China

Gleisi na China: seminário do PT com o Partido Comunista, críticas aos EUA e visita a Dilma

Presidente petista chegou ao país asiático nesta terça-feira, acompanhada de uma delegação com 28 integrantes, entre deputados federais e estaduais e membros da Executiva Nacional da sigla

Gleisi com Li Xi, secretário do Partido Comunista da China - Divulgação

Acompanhada da maior delegação de um partido brasileiro a visitar a China, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vem cumprindo uma série de agendas com forte viés ideológico no país asiático. Desde o início da semana, a comitiva petista participou de um seminário com lideranças políticas locais em Pequim — durante o qual a dirigente leu uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "ao camarada Xi Jinping", mandatário chinês, e enfileirou críticas aos Estados Unidos —, esteve no Museu do Partido Comunista e participou de um encontro no Grande Palácio do Povo com Li Xi, um dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo, órgão decisório mais importante da China. Ainda estão previstas visitas a empresas chinesas de tecnologia, como a Huawei e a CATL, maior fabricante de baterias do mundo, e uma última parada em Xangai, onde Gleisi passará pelo banco dos Brics, presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff. Em meio aos compromissos, haverá tempo para o turismo, com passagens por atrações como a Grande Muralha.

Gleisi desembarcou nesta terça-feira na China, onde ela permanecerá por 12 dias, em uma viagem que percorrerá, ao todo, seis cidades. A delegação tem 28 integrantes, entre eles deputados federais e estaduais do PT, além de membros da Executiva Nacional do partido.

O périplo começou pelo VII Seminário Teórico realizado na capital chinesa entre o PT e o Partido Comunista chinês, descrito por Gleisi como "inspirador". No discurso de abertura, a deputada federal afirmou que o mundo vive uma "crise sistêmica", cujo "epicentro" estaria nos Estados Unidos. O tom de Gleisi e de outros petistas contra o governo americano foi mais forte até que o usado pelos participantes chineses, que evitaram menções diretas aos EUA, apesar da crescente rivalidade entre Pequim e Washington.

Após ler a mensagem de Lula para Xi Jinping, Gleisi abriu sua fala lembrando que 2024 marca não apenas o cinquentenário de estabelecimento dos laços diplomáticos entre Brasil e China, mas 40 anos de “relações formais” do PT com o PC chinês. Em seguida, traçou um panorama sombrio da atual situação do mundo, que descreveu como “uma crise sistêmica, com múltiplas dimensões, militar, política, social, ideológica, financeira, comercial e ambiental”. O motivo, para ela, é a resistência dos Estados Unidos a aceitar seu declínio como potência.

— Esta crise atinge de maneira diferenciada cada país e cada setor de atividades. Mas há um vetor fundamental: o epicentro da crise está nos EUA — disse a presidente do PT. — Os EUA atravessam uma imensa crise. Em decorrência disso, mas também em decorrência do crescimento do resto do mundo, vivemos um momento marcado pelo declínio da hegemonia, pelo declínio da influência dos EUA, que estão fazendo de tudo para reverter essa situação. De tudo para, como eles gostam de dizer, voltar a liderar. Esse esforço desesperado para recuperar o terreno perdido está na origem de mais crises e mais guerras.

O discurso de Gleisi se alinha com o pensamento corrente entre as elites política e acadêmica da China. Embora não costumem expressar o mesmo de forma tão explícita como fez Gleisi, autoridades chinesas também veem nos EUA uma potência em declínio, que se recusa a dividir poder com outros países. No encontro com a delegação petista, Liu Jianchao, ministro do Departamento Internacional do Comitê Central do PC chinês, criticou a busca por hegemonia sem citar os EUA, defendeu um mundo multipolar e disse que “o mundo nunca será governado por um só país”. Gleisi foi mais direta. Para ela, o “declínio” dos EUA é o responsável por gerar o ambiente instável pelo qual o mundo atravessa.

— Essa instabilidade produz um efeito contraditório: por um lado torna cada vez mais necessário que construamos alternativas. Se não construirmos alternativas, a alternativa será a barbárie. — afirmou. — É o predomínio do capitalismo que gera um cenário mundial de instabilidade, crises, guerras e revoltas. Nossos partidos, o PT e o PC chinês, defendem que o socialismo é essa alternativa. Um de nossos maiores desafios é exatamente o de tornar o socialismo mais influente e mais poderoso em nossos países e também em escala mundial.

Em sua visita à China, no ano passado, o presidente Lula também criticou os EUA, afirmando que o país “ incentivava” a guerra na Ucrânia. O comentário criou mal-estar em Washington, e um porta-voz do governo americano acusou o presidente brasileiro de “repetir a propaganda do Kremlin”.

"Respeitamos os Estados Unidos"
Em entrevista ao Globo após o encerramento do seminário PC-PT, Gleisi Hoffmann afirmou que a visão de mundo do PT se alinha mais com a da China, mas que o Brasil tem interesse em preservar as relações com os EUA. Segundo ela, o PT e o PC chinês têm em comum a determinação em se contrapor à hegemonia de um país sobre os demais:

— Respeitamos os Estados Unidos, sabemos de sua importância. O Brasil tem relações comerciais com os EUA, queremos mantê-las. Mas não achamos saudável para o mundo a hegemonia de um país. Nós concordamos mais com a visão do Partido Comunista chinês, em que todos os países têm o direito a se desenvolver e de ter o respeito a sua autodeterminação, de ter vez e condições nos mercados mundiais.

Sobre o aprendizado que o PT pode ter com o partido chinês, Gleisi disse que o principal é sua forma de organização e de mobilizar seus quase cem milhões de membros.

— Claro que são formas distintas, a forma de organização do PC chinês é diferente, mas também é inspiradora, porque é um partido muito organizado nas bases, ou seja, na sua militância. O PC chinês tem uma estrutura de formação política, com uma universidade, isso é muito importante. E nós damos um valor muito grande à formação política dos nossos quadros. Além disso, a visão internacionalista que o PC tem, principalmente neste momento, em que há a necessidade de os partidos progressistas e de esquerda do mundo de se unirem para enfrentarem um movimento mundial também que é o da extrema direita.

Em um dos painéis do seminário, o lado chinês deu destaque à importância de manter “uma administração rigorosa do partido”. Sob a liderança de Xi Jinping, que chegou ao poder em 2012, o PC chinês reforçou a exigência da lealdade de seus membros e da educação ideológica em todos os âmbitos da sociedade. Zhu Lingjun, vice-diretor do Departamento de Ensino e Pesquisa de Construção Partidária da Escola Central do PC chinês, disse que a dissolução da União Soviética serve de lição sobre a necessidade de uma disciplina rígida.

— Não basta ser o maior partido, temos que ser o mais forte do mundo. Como um partido marxista, nossa missão é libertar o mundo inteiro — disse Zhu.

Nesta quarta, a programação do grupo petista incluiu uma visita ao Museu do Partido Comunista e um encontro no Grande Palácio do Povo com Li Xi, um dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo, órgão decisório mais importante da China. Ao longo dos próximos dias, o roteiro preparado pelo PC para a delegação petista combina atrações turísticas como a Cidade Proibida e a Grande Muralha e interações com professores da escola do partido e autoridades locais. A visita inclui ainda visitas a empresas chinesas de tecnologia, como a Huawei e a CATL, maior fabricante de baterias do mundo. A última parada será em Xangai, onde Gleisi visitará o banco dos Brics, presidido por Dilma Rousseff.