Entenda: Trump enfrenta julgamento criminal nesta segunda em caso de suborno de atriz pornô
Magnata é o primeiro ex-presidente dos EUA a encarar júri popular
Após inúmeras tentativas de adiamento, Donald Trump enfrenta nesta segunda-feira o primeiro julgamento criminal da História de um ex-presidente dos EUA pelo suposto suborno da atriz pornô Stormy Daniels.
A suspeita é que ele teria tentado evitar que o relacionamento entre eles viesse a público durante sua campanha à Casa Branca em 2016, disputada contra a ex-secretária de Estado americana Hilary Clinton, na qual saiu vencedor.
Segundo a Promotoria, o republicano realizou uma série de fraudes contábeis em sua empresa, a Organização Trump, com o objetivo de mascarar o pagamento de US$ 130 mil feito à atriz em troca do seu silêncio. A quantia teria sido paga pelo seu então advogado, Michael Cohen, testemunha-chave do processo. Trump se declarou inocente de todas as 34 acusações das quais é réu e terá o desafio de se defender perante um júri popular de Nova York.
O julgamento é um dos quatro processos criminais dos quais Trump é réu. Dado o contexto polarizado do país e a espetacularização em torno do caso, o juiz Juan Merchan divulgou as perguntas que serão feitas aos potenciais jurados que vão compor o Grande Júri, como quais são a suas fontes de notícias, se já participaram de um comício de Trump, quais são seus sentimentos em relação ao ex-presidente e até mesmo se já foram membros de algum grupo como os Proud Boys, que integraram a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Não há questionamentos sobre filiação partidária ou o voto no último pleito.
Inicialmente, o julgamento estava programado para começar em 25 de março. No entanto, um mês antes da data os próprios promotores pediram o seu adiamento para 15 de abril após a inclusão de mais de 100 mil páginas de documentos. Segundo a acusação, esse tempo a mais, de 30 dias, daria aos advogados de defesa a chance de revisar o material — os representantes de Trump requisitaram inicialmente um adiamento de 90 dias.
O tempo estimado para o julgamento como um todo é de seis semanas, e é provável que haja uma decisão antes da Convenção Nacional do Partido Republicano indicar seu nome à Presidência, em julho, após sua vitória acachapante nas primárias.
Em vários momentos, a defesa do republicano tentou prorrogar a data do julgamento e até mesmo arquivá-lo, calculando os prejuízos de uma sentença desfavorável em meio à sua campanha para as eleições de novembro. Trump lidera a maioria das pesquisas de intenção de voto contra o presidente Joe Biden e — embora os EUA não tenham uma legislação como a Lei da Ficha Limpa brasileira, que proibiria sua participação no pleito caso fosse considerado culpado — uma condenação na esfera criminal abre margem para um cenário jurídico inédito no país. Contudo, há dúvidas se de fato prejudicaria a sua imagem perante o eleitorado.
Ordem de silêncio
A última tentativa da equipe de Trump de adiar o julgamento ocorreu na terça-feira, mas foi rejeitada pelo tribunal de apelação de Nova York em apenas 12 minutos. A defesa pediu que o tribunal postergasse a data até que um colegiado de juízes analisasse a ordem de silêncio imposta ao republicano, que o proibiu de dar declarações públicas sobre o caso após reiterados ataques contra as autoridades envolvidas.
A retórica inflamada de Trump — neste e em outros casos nos quais é réu — é parte central da narrativa de caça às bruxas usada como tônica da sua campanha à Casa Branca. Além do temor do seu discurso influenciar o julgamento do júri e a opinião pública, a ordem de silêncio foi aprovada na esteira de uma série de ameaças recebidas pelo escritório do promotor do caso, Alvin Bragg. Primeiro homem negro a ocupar o cargo de promotor-geral de Manhattan, Bragg foi chamado de "animal" pelo magnata.
No ano passado, horas depois de uma postagem do ex-presidente alertar a sua "potencial morte & destruição" caso fosse condenado pelo júri popular neste processo, Bragg recebeu uma carta com ameaças de morte contendo pólvora — apenas uma das dezenas recebidas nas semanas que antecederam a apresentação dos resultados da investigação. O local de trabalho da Promotoria precisou reforçar a segurança depois de frequentes ameaças falsas de bombas.
Relembre o caso
A história de Trump e Daniels começou no verão de 2006, quando os dois se cruzaram num resort de luxo no estado de Nevada durante um torneio de golfe. Ela havia aparecido no filme “O Virgem de 40 Anos”, e Trump tinha acabado de ter um filho com Melania, sua mulher. Segundo o relato da atriz, o republicano a convidou para jantar em sua suíte, onde a recebeu de pijama no sofá. Daniels afirma que, depois, tiveram uma relação sexual — algo que ele nega.
O que está provado, no entanto, é que ela recebeu US$ 130 mil pouco antes da eleição de 2016, presumivelmente para não falar publicamente sobre isso. Esse pagamento foi o que levou um grande júri do estado de Nova York a denunciá-lo. Assim que a transação foi revelada, em 2018, a atriz começou a dar entrevistas e pediu à Justiça que cancelasse o acordo de confidencialidade que ela assinou.
Em 2018, em um programa da CBS, Daniels disse que desejava esclarecer as coisas. Ela enfatizou que não era uma vítima e que, embora não se sentisse atraída por Trump naquela noite em Nevada, a relação foi consensual. A atriz contou que o político teria feito promessas sobre uma aparição em O Aprendiz, reality show que ele apresentava antes de chegar à Casa Branca em 2017. Daniels afirmou que pensava que Trump fazia aquilo para que ela não perdesse o interesse nele.
Depois daquele encontro em Nevada, ela conta que Trump a telefonou algumas vezes, e que costumava chamá-la de “favo de mel”. Os dois se encontraram pelo menos outras duas vezes em 2007, mas Trump nunca a levou para O Aprendiz, o que reforçou a ideia de que ele fazia as promessas “apenas para impressionar”. A atriz relata que ele continuou ligando, até que ela parou de atender.
Vendendo histórias
Enquanto Trump ensaiava se candidatar a presidente em 2011, a atriz pornô começou a tentar vender a história do caso entre eles com a ajuda de um agente. Eles negociaram um acordo de US$ 15 mil (R$ 74,5 mil) com a revista de celebridades Life & Style. A atriz contou ao repórter que a oferta de Trump para transformá-la em participante do reality show era uma mentira, segundo transcrições publicadas na internet.
No momento em que a revista procurou as Organizações Trump para comentar, Michael Cohen, então advogado pessoal do republicano, retornou a ligação com a ameaça de processo, e a revista desistiu da reportagem. A atriz não recebeu o pagamento. Ao mesmo tempo, Trump desistiu da candidatura e continuou apresentando reality.
Quando o ex-presidente Barack Obama se preparava para deixar o cargo, em 2015, Trump decidiu se candidatar mais uma vez. Em agosto, ele se reuniu Cohen e David Pecker, o publisher da “American Media Inc.”, que publica o tabloide National Enquirer, em seu escritório na Trump Tower. Pecker, amigo de longa data de Trump, prometeu publicar reportagens positivas sobre ele e negativas sobre seus concorrentes, de acordo com três pessoas que tiveram conhecimento do encontro.
Ele também concordou em trabalhar com Cohen para encontrar e conter reportagens que pudessem causar dano aos novos esforços políticos de Trump. Às vésperas da eleição, porém, o jornal Washington Post divulgou trechos de uma gravação em que o então candidato à Casa Branca faz comentários vulgares sobre como apalpar mulheres. Com a repercussão do caso, Daniels e seus assessores voltaram a buscar espaço na imprensa.
O suborno
O advogado da atriz entrou em contato com o editor da revista Enquirer, Dylan Howard — e foi aí que o advogado de Trump entrou na negociação. Os executivos da publicação alertaram Cohen, e ele pediu ajuda ao editor da revista. De acordo com informações obtidas por autoridades federais, o advogado conversou por telefone com Trump e com os dois executivos da revista. E foi o editor da Enquirer que o botou em contato com o advogado de Stormy Daniels.
Três dias depois da divulgação das gravações pelo Post, o advogado de Trump concordou em pagar o suborno em troca do acordo de silêncio. Cohen assinou em nome de Trump, mas o pagamento demorou a sair. Ele argumentou que precisava resolver de onde tirar o dinheiro durante a campanha, por causa dos impedimentos da lei eleitoral. Segundo o advogado, Trump aprovou o pagamento.
Com a demora no repasse, o advogado da atriz cancelou o acordo. Com medo da negociação de suborno ser revelada juntamente com o escândalo sexual, o advogado concordou em pagar com recursos próprios e um novo acordo foi assinado. A atriz manteve o silêncio e, menos de duas semanas depois, o ex-presidente venceu a eleição de 2016.