Guerra

Apesar do compromisso feito a Biden, Israel não reabriu posto de fronteira de Erez, no Norte de Gaza

Representantes do país dizem que ainda não foi determinada uma data para a retomada da passagem de itens pelo local, fechado desde o início da guerra

Imagem de satélite do posto de fronteira de Erez, que serve como porta de entrada para o Norte da Faixa de Gaza - Satellite image 2024 Maxar Technologies / AFP

A passagem fronteiriça de Erez, que liga Israel ao norte da Faixa de Gaza, continua fechada e sem que se permita a entrada de ajuda humanitária ao enclave palestino por ali, afirmou ao El País, diretamente da Jordânia, a diretora de comunicação da agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA), Juliette Touma.

A trabalhadora humanitária ressalta que o anúncio da quinta-feira passada, de que as autoridades israelenses abririam essas instalações, segue apenas como uma “promessa”. O governo israelense confirmou, de maneira implícita, a informação, e declarou que os insumos destinados a aliviar a grave situação enfrentada pela população de Gaza ainda não começaram a ser desembarcados no porto de Ashdod, a 35km do território.

Essas duas iniciativas foram os dois principais compromissos assumidos pelo Gabinete de guerra israelense na quinta-feira passada, depois de uma conversa por telefone entre o premier Benjamin Netanyahu e o presidente dos EUA, Joe Biden.

“Anunciaremos [a reabertura] de Erez e de Ashdod quando uma data foi determinada”, disse, na segunda-feira, o porta-voz da Coordenação de Atividades Governamentais nos Territórios (Cogat), Shumon Freedman, em mensagem ao El País.

O organismo israelense é o responsável por autorizar ou não a entrada de ajuda humanitária em Gaza. Freedman não respondeu aos questionamentos sobre uma data aproximada para a reabertura de Erez, que, antes do ataque do grupo terrorista Hamas no dia 7 de outubro do ano passado, quando 1.139 pessoas foram mortas e 240 sequestradas, servia fundamentalmente para a circulação de pessoas.

No X (antigo Twitter), o Cogat anunciou, no domingo à noite, que o número de caminhões que entraram em Gaza naquele dia chegou a 322, o mais alto desde o início da guerra, que completou seis meses. Contudo, a quantidade ainda está longe dos 600 apontados como necessários para fornecer meios básicos de subsistência à população civil, segundo números da ONU.

— É uma gota d’água em um oceano de necessidades — disse, por telefone de Deir al-Balah, na região Central de Gaza, Ghada al-Haddad, porta-voz da ONG Oxfam no território.

Israel permite apenas a entrada de caminhões com ajuda em Gaza por outros dois postos de fronteira: Rafah, na divisa com o Egito, e Kerem Shalom, que liga o território ao sul israelense. E mesmo por ali o transporte é feito a conta-gotas, desde o início do bloqueio total do território que antecedeu a operação terrestre em Gaza, dias depois do ataque do Hamas. Segundo o Ministério da Saúde do enclave, comandado pelo Hamas, 33.207 pessoas morreram na guerra.

No comunicado em que anunciou a reabertura de Erez e do porto de Ashdod, Israel não apresentava datas, mas indicava que tomaria “passos imediatos” para aumentar o fluxo de ajuda humanitária a Gaza. Os EUA, maiores aliados dos israelenses, celebraram o anúncio, mas de forma mais contida do que em declarações anteriores. Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, chegou a afirmar que esses passos deveriam ser “completamente e rapidamente” implementados.

Horas antes do anúncio, Biden e Netanyahu tiveram uma conversa definida como “tensa” por meios americanos. Na segunda-feira da semana passada, mísseis israelenses mataram sete trabalhadores humanitários em Gaza, incluindo um cidadão americano, da ONG World Central Kitchen (WCK). Biden disse, na ocasião, que poderia mudar o modelo de ajuda de Washington a Israel se não houvesse ações imediatas para proteger os civis e para incrementar a entrada de ajuda humanitária no território.

Mais da metade dos 2,2 milhões de pessoas que vivem em Gaza enfrentam uma escassez extrema de acesso a alimentos, de acordo com um informe internacional publicado em março, que alertava para o risco de uma fome iminente no norte do enclave.

Israel ainda não reabriu Erez e Ashdod para a entrada de ajuda, mas apresentou, no domingo, ao embaixador dos EUA em Israel, Jack Lew, sua nova unidade de Coordenação Humanitária e Desconflito do Exército, uma instituição cujo trabalho será “evitar erros”, como o que os israelenses consideram ter cometido no ataque aos funcionários da WCK. No X, a Cogat publicou fotos da visita, depois de destacar, em mensagem anterior, a entrada dos 322 caminhões em Gaza.

O El País perguntou ao porta-voz do Cogat como foi possível esse aumento repentino do número de veículos quando Israel havia atribuído a escassa quantidade de caminhões em Gaza à “falta de capacidade logística” das agências da ONU, especialmente a UNRWA. E sua resposta foi a seguinte:

“Sobre o número de caminhões, o maior problema enfrentado pela comunidade internacional é a capacidade de distribuição”. Freedman creditou o aumento repentino “aos esforços de Israel para aumentar sua capacidade e à grande quantidade de caminhões enviados pela comunidade internacional”.

O porta-voz ainda indicou que Israel “aumentou consideravelmente sua capacidade de inspeção”. A ONU e outras ONGs internacionais acusam o país de bloquear, em alguns casos por semanas, a entrada de caminhões em Gaza por razões como a descoberta de tesouras infantis nas cargas. A ONU afirma ainda que Israel está usando a fome como “arma de guerra”.

Fidaa al-Araj, coordenadora de segurança alimentar da Oxfam em Rafah, na Cisjordânia, confirmou por telefone que, nos últimos dias, está entrando mais ajuda em Gaza, mas que mesmo assim é “insuficiente”. Os mais de 500 caminhões que entravam antes da guerra “já eram insuficientes após 16 anos de bloqueio israelense”. Durante o conflito, explicou, houve dias em que entraram 40 caminhões. Para ela, “o aumento agora é uma estratégia israelense voltada aos meios de comunicação”.

Os veículos que entram em Gaza nem sempre transportam comida, como aponta Doraa, outra refugiada que hoje vive na Cisjordânia.

— Se conta como ajuda tudo que entra ali, incluindo alguns que transportavam testes para Covid-19. Outros levam comida, mas nem toda é para distribuição, e uma parte segue para comerciantes que vendem a preços altíssimos. Um quilo de açúcar custava € 0,75 (R$ 4,08), mas agora sai por € 16,50 (R$ 89,66) — explicou. — As pessoas não conseguem pagar devido ao colapso financeiro e à falta de dinheiro por causa da guerra. Não há frutas e verduras nos mercados, e se há disponibilidade, os preços são astronômicos por causa dos complexos trâmites israelenses para que entrem em Gaza.

Sobre o tema, o secretário-geral da ONG Médicos Sem Fronteiras, Chris Lockyear, disse na semana passada que se tratava de uma “ilusão de ajuda”. Para ele, “a imagem da ajuda internacional está sendo usada como um álibi para perpetuar a forma brutal e desproporcional como a guerra está sendo travada”.

— Grande parte da narrativa em torno da ajuda humanitária gira em torno da contagem dos caminhões que cruzam a fronteira, além dos envios aéreos. Não são mais do que distrações destinadas a criar uma ilusão de ajuda. A ajuda humanitária é muito mais que contar caminhões. É transportar os insumos de maneira segura. É ter segurança nos pontos de distribuição. É o funcionamento dos hospitais, que são mais do que apenas quatro paredes e um teto. É ter água, eletricidade, combustível e comunicações — concluiu.