Rock in Rio: Palco Sunset terá britânicos, blueseiro americano e encontro de Pato Fu e Penélope
Atrações foram anunciadas para a noite de 14 de setembro, que também terá a participação do NX Zero
Rock inglês, blues americano e pop brasileiro. Este é o tom dos reforços que o Rock in Rio anuncia para a noite de 14 de setembro, no palco Sunset, para o qual só tinha sido anunciado até então o grupo nacional NX Zero.
À atração somam-se agora o grupo britânico James (sucesso nos anos 1990, com canções como “Sit down” e “Laid”), o cantor e guitarrista do Mississippi que atende por Christone “Kingfish” Ingram (uma sumidade do blues, aos meros 25 anos de idade) e o encontro de dois grandes nomes da virada do milênio: os mineiros do Pato Fu e os baianos da Penélope, banda que está fazendo sua volta à ativa depois de 20 anos.
Fundado em 1982 em Manchester pelo baixista Jim Gleenie e pelo vocalista Tim Booth, o James chamou a atenção da crítica pela originalidade e sensibilidade de sua música. Assim, logo a banda conquistou popularidade nos palcos da Inglaterra e, já nos anos 1990, os EUA.
Mesmo sem emplacar novos hits, o James continuou marcando presença em festivais. Em 2012, chegou a passar por São Paulo. Agora, terá a imensidão do Rock in Rio, em edição que celebra 40 anos do festival, para derramar seus vocais sobre o rock melódico e cheio de grandes refrões.
— Sempre nos certificamos de que cada álbum seja realmente forte, e nossos últimos ficaram entre os cinco primeiros lugares nas paradas do Reino Unido — diz Tim Booth, de 64 anos. — Ainda temos enorme paixão pelo que fazemos.
No último dia 12, o James lançou “Yummy”. Ali estão faixas como “Our world”, rock alegre, que cobra uma postura mais positiva da Humanidade: “Por que ficar obcecado com a nacionalidade?/ somos todos vira-latas, somos uma família.”
Booth acredita ainda que, com o aquecimento global, logo haverá uma migração em massa das pessoas mais próximas da Linha do Equador, “e nós (da Europa e Estados Unidos, onde mora hoje) vamos ter que abrir nossas portas”:
— Os indígenas tentaram nos ensinar a trabalhar com a natureza e com a floresta. Eles deveriam ser nossos professores. Não haverá mais planeta se não pararmos o que estamos fazendo.
O gosto de Booth por levar para as letras do James temas em pauta vem desde os primeiros tempos da banda. Em “Laid”, de 1993, há um célebre trecho em que ele canta: “Me vestiu com roupas de mulher/ bagunçou com os papéis de gênero”.
— Eu só escrevia letras sobre o que me interessava na época. E sim, sei que escrevemos algumas letras muito incomuns, que a maioria dos homens não escreveria. Hoje, temos essas duas mulheres brilhantes na banda (a baterista Deborah Knox-Hewson e a percussionista Chloë Alper) e elas ficaram impressionadas quando descobriram a música “Gold mother”. Acharam que era uma música feminista: “Nenhum homem escrevia sobre parto e vocês fizeram isso em 1990!” — conta Tim. — Em “Yummy”, voltamos a abordar os papéis de gênero na música “Life’s a fuckin miracle”.
Ele diz que Chris Martin, do Coldplay, foi “muito sincero e gentil” quando disse em entrevistas que James foi uma influência (a banda chegou a fazer cover de “Sit down” em 2023, quando tocou em Manchester).
— Eles têm suas características próprias, mas, de qualquer forma, é uma honra quando alguém diz isso. Nós éramos uma banda estranha, ainda somos uma banda estranha, mas estamos tendo o melhor momento da nossa carreira agora — diz ele. — Ainda gostamos de nos desafiar. Quando formos para o Rock in Rio, vamos dar uma olhada no público, ver qual o clima e só aí escolher o que vamos tocar, o que combina com a ocasião. A gente é caótico, às vezes muda o set list no meio do show!
De outra geração, outro ponto do mundo e outro estilo, o blueseiro americano Christone “Kingfish” Ingram ainda adolescente tocou na Casa Branca, com a benção de Michelle Obama, e depois teve o seu disco de estreia, “Kingfish” (2019), indicado ao Grammy, que ele ganhou com seu álbum seguinte, “662” (2021). Vale destacar que o primeiro disco foi financiado por uma lenda do blues: o cantor e guitarrista Buddy Guy.
— Nasci numa cidade histórica do blues, de onde vieram caras como Son House, Muddy Waters... a lista é interminável! E, sendo de Clarksdale, cresci cercado pela história do blues, participei de um programa de ensino do Delta Blues Museum... Foi como tudo aconteceu — resume um simpático Kingfish, em entrevista por Zoom.
Ter crescido numa geração mais influenciada pelo rap do que pelo blues não foi um problema ou mesmo algo estranho para ele, que recentemente colaborou com Big K.R.I.T., famoso MC e produtor do Mississippi.
— Os garotos ao meu redor é que achavam estranho. Eles diziam que eu era muito jovem para entender esse tipo de música. No fim das contas, tudo aquilo de que gostamos hoje veio do blues — ensina ele.
Kingfish diz que começou no baixo porque achava suas “mãos grandes demais para a guitarra”, instrumento que adotou por volta dos 12 anos. Mas ele canta desde criança:
— Por causa da minha mãe, cantava gospel na igreja e parei logo que comecei a tocar, mas quando o pessoal do Blues Museum descobriu que eu sabia cantar, eles meio que me empurraram para esse posto de novo (risos).
Seu mais recente álbum é “Live in London” (2024), gravado ao vivo no The Garage, célebre palco londrino. É um candidato a mais um Grammy, prêmio ao qual ele diz tentar “não prestar muita atenção”:
— Quero ficar com os pés no chão, mas, cara, foi uma ótima experiência! (Gravar o disco ao vivo.) Sinto que todo o trabalho duro e todos os problemas por que passei não foram em vão. Espero que esse trabalho seja uma inspiração para jovens negros que vêm depois de mim e querem tocar blues.
Retorno ao quadrado
Banda baiana que durou de 1997 a 2004, a Penélope abriu um caminho de muita feminilidade para a música alternativa brasileira, lançou três álbuns e conseguiu chegar à MTV e às rádios com músicas como “Namorinho de portão” (de Tom Zé), “Holiday” e “Circo”.
Depois de duas décadas fora do ar, a banda inicia dia 18 de maio, em São Paulo, na Audio, a turnê de comemoração de 25 anos do seu disco de estreia, “Mi casa, su casa” — um show que chega ao Sunset num encontro especial com o Pato Fu, outra banda dos anos 1990, com o qual tem muita afinidade (e a coincidência de terem se apresentado, separadamente, no Rock in Rio de 2001).
— As pessoas vinham me contar histórias sobre a importância da Penélope e eu comecei realmente a perceber o quanto fazia parte dessa memória afetiva delas — conta a cantora e guitarrista Érika Martins. — Na pandemia, começou a me dar uma saudade de mexer nesse repertório.
Érika lembra que a Penélope surgiu em uma época ainda influenciada pelo movimento grunge, em que as mulheres tinham que se adequar aos padrões masculinos do rock, mas não era bem assim que a banda tocava.
— Minha referência sempre foi mais a Debbie Harry (do grupo Blondie), mega feminina e fazendo rock. Dava para ser feminina, melódica e, ao mesmo tempo, rock’n’roll pra caramba! — defende a cantora.
O Pato Fu, que, assim como a Penélope, não se apresenta no festival desde 2001, quando abriu para o Guns N’ Roses, celebra a dobradinha.
— Vai ser um encontro muito feliz, cultivamos uma amizade com a Penélope — diz a cantora do grupo, Fernanda Takai.
Diretor do Palco Sunset desde sua criação, em 2011 (hoje vice-presidente artístico do Rock in Rio), Zé Ricardo ficou impressionado com a banda James ao vê-la no Rock in Rio Lisboa, em 2019.
— Fiquei pensando: como é que o Brasil não conhece algo tão legal? Tenho certeza de que quem curte Imagine Dragons (atração do dia 14 no palco Mundo) vai curtir o James — assegura Zé Ricardo.
Já Kingfish, ele conheceu no Instagram. Depois de muito procurar, acabou entrando em contato com o artista por acaso, em Los Angeles. Sua ideia inicial era colocá-lo no Global Village, espaço com sons de vários continentes, mas viu que o americano poderia funcionar com as grandes plateias do Sunset (“você vê o Kingfish e já quer ser amigo dele!”).
Quanto ao Pato Fu, ele diz sempre ter lamentado que a banda não tenha voltado ao Rock in Rio.
— Todo ano penso neles, e a ideia da junção com a Penélope foi providencial. E imagina que depois você dá uma virada para o blues, emenda em uma banda inglesa e acaba com o NX Zero — ressalta.
Para Zé, o Sunset é um palco em constante evolução — e que, apesar de existir há 13 anos, as pessoas ainda não conhecem bem.
— Quero acabar com isso de “palco principal”. O Sunset tem o mesmo porte físico do palco Mundo — diz o vice-presidente do festival, explicando que o diferencial do Mundo é poder acolher os shows “com partes técnicas mais complexas”.