CINEMA

''A Paixão Segundo G.H.'' é uma reflexão social através de monólogo escrito por Lispector; confira

No filme, ''não há uma disputa de território'', diz diretor, que foi inspirado no livro homônimo da escritora brasileira

Maria Fernanda Cândido interpreta G.H. - Divulgação

Propondo uma investigação existencial, ''A Paixão Segundo G.H.'', que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (11), transporta o espectador para o apartamento de uma escultora de elite, chamada G.H., no Rio de Janeiro de 1964. A protagonista, que passou pelo fim de um relacionamento, decide arrumar o quarto de serviço, após a sua empregada, Janair, ter pedido demissão no dia anterior.     

No cômodo, ela se depara com uma barata. Nesse momento de ignição, a personagem imerge numa reflexão sobre a sociedade que está inserida, os seus horrores e preconceitos, e as divergências da luta de classes. 

Na presença do inseto, G.H. narra o fluxo de seus pensamentos e, questionando quem ela é neste mundo, através dessa experiência a protagonista encontra diversas respostas, explorando o feminino e demonstrando sua identidade multifacetada.  

Inspirado no livro homônimo de Clarice Lispector, o roteiro do filme, que é assinado pelo próprio diretor Luiz Fernando Carvalho (da novela ''Velho Chico'') e Melina Dalboni (da série ''Independências''), extrai o monólogo de G.H. do romance da escritora brasileira. 

Nas palavras escritas por Clarice, Maria Fernanda Cândido (''O Traidor'') interpreta G.H. com delicadeza, intimidade e fluidez durante todo o filme. O estudo de personagem proposto pelo diretor não seria possível sem o trabalho de interpretação da atriz, em uma obra que não segue uma narrativa linear. 

Cena de ''A Paixão Segundo G.H.'' | Crédito: Divulgação 

A autenticidade dos textos de Clarice Lispector podem preocupar os fãs literários da escritora. Luiz Fernando disse, em entrevista à Folha de Pernambuco, que não há hierarquia entre a palavra e a imagem.  

''Eu reivindico a palavra como elemento central ao lado das imagens na constituição da linguagem cinematográfica, não há uma disputa de território'', disse o diretor.    

Ainda sobre o encontro da linguagem literária e cinematográfica, Luiz explicou como entende essa união no seu filme: 

''A partir desse conflito, dessa relação amorosa dessas duas autoridades, elas produzem um corpo que é um algo inominável, algo que eu não sei o que é, não sei que gênero tem, mas destinada é o filme. Não precisa de nada disso, em nome, gênero, nada, mas esse nada é o filme'', comentou o cineasta. 

Diretor Luiz Fernando Carvalho elogia atuação de Maria Fernanda Cândido | Crédito: Divulgação

''A Paixão Segundo G.H.'', possibilita um diálogo e infinitas percepções para o espectador. Essa experiência imersiva acontece muito pela atuação de Maria Fernanda Cândido, que, para Luiz Fernando, interpreta diversas G.Hs., durante o filme.  

''Não há no romance apenas uma G.H, existem várias G.Hs. É alguém que perdeu a mediação com o mundo e que tenta dar conta de si mesmo e do mundo. Nessa busca por se voltar a si, se escapar de si, ela descobre muitas mulheres. Eu propus que Maria Fernanda vivesse todas elas e ela se desdobrasse, se desfolhava, se desmoronasse, morresse, ressuscitasse, ela se transforma. É uma performance radical'', expressou o diretor. 

Sobre a barata, Luiz disse ser um personagem que não é uma metáfora: ''A barata é uma espécie de receptáculo que vai projetar várias leituras, várias questões morais, sociais, psíquicas e espirituais''.  

Neste longa-metragem, o diretor decidiu reivindicar um protagonismo para a personagem da empregada Janair, interpretada por Samira Nancassa, na sua estreia no cinema. Na sua visão, ela carrega uma camada sociológica e de ancestralidade importante para a obra. 
 
''Fiz questão de trazer a Janair para esse primeiro plano porque a minha Janair já foi filmada com a mão da história. Então, é uma Janair do século XXI que tem suas reivindicações'', concluiu Luiz Fernando Carvalho.