guerra no oriente médio

Custo de ataques recentes entre Irã e Israel revela alto risco econômico de potencial guerra

Apenas na noite do dia 13, quando o Irã lançou mais de 330 mísseis e drones, Israel gastou o equivalente a quase 10% de todo o pacote orçamentário adicional

Irã diz que caso deve ser considerado encerrado - AFP TV/AFP

O ataque sem precedentes do Irã contra o território israelense na semana passada, e a resposta relativamente contida de Israel na madrugada de sexta-feira, demonstraram capacidades coordenadas de ação dos dois lados, com o apoio de aliados estatais e não estatais. Mas o lado financeiro dos atritos, que ainda deixam no ar a possibilidade de uma guerra catastrófica entre os dois rivais de décadas, não pôde ser ignorado.

Apenas na noite do dia 13, quando o Irã lançou mais de 330 mísseis e drones, Israel gastou o equivalente a quase 10% de todo o pacote orçamentário adicional aprovado para a Defesa no começo do ano, cerca de 5 bilhões de shekels, ou R$ 6,9 bilhões, revelou ao site Ynet o ex-conselheiro financeiro das Forças Armadas israelenses Reem Aminoach.

— Se falamos de mísseis balísticos que precisam ser abatidos com o sistema Arrow, mísseis de cruzeiro que precisam ser derrubados com outros mísseis e de drones que precisam ser derrubados com aeronaves, e isso aumenta o custo, são 3,5 milhões [de shekels] por cada míssil Arrow, 1 milhão [de shekels] por cada [míssil] do [sistema de defesa aérea] Funda de David, mais os custos das aeronaves — disse Aminoach. — É uma ordem de magnitude de 4 bilhões ou 5 bilhões de shekels (R$ 5,52 bilhões ou R$ 6,9 bilhões).

E isso se refere a apenas uma noite, lidando com um ataque apontado por especialistas e fontes governamentais como “orquestrado”, e com detalhes antecipados aos EUA (embora a Casa Branca negue). Uma série de retaliações de lado a lado exigiria ainda mais dos sistemas de defesa de Israel, e da colaboração dos aliados ocidentais e do Oriente Médio, com um custo considerável para os cofres do país.

Para efeito de comparação, o ministro das Finanças israelense, Bezalel Smotrich, disse em outubro do ano passado que a guerra em Gaza custava diariamente 1 bilhão de shekels, ou R$ 1,39 bilhão. Uma estimativa posterior, feita por economistas a pedido do Washington Post, trouxe um número similar, 826 milhões de shekels, ou R$ 1,14 bilhão. Em números, a operação de defesa de Israel do dia 13 de abril custou o equivalente a quase cinco dias de operações em Gaza, um conflito em que há ataques aéreos, mas em um ambiente de combate mais restrito.

Impactos da guerra
Mesmo antes dos atritos dos últimos dias, um conflito generalizado era tratado como potencialmente desestabilizador. No último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as perspectivas para 2024, divulgado na semana passada, o capítulo relacionado ao Oriente Médio citava possíveis impactos “sobre o comércio e o turismo”.

“Uma resposta adequada dependerá da exposição dos países ao conflito, vulnerabilidades existentes e do espaço político. Gerenciamento de crise e políticas de prevenção serão cruciais onde o impacto é agudo ou os riscos elevados”, afirma o relatório. “Em outros lugares, os países precisarão seguir fortificando suas barreiras de defesa.”

Além de serem dois países que há quatro décadas nutrem hostilidades, Israel e Irã têm dois sistemas econômicos bem distintos, influenciados por fatores internos e externos, e que ostentam problemas que poderiam ser agravados com uma possível guerra de grande porte.

No caso iraniano, trata-se de um país de 89 milhões de pessoas, com uma forte presença econômica do Estado e, especificamente, da Guarda Revolucionária, que comanda “um império econômico com seus próprios líderes, regras e estruturas”, como definiu em artigo Munqith Dagher, fundador do Instituto Independente de Estudos de Administração e Sociedade Civil. A Guarda tem negócios em praticamente todos os setores da economia, desde bancos, manufaturas, importações e desenvolvimento de infraestruturas civis e militares.

Sob sanções há décadas, o país enfrenta problemas macroeconômicos sensíveis, em especial a inflação, que gira em torno dos 40% ao ano, e da moeda local, o rial extremamente desvalorizado. As sanções a setores cruciais da economia, como o petroquímico, impactam os rendimentos nacionais, embora as autoridades tenham seus próprios e eficazes métodos de burlar os embargos.

— Nós podemos pensar no Irã como em um estado de estagnação. A economia não colapsou sob as sanções, as fábricas continuam abertas e vimos uma recuperação das exportações de petróleo. Então a resiliência do setor industrial e a leve recuperação do setor de energia permitiram algum crescimento —disse ao GLOBO Esfandyar Batmanghelidj, fundador do centro de estudos Bourse & Bazaar. — Mas temos a inflação, causada pela forte desvalorização da moeda, e o governo precisa imprimir moeda para continuar funcionando.

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De acordo com o FMI, a economia iraniana deve crescer 3,3% em 2024 e 3,1% em 2025. Contudo, Batmanghelidj aponta que, mesmo que não haja uma guerra com Israel, a incerteza no ar já causa problemas ao país e seus cidadãos.

— O rial está caindo fortemente, e os iranianos sabem da vulnerabilidade de sua economia com o risco de um ataque. Muitos estão buscando commodities como ouro e moedas estrangeiras. E mesmo que um ataque não aconteça, a perspectiva é negativa — afirma. — Um dos pontos é o investimento, que caiu fortemente após 2020, com as sanções. Isso terá impacto sobre as pessoas, qualquer novo corte de investimentos vai impactar a economia.

No caso israelense, a economia é bem mais sólida do que a iraniana. Membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país está integrado às finanças globais e exerce papel de liderança em setores como a alta tecnologia. Depois de um tombo de quase 20% do PIB no último trimestre de 2023 por causa da guerra em Gaza, o FMI espera crescimento de 1,6% em 2024, e um robusto 5,4% em 2025.

O déficit do orçamento, previsto pelo governo para fechar o ano em 6,6% do PIB, preocupa em curto prazo, e as perspectivas mais à frente são positivas. Mas uma eventual guerra com o Irã exigiria novos cálculos.

— A expectativa já era de que esse déficit fosse maior do que 6,6% mesmo antes da possibilidade de uma guerra total contra o Irã. Além disso, a guerra em Gaza está perdendo força, mas uma batalha a mais, em Rafah, ainda deve acontecer, então a maior parte dos gastos elevados ocorrerá este ano — afirmou ao GLOBO Michael Ben-Gad, professor de Economia da City University, em Londres.

Ele pontua que os gastos elevados em tempo de guerra poderão forçar cortes mais robustos mais à frente, como forma de equalizar as contas públicas, apesar de Netanyahu e sua equipe não darem sinais de que uma política de austeridade esteja nos planos, seja agora, seja quando depuserem as armas. No início da guerra, a dívida pública era de 60% do PIB, e deve fechar o ano em 67% do PIB.

Força da sociedade civil
Ben-Gad destaca outro fator de resiliência da economia israelense, mesmo em um hipotético cenário de guerra contra o Irã: a força da sociedade civil, um freio para abusos do governo, incluindo no Orçamento. Em Israel, isso é demonstrado desde o início do ano passado com milhares de pessoas nas ruas contra o premier Benjamin Netanyahu, inicialmente contra seus planos para uma reforma judicial e, depois de 7 de outubro, como forma de pressionar pela libertação dos reféns do Hamas em Gaza.

— Em uma sociedade totalitária, a sociedade civil é deliberadamente massacrada, uma vez que representa um contrapeso ao governo. É por causa da força da sociedade civil que os esforços do governo para monopolizar o poder e fragilizar o Judiciário fracassaram, ao contrário de outros lugares onde governos eleitos democraticamente tiveram sucesso ao tentar o mesmo — afirmou Ben-Gad.

Um aspecto que no Irã tem sido reprimido com força pelas autoridades, como em protestos recentes que tiveram a economia como estopim. Mas, mesmo com repressão, uma degradação das finanças do país e agravamento das condições de vida da maior parte da população traz riscos de mais instabilidade — e mais repressão.

— Apesar de o governo considerar isso (ataque a Israel) necessário, há outros custos para o Irã — afirma Batmanghelidj. — Os iranianos não veem nada sendo feito, a não ser esse jogo de gato e rato com outro Estado (Israel), ouvem que há um dilema de segurança. Mas as pessoas querem ver seu governo resolvendo também outras prioridades.