Chefe de direitos humanos da ONU diz estar "horrorizado" após 300 corpos serem encontrados em valas
Cadáveres apresentavam indícios de tortura e foram encontrados depois que militares israelenses saíram do hospital, que abrigava milhares de palestinos deslocados
Um dia após funcionários da Defesa Civil da Faixa de Gaza terem anunciado a descoberta de quase 300 corpos em uma vala comum no hospital Nasser, no sul do enclave, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, disse estar “horrorizado” com os relatos.
Em sessão informativa da ONU nesta terça-feira (22) e por meio de um porta-voz, ele lamentou a destruição das instalações médicas da unidade e de al-Shifa, o maior complexo médico do território e alvo de incursões do Exército de Israel, além dos ataques dos últimos dias em Gaza, que, segundo ele, mataram mulheres e crianças.
Os corpos foram encontrados depois que militares israelenses saíram do hospital, que abrigava milhares de palestinos deslocados. A última incursão na área foi realizada no início deste mês sob a justificativa de que as Forças Armadas de Israel tinham “informações confiáveis de uma série de fontes, inclusive de reféns libertados”, de que o grupo terrorista Hamas já havia mantido sequestrados no local. As evidências, no entanto, não foram divulgadas.
O Ministério da Saúde do território, controlado pelo Hamas desde 2007, disse à época que “a ocupação israelense” transformou o hospital num “quartel militar”.
Segundo a agência Associated Press, as covas improvisadas foram construídas quando as forças israelenses cercaram o local. Na ocasião, conforme o Guardian, as pessoas não conseguiam enterrar os mortos no cemitério. Alguns corpos, inclusive, eram de pessoas que morreram durante o cerco, enquanto outros eram de mortos durante a invasão. À CNN, o coronel afirmou que alguns dos cadáveres estavam com as mãos e pés amarrados, além de “sinais de execuções no campo”. Suleiman pontuou que não era possível determinar se eles foram enterrados vivos ou mortos, e que a maior parte dos corpos já estava em decomposição.
Porta-voz da Defesa Civil, Mahmud Basal disse à AFP que “alguns corpos estavam nus, o que certamente indica que sofreram tortura e abusos”, e que a decomposição de alguns dos cadáveres dificultou o processo de identificação. Funcionários do órgão desenterraram restos mortais perto do hospital, e moradores do enclave tentaram encontrar parentes desaparecidos. De acordo com a rede catari al-Jazeera, corpos de mulheres idosas, crianças e jovens também foram encontrados. A mesma fonte afirmou que, na semana passada, outra vala comum foi achada no hospital al-Shifa. O Exército israelense não comentou o assunto.
— Recuperamos 283 corpos de mártires da vala comum no pátio do Complexo Médico Nasser desde a retirada do Exército israelense — disse o coronel Yamen Abu Suleiman, diretor da Defesa Civil na cidade palestina, à CNN nesta segunda-feira, acrescentando que ainda há 2 mil pessoas desaparecidas apenas em Khan Younis, além de outras mil na região central do território, que ainda não foram recuperados por falta de condições e equipamentos para remover os destroços das construções danificadas por intensos bombardeios.
Em março, dias após as Forças Armadas israelenses iniciarem um ataque contra o Hamas dentro e ao redor do hospital al-Shifa, veículos militares cercaram o Nasser e o al-Amal. Segundo o Crescente Vermelho Palestino, bombardeios pesados e tiros ecoaram na área, e ao menos um trabalhador voluntário do hospital foi morto pelo Exército. Mensagens transmitidas por drones, acrescentou a organização, exigiam que todos saíssem nus de al-Amal, que teve suas portas bloqueadas e barricadas feitas com sacos de lixo. A ONG declarou, na época, que todas as suas equipes estavam “sob extremo perigo” e não podiam se mover.
Um mês antes, também durante uma invasão ao Complexo Médico Nasser, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a declarar que o local não era mais “funcional” – ainda que, na ocasião, abrigasse 200 pacientes. Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom afirmou, naquele contexto, que equipes da organização não foram autorizadas a entrar no hospital para “avaliar as condições dos pacientes e as necessidades críticas”. Até então, a unidade era a maior em funcionamento no enclave. O hospital, porém, não pode mais atender pacientes que precisam de cuidados intensivos e foi prejudicado por cortes de água e eletricidade.