MUNDO

Após dois anos de polêmicas, Parlamento britânico aprova lei para enviar imigrantes para Ruanda

Último obstáculo foi superado na noite desta segunda-feira, e medida segue para sanção do Rei Charles III; primeiros voos não devem decolar tão cedo

Manifestante protesta contra plano do governo Sunak de enviar imigrantes para Ruanda - Daniel Leal/AFP

Depois de dois anos de debates, decisões judiciais contrárias e uma série de polêmicas, o Parlamento do Reino Unido aprovou, na noite desta segunda-feira, uma lei defendida pelo premier Rishi Sunak para enviar alguns imigrantes que solicitaram asilo no país para Ruanda. A medida chegou a ser considerada ilegal pela Suprema Corte britânica, e passou por uma série de adaptações até ser aprovada e enviada para sanção do Rei Charles III.

O plano foi apresentado pelo ex-premier Boris Johnson, em 2022, e previa que imigrantes que chegassem ao Reino Unido de forma irregular, como em barcos improvisados na perigosa travessia do Canal da Mancha, receberiam uma “passagem só de ida” para Ruanda, com quem Londres assinou um acordo inicial de cooperação de 120 milhões de libras (R$ 765,96 milhões). O valor aumentou ao longo dos últimos dois anos, e em janeiro, foi revelado que Londres havia pago ao governo ruandês mais de US$ 300 milhões (R$ 1,55 bilhão), mesmo sem enviar um imigrante sequer.

A proposta foi imediatamente atacada pela oposição e organizações que defendem os direitos dos imigrantes no país por ter, segundo elas, inúmeras falhas e pontos questionáveis. A começar pelo próprio histórico do governo ruandês em relação aos direitos humanos: o presidente, Paul Kagame, acusado de suprimir a liberdade de opinião e de restringir vozes de oposição.

Em 2023, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados expressou dúvidas sobre a capacidade de Ruanda de garantir a legalidade dos processos dos imigrantes e requerentes de asilo. O órgão citou problemas em um acordo semelhante, firmado entre Israel e Ruanda, que levou à deportação de cerca de 4 mil requerentes de asilo vindos da Eritreia e Sudão.
 

Em novembro do ano passado, a Suprema Corte britânica considerou o plano ilegal, afirmando que, naquele momento, Ruanda não tinha condições de garantir os direitos básicos dos imigrantes no processamento de seus pedidos de asilo, e de impedir que sejam enviados a seus países de origem, onde poderiam sofrer perseguição. Contudo, a Corte deixou no ar a possibilidade de adequações.

O controle da imigração é uma das bandeiras do governo de Rishi Sunak, um premier impopular e cujo partido, o Conservador, deve enfrentar uma derrota nas próximas eleições gerais, previstas para o ano que vem, mas que analistas consideram que poderá ser antecipada ainda para 2024. Os recorrentes fracassos na aprovação do plano eram vistos como mais um sinal de fraqueza de Sunak, que enfrenta críticas também na economia.

No começo do ano, dois meses após a decisão da Suprema Corte, o governo assinou uma lei estabelecendo que Ruanda era um “país seguro”, abrindo caminho para que imigrantes sejam enviados para lá. Após um intenso debate parlamentar, e muitas idas e vindas, a Câmara dos Lordes concordou em não apresentar emendas ao texto vindo da Câmara dos Deputados, abrindo caminho para sua aprovação. Agora, o texto segue para sanção do Rei Charles III, que em junho de 2022 o chamou de “terrível”, revelou o jornal The Times.

Segundo o premier Rishi Sunak, os primeiros voos devem sair rumo a Kigali “em 10 ou 12 semanas”, mas os detalhes ainda não foram divulgados. Devido à formulação do texto aprovado pelo Parlamento, que prevê a deportação apenas de quem chegou ao Reino Unido vindo de “países seguros”, estima-se que a medida atinja apenas os cerca de 40 mil imigrantes que atravessam anualmente o Canal da Mancha, vindos da Europa Continental.

E isso se não houver novos questionamentos judiciais. Em junho de 2022, a Corte Europeia dos Direitos Humanos impediu que um primeiro voo com imigrantes decolasse rumo a Ruanda, alegando que os casos dos imigrantes não foram devidamente analisados pelos tribunais britânicos, e que a Justiça local ainda não havia estabelecido uma jurisprudência.

Em janeiro, a presidente da Corte, Siofra O’Leary, disse que o Reino Unido, enquanto membro do tribunal, deve seguir suas decisões à risca. Diante das reações de organizações de defesa dos direitos humanos, novas ações na Corte são mais do que certas.

— Todos merecemos uma chance de viver uma vida segura, e de buscar proteção quando precisamos dela. Essa lei vergonhosa amassa a Constituição e a lei internacional, ao mesmo tempo em que coloca sobreviventes de tortura e outros refugiados diante do risco de um futuro inseguro em Ruanda — disse, após a decisão, um porta-voz das ONGs Anistia Internacional, Freedom From Torture e Liberty, citado pela Sky News. — Não importa quantas vezes o primeiro-ministro diga que sim, sabemos que essa não é a vontade do povo.