Milei comemora queda na inflação do país com dado de perfil falso do X, ex-Twitter
Postagens, que traziam supostas variações de preços da cesta básica, faziam parte de um "um experimento social". Ministro da Economia também usou dados em entrevistas
O presidente da Argentina, Javier Milei, citou um perfil falso na internet que apresentava supostas variações diárias de preço da cesta básica do país ao comentar a queda da inflação durante uma entrevista concedida na noite de terça-feira.
O que ele não esperava é ser surpreendido algumas horas depois com uma mensagem nesse mesmo perfil dizendo que os cálculos não eram reais e que a conta na plataforma X (ex-Twitter) se tratava de um experimento social. O autor das postagens não revelou sua identidade.
—A taxa de inflação vai despencar, eu previ isso. Passamos de uma variação de preços de +5,22% para -4,52% — disse Milei, durante a entrevista em que usou como exemplo de queda dos preços os dados fornecidos pelo Jumbot, o nome do perfil no X.
O presidente argentino atribuiu a suposta queda às medidas tomadas desde que assumiu o cargo há quatro meses.
Além de variações de preço da cesta básica, a conta no X também citou variações de produtos específicos, como ovo e banana. Desde 18 de março, são feitas publicações diárias no perfil, que usa a foto de uma famosa rede de supermercados na Argentina, a Jumbo, do grupo Cencosud.
Na semana passada, foi o ministro da economia, Luis Caputo, que usou a mesma fonte para relatar a desaceleração dos preços em abril. Entretanto, os dados também eram falsos.
O perfil citado por Milei e Caputo revelou na terça-feira que se tratava de "um experimento social" com o objetivo de "ver a necessidade que muitos têm de mostrar resultados que a realidade lhes nega".
"Pedimos desculpas àqueles que tiveram esperanças por causa de nossos dados, inclusive o presidente", disse a conta falsa, esclarecendo que nunca analisaram os preços que publicaram. "Estendemos nossas desculpas ao ministro da Economia, Luis Caputo. Não leve o assunto para o lado pessoal. Repetimos: foi apenas um experimento social"..
A desinformação em que Milei e Caputo acreditaram fez com que fossem ridicularizados nas redes sociais. Alguns usuários aproveitaram a oportunidade para defender as fontes oficiais de informação e o papel do jornalismo contra as fake news.
Outros questionaram dados anteriores fornecidos pelo presidente, como o aviso de que a Argentina estava caminhando para uma hiperinflação de 15.000% se o país não corrigisse sua política econômica.
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Com uma taxa anual de inflação de 276,2%, a Argentina é o país com a maior inflação do mundo e registrou valores nunca vistos nas últimas três décadas.
Em dezembro, o primeiro mês de Milei como presidente, os preços subiram 25,5%, arrastados pela forte desvalorização oficial do peso, que perdeu metade de seu valor em relação ao dólar em um dia.
Desde então, tanto em janeiro quanto em fevereiro, a inflação mensal permaneceu em dois dígitos, embora com uma taxa mensal de declínio. Na sexta-feira, será conhecido o valor oficial da inflação de março, que os consultores privados estimam entre 10% e 12%.
O Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) afirmou que os dados oficiais são "um bem público insubstituível". O Indec "mede fenômenos econômicos e sociais com os quais a população pode tomar decisões baseadas em evidências, além de interesses políticos ou ideológicos", defendeu nas redes sociais o diretor do órgão, Marco Lavagna.
Contração econômica
Ao contrário da maioria dos países, a Argentina tem inflação alta mesmo em recessão. A atividade econômica caiu 4,3% no comparativo anual em janeiro, o último dado oficial, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o PIB da Argentina recuará 2,8% até 2024.
A produção industrial tombou 12,4% em janeiro em comparação com o ano anterior e a queda no consumo foi ainda maior: no primeiro trimestre do ano, as vendas das pequenas e médias empresas caíram 22,1%.
Milei advertiu desde o início que a luta contra a inflação seria difícil e longa, durando pelo menos "entre 18 e 24 meses", e previu que a economia teria retração antes de se recuperar novamente devido aos grandes cortes de gastos que ele implementaria para eliminar o déficit e equilibrar as contas públicas.