Relação entre Lira e Padilha acumula atritos desde o início do governo Lula
Críticas subiram de tom ao longo do último ano. Em 2023, eles pararam de se falar
Desafetos declarados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, acumulam atritos desde os primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Com críticas veladas de ambos os lados ao longo dos últimos meses, a relação entre eles piorou gradativamente ganhou contornos públicos nesta quinta-feira, quando Lira se referiu a Padilha como "um incompetente" e seu "desafeto pessoal".
As declarações foram dadas durante evento no Paraná, enquanto respondia sobre a votação desta quarta no plenário da Casa, que manteve o deputado Chiquinho Brazão, apontado como um dos mentores do assassinato da vereadora Marielle Franco, preso.
De acordo com Lira, boatos sobre uma suposta interferência dele para soltar Brazão partiram de Padilha. Ele negou as suposições e afirmou que os parlamentares tiveram liberdade para votar conforme as suas vontades.
— Essa notícia foi vazada do governo e, basicamente, do ministro Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, um incompetente. Não existe partidarização. Eu deixei bem claro que ontem a votação foi de cunho individual, cada deputado responsável pelo voto que deu. Não tem nada a ver — disse.
Críticas subiram de tom
Em abril do ano passado, Lira criticou Padilha em entrevista ao GLOBO, porém, em um tom mais polido. Ao comentar a distribuição de emendas para deputados, Lira afirmou que "a SRI precisava se organizar". Sobre Padilha, Lira não fez ataques diretos, mas o definiu como "centralizador".
— Eu sempre disse que o orçamento é muito mais democrático se decidido por 600 parlamentares do que por dez ministros. [...] O governo precisa se organizar, mais especificamente a Secretaria de Relações Institucionais. Padilha é um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades. Não tem se refletido em uma relação de satisfação boa. Talvez a turma precise descentralizar mais, confiar mais. Se você centraliza, prende muito — disse na ocasião.
Diálogos cortados
De acordo com aliados de ambos, em outubro os dois já não se falavam mais. A ruptura teria partiudo de Lira, que cortou o diálogo com Padilha, responsável pela interlocução do governo com o Legislativo. O estopim para o rompimento, segundo aliados do presidente da Câmara, foi a edição de uma portaria do governo que prevê novas regras para liberação de recursos apadrinhados por parlamentares na área da Saúde. A nova norma, que entrou em vigor em dezembro, condiciona transferências à aprovação de um colegiado formado por gestores estaduais e municipais do SUS em cada estado.
Lula foi avisado ainda em dezembro por Lira que não havia mais diálogo com Padilha, seja sobre a liberação de emendas ou sobre a tramitação de projetos. Desde então, Lira elegeu como interlocutores o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para tratar de assuntos de interesse do Palácio do Planalto.
O primeiro recado
Procurados em dezembro, tanto o deputado quanto o ministro não quiseram comentar o assunto. Porém em fevereiro deste anos, Lira mandou um recado direto para o governo, durante a cerimônia de reabertura dos trabalhos legislativos.
Diante de uma plateia de parlamentares e ministros, cobrou o cumprimento de acordos firmados, disse que "errará" quem apostar na inércia da Casa por causa das eleições municipais e elevou a tensão na queda de braço pelo controle do Orçamento ao dizer que a peça orçamentária "pertence a todos e não apenas ao Executivo".
— Boa política se apoia num pilar essencial: no respeito a acordos firmados e compromisso a palavra empenhada. Por nos mantermos fiéis à boa política é que exigimos como natural contrapartida respeito a decisões e fiel cumprimento a acordos firmados com o Parlamento.
Lula precisou entrar em campo
Dias depois, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou Lira para "discutir a relação" e tentar melhorar o clima entre Congresso e Palácio do Planalto. Segundo aliados de Lira, o deputado deixou a reunião satisfeito, classificando o encontro como positivo e dizendo que, a partir de agora, o jogo “estava zerado”, com a promessa de poder contar mais com a interlocução do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e de ter um canal mais direto com Lula.
Ao comentar a fala de Lira, Padilha minimizou o rompimento entre eles.
— O governo tem diálogo, o governo nunca rompeu qualquer diálogo e nunca romperá — disse Padilha. — Não existe qualquer tipo de clima que gere tensão, muito pelo contrário.
Poucos dias depois, Lula recebeu, no Palácio da Alvorada, Lira e líderes da Casa. O encontro foi um gesto de aproximação, em um momento em que o governo acumulava insatisfações no Congresso. Na ocasião, Lira e Padilha chegaram a aparecer na mesma foto juntos, mas segundo aliados, não voltaram a se falar.