60 anos da ditadura militar de 1964 entre a noite da agonia e o dia 8 de janeiro
As exposições que se faz não são produto do imaginário. São relatos francos, sinceros e verdadeiros dos que viveram e conviveram com a mais cruel ditadura que a história pátria registrou. Sempre atrelado ao longo do tempo pelo estigma da dependência econômica e cultural de potências estrangeiras, o Brasil ainda não se afirmou, totalmente, como um País soberano como se pretende, apesar de não faltar, nessa trajetória, eminentes brasileiros que se empenharam pela emancipação do País.
Não aquela independência formal, convencional, burocrática, porém efetiva, que se conquista e assenta em pressupostos concretos.
João Ubaldo Ribeiro no seu livro Política adverte para a necessidade de se encarar a política de forma consequente, diferenciando-a da politicagem, não permitindo que responsabilidades pessoais se conduzam pela inércia e indiferença, pois os interesses sociais são coletivos.
Historicamente as forças armadas no Brasil nunca se confundiram com a democracia e o Estado Democrático de Direito, como se verá.
Diante de um contexto tão complexo que dura mais de duzentos anos, chama-nos atenção como amplos setores da sociedade se mantenham indiferentes e neutros em face da postura de muitos militares e civis, que se pretendem acima dos postulados constitucionais.
Atribui-se a Dante Alighieri a frase: “Os lugares mais quentes do Inferno estão reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise.”
Divaldo Pereira Franco na sua mensagem em tom de peroração Além do Horizonte, profetiza: “Pilatos, ao lavar as mãos, perdeu a maior benção da História.” Essas duas conceituações, pelos próprios enunciados, eivados de virtudes e ensinamentos nos chamam e convidam à militância.
Considerando-se que na obra do autor de a Divina Comédia não esteja explícita, a frase encontra ressonância no momento em que, ao adentrar no Inferno, ainda que estivesse vivo, ele, Dante, se deparou com “almas que viveram sem cometer pecados graves, mas também sem realizar nenhum bem; elas são eternamente perseguidas por vespas e moscas”.
Diante da constatação Dante conclui: “Aqui residem os indiferentes, que são punidos por sua neutralidade e inação na vida.”.
Ao longo da História as forças armadas brasileiras jamais tiveram compromissos duradouros para com a democracia.
Na madrugada do dia 12 de novembro de 1823, oportunidade em que a Assembleia Constituinte redigia a primeira Constituição do País, recentemente independente do reino de Portugal, o monarca Pedro I, com ajuda militar, mandou invadir o plenário da Assembleia, ante a expectativa de que a primeira Carta limitasse os seus poderes. Munido do decreto, o brigadeiro José Manuel de Morais penetra no recinto da Assembleia.
Apesar da resistência que durou poucas horas, muitos deputados foram presos e deportados, inclusive José Bonifácio, o Patriarca da Independência.
Já se vão mais de duzentos anos. Os fatos são descritos nos livros de história como “Noite da Agonia”.
Se tradicionalmente as forças armadas não têm credencial confiável na defesa dos valores democráticos, por outro lado outros fatores alinham-se em desfavor da democracia. O surgimento impulsivo das redes sociais, com seu poder influenciador, faz incursões sérias no campo do ordenamento jurídico, confrontando o Supremo Tribunal Federal em atividade claramente desestabilizadora, como se verificou no episódio que envolveu o magnata Elon Musk dono do X Brasil, antigo Twitter. Postura que expõe o que há de mais depreciativo no capitalismo selvagem e sem fronteiras.
Em uma sociedade contraditória como a nossa, parece desarrazoado que, após sairmos de uma Tentativa de Golpe de Estado no dia 8 e janeiro de 2023, parcela expressiva da população, em processo de catarse coletiva, se reuna na capital do Estado mais rico do país, em torno de quem dias antes estava no epicentro do malogrado assalto ao poder, democraticamente constituído e estabelecido.
No fio da História, o 12 de novembro de 1823 está conectado com o 8 de janeiro de 2023. O que está pelo meio os livros já contaram. Cabe as forças vivas da Nação, aos poderes constituídos, a defesa da democracia de forma eficaz.
Como? Pondo fim a inimputabilidade dos que, de forma contumaz, fardados ou não, atentaram contra os direitos humanos, (crimes que são imprescritíveis) e à ordem jurídica e social.
A ditadura militar de 1964 que torturou, matou, estuprou, baniu, exilou, cassou e estabeleceu a pena de morte, é o elo mais forte entre a “Noite da Agonia” e o dia 8 de janeiro de 2023.
Ditadura Nunca Mais.
*Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ)
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