Chiquinho Brazão: entenda os argumentos a favor e contra a prisão do deputado
Constituição prevê que parlamentares em exercício de mandato só podem ser detidos em flagrante e em caso de crimes inafiançáveis
A prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), referendada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (10), mobilizou diferentes teses jurídicas desde que o parlamentar acusado pela morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi parar atrás das grades, no fim de março.
A Constituição prevê que parlamentares em exercício de mandato só podem ser presos em flagrante e em caso de crimes inafiançáveis. O texto, porém, deixa espaço para interpretações distintas, ao que se somam decisões anteriores já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que flexibilizaram sua aplicação.
O argumento usado pela defesa de Brazão e repetido no plenário antes da votação que sacramentou a manutenção da prisão está ancorado em uma suposta inconstitucionalidade da medida decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo os advogados, não teria havido flagrante, tampouco os crimes envolvidos na acusação seriam inafiançáveis, o que não enquadraria o caso nas situações de excepcionalidade previstas.
Especialistas ouvidos pelo Globo têm visões contrastantes. Na avaliação de Rubens Glezer, professor de Direito da FGV-SP, e de Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, pelo fato de Brazão ser apontado como mandante de um homicídio doloso, há base para classificar o caso como inafiançável, uma vez que todos os crimes intencionais contra a vida entram neste rol.
— Houve atuação da organização criminosa em um crime inafiançável, o homicídio doloso, e, como ele foi apontado como mandante, fortalece a leitura de flagrante de crime inafiançável. Essa tese se reforça por serem interpretados como atos que se prolongam ao longo do tempo — afirma Glezer.
— Não há que se falar em invalidação da prisão preventiva com base no artigo 53 da Constituição Federal, haja vista que o encarceramento do deputado foi decretado por atos de obstrução à Justiça em grau de organização criminosa acerca do crime de homicídio, que é inafiançável — pontua Abdouni, seguindo linha semelhante.
Já na avaliação de Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da UFF, a obstrução de Justiça — crime que apoia a sustentação do flagrante — não é inafiançável, o que validaria a posição da defesa de Chiquinho. O jurista vê uma "manobra interpretativa" de Moraes na decretação da prisão. Outro aspecto controverso na decisão, segundo Sampaio, é que o ministro do STF cita o fato de que se trata de uma prisão preventiva, situação em que não cabe fiança, para justificar a interpretação pelo caráter inafiançável.
— O fato de a situação geral ser de prisão preventiva e de o trecho do Código Penal (citado na decisão de Moraes) dizer que em situação de prisão preventiva não cabe fiança não quer dizer que o crime em si tenha se tornado inafiançável. No caso dos outros agentes, a prisão preventiva era necessária, mas isso não transforma o crime de obstrução de Justiça em inafiançável — discorre Sampaio.
Mudança de interpretação
Os juristas favoráveis à prisão lembram ainda que a interpretação do texto constitucional foi ampliada em 2015 no STF, durante julgamento envolvendo a mesma acusação de obstrução de Justiça contra o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS) em investigações de corrupção na Petrobras.
O então ministro Teori Zawascki, relator do caso, defendeu que podem ser tomados como flagrante atos dolosos, ou seja, intencionais, cujos efeitos se arrastam no tempo. O mesmo entendimento foi usado em 2021 para embasar o mandado de prisão contra o ex-deputado Daniel Silveira, também expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.
— O principal antecedente desse caso é o do Delcídio do Amaral. Estamos falando de 2015, são quase dez anos de mudanças da jurisprudência. Foram essas extensões da interpretação do artigo pelo ministro Teori que deram espaço para interpretar para além da forma literal da Constituição. Se tratava de uma gravação feita semanas depois do flagrante, mas, como ainda tinha efeitos e consequências à época do vazamento, foi comprovado que ele estaria realizando um ato continuado, tramando e tomando medidas para realizar um delito — explica Glezer.
Em outro aspecto, há consenso entre os especialistas de que o STF tem prerrogativa para julgar o caso, uma vez que a imputação do crime de obstrução de Justiça ocorreu em um momento no qual Chiquinho Brazão já ocupava uma cadeira na Câmara, o que confere foro privilegiado. Já a defesa do deputado sustentou que, como ele era vereador no Rio na época da execução de Marielle e Anderson, crime do qual ele é acusado, a esfera adequada seria a Justiça comum.
— Teoricamente, o deputado só poderia ser julgado no STF caso se tratasse de crimes cometidos no curso do mandato. Como a decisão fala em obstrução de Justiça, que ocorreu durante o mandato, ele não poderia ser julgado em outra instância — frisa Gustavo Sampaio, da UFF.