a vacinação, junto com a expansão do tratamento contribuem para reduzir a incidência. Ainda assim, o órgão destaca que ela permanece elevada – mais de 6 mil pessoas são infectadas a cada dia.
No Brasil, a imunização contra a hepatite B faz parte do calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI). O esquema é composto por quatro doses aplicadas ao nascer, aos 2, aos 4 e aos 6 meses.
Crianças, adolescentes e adultos que nunca foram vacinados contra a hepatite B também podem buscar a proteção na rede pública. Ela é feita no esquema de três doses com o intervalo de um ou dois meses entre as duas primeiras, e de seis meses entre a primeira e a terceira. Não existe vacina para a hepatite C.
As hepatites virais são infecções causadas por um vírus que atinge o fígado, podendo ser leve, moderada ou grave. Em muitos casos, podem não apresentar sintomas. Em outros, podem provocar cansaço, febre, mal-estar, vômitos, dor abdominal, olhos e pele amarelada, entre outros.
Os vírus conhecidos que causam hepatites são o A, o B, o C, o D e o E. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, os mais comuns são o A, o B e o C. Ainda de acordo com a pasta, frequentemente os casos provocados pelos patógenos B e C se desenvolvem em infecções crônicas – que, sem tratamento e a longo prazo, podem causar fibrose avançada, cirrose e levar ao desenvolvimento de um câncer e à necessidade de um transplante.
Falta de acesso a diagnóstico e tratamento
Segundo o novo relatório, somente 13% de todas as pessoas que vivem com uma infecção crônica de hepatite B receberam o devido diagnóstico (contra 10% em 2019), e apenas 3%, o equivalente a em média 7 milhões de pessoas, recebiam o tratamento com antivirais no fim de 2022 (contra 2% três anos antes).
Em relação à hepatite C, 36% dos pacientes foram diagnosticados (contra 21% em 2019), e 20%, 12,5 milhões de pessoas, recebiam a terapia (contra 13% na pesquisa anterior). Os números revelam uma ligeira melhora, mas um cenário bem distante da meta de ter 80% das pessoas que vivem com infecções crônicas de hepatite B e C em tratamento até 2030, daqui a seis anos.
Segundo o documento, no Brasil eram 1.038.564 pessoas vivendo com uma infecção crônica de hepatite B em 2022. 34,2% haviam sido devidamente diagnosticadas, e 3,6% estavam em tratamento. Foram 2.578 mortes no ano pela doença.
Em relação à hepatite C, eram 535.868 brasileiros com um quadro de infecção crônica – 36% devidamente diagnosticados, e 24% em tratamento. Foram 2.977 óbitos pela hepatite em 2022. As taxas de detecção e acesso às terapias foram superiores à média mundial.
A OMS, porém, destaca os cenários desiguais pelo planeta. A Região Africana, por exemplo, responde por 63% das novas infecções de hepatite B a cada ano, enquanto somente 18% dos bebês têm acesso à vacinação ao nascer.
Na região do Pacífico Ocidental, que representa quase metade das mortes (47%) por hepatite B, a cobertura de tratamento é de apenas 23%, o que “é muito baixo para reduzir a mortalidade”, diz a organização.
“Bangladesh, China, Etiópia, Índia, Indonésia, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Federação Russa e Vietnã arcam, juntos, com quase dois terços do ônus global da hepatite B e C. Alcançar o acesso universal à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento nesses dez países até 2025, juntamente com a intensificação dos esforços na Região Africana, é essencial para que a resposta global volte a ser adequada para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, continua.
Um dos problemas é a disparidade no acesso aos medicamentos genéricos, que têm preços mais baixos. O relatório cita que, embora o tenofovir, remédio utilizado no tratamento da hepatite B, não tenha mais patente, somente 7 de 26 países informaram pagar valores iguais ou menores ao de referência, de 2,4 dólares por mês.
O mesmo acontece para um curso de 12 semanas de sofosbuvir/daclatasvir pangenotípico para o tratamento da hepatite C. Embora o preço de referência global seja de 60 dólares, apenas 4 dos 24 países que divulgaram valores disseram pagar essa quantia ou menos.
“A prestação de serviços continua centralizada e verticalizada, e muitas populações afetadas ainda enfrentam despesas do próprio bolso para obter serviços de hepatite viral. Apenas 60% dos países relatores oferecem serviços de teste e tratamento de hepatite viral gratuitos, total ou parcialmente, no setor público. A proteção financeira é menor na região da África, onde apenas cerca de um terço dos países relatores oferecem esses serviços gratuitamente”, diz a OMS, em nota.
Recomendações para acelerar a eliminação da hepatite
Para que a meta de eliminar as hepatites em 2030 continue viável, o novo relatório aponta um conjunto de 8 ações que devem ser tomadas pelos países. São elas:
Expandir o acesso a testes e diagnósticos;
Mudar políticas para implementação de tratamento equitativo;
Fortalecer esforços de prevenção da atenção primária;
Simplificar a prestação de serviços, otimizando a regulamentação e o fornecimento de produtos;
Desenvolver casos de investimento em países prioritários;
Mobilizar financiamento inovador;
Utilizar dados aprimorados para ação e
Envolver as comunidades afetadas e a sociedade civil e avançar nas pesquisas para melhorar o diagnóstico e as possíveis curas para a hepatite B.