MÚSICA

Como foi a criação de 'Funk generation'? Anitta e produtor dão detalhes sobre o álbum

Cantora conta que problemas de saúde, em meados de 2022, a fizeram se dedicar a fazer o 'melhor álbum' da sua vida: 'Não sei se foi um vodu que alguém me jogou'

Anitta - X/Reprodução

Misteriosos problemas de saúde, em meados de 2022, fizeram Anitta se dedicar ao que chama de “melhor álbum da sua vida”. E ele foi lançado na sexta-feira (26), com o título de “Funk generation”, colocando — como o nome não deixa dúvidas— o funk como ritmo preponderante das 15 faixas, cantadas, em sua maioria, em inglês e espanhol. Foi nesse gênero que ela despontou, há 12 anos, e era nele que ela queria se despedir.

— Estava muito doente — disse a cantora, de 31 anos, numa coletiva de imprensa virtual realizada na sexta-feira (26). — Falei: “Bom, já que vou morrer, vou fazer um álbum que eu escute e fale ‘pô, sou foda mesmo’. Vou deixar o melhor.

‘Não sei se foi um vodu’
Hoje, com a saúde em dia (“não sei se foi um vodu que alguém me jogou, até hoje não tem uma explicação”, diz), ela quer deixar também uma espécie de manual para os gringos. Focada na internacionalização da carreira há alguns anos, a indicada ao Grammy de artista revelação em 2023 pretende dar direcionamento aos estrangeiros que quiserem se aventurar no ritmo.

— O álbum tem a ideia de ensinar para as pessoas como faz o funk em inglês e espanhol — diz a artista, que também programa uma turnê lá fora que tenha energia de “baile funk, de festa brasileira”.

Ainda é cedo para saber o real impacto do lançamento, mas sabe-se que, até o momento, o álbum era o terceiro mais vendido no chart latino do iTunes dos Estados Unidos. No X, foi um dos assuntos do dia: o refrão de “Savage funk”, com seus palavrões, foi trending topic por boa parte do dia ontem. Em quatro horas, o clipe de “Grip” (uma das músicas com letra mais explícita do álbum — leia a crítica aqui) teve quase 200 mil visualizações no YouTube. A título de comparação, “Funk rave”, canção lançada em junho do ano passado e presente no mesmo disco, bateu cem mil em 49 minutos.

— O funk é, há muitos anos, uma grande promessa de exportação, mas sempre batemos na trave — diz a jornalista Michele Miranda, autora do livro “Funk delas — A história contada pelas mulheres”.— É um hit que estoura em Portugal, outro que viraliza nos Estados Unidos. Mas só um projeto consistente pode fazer artistas de outros países começarem a usar o beat do funk de maneira massiva.

‘Os gringos se assustam’
Um dos produtores de “Funk generation”, Marcio Arantes, da dupla Os Chapas, com DJ Gabriel do Borel, acredita que o ritmo brasileiro tem potencial de ser o próximo reggaeton, ritmo latino com massiva penetração no cenário internacional e no qual Anitta já deu as caras também em “Envolver”, momento internacional em que foi mais bem-sucedida. Mas por que a batida do funk demorou e ainda demora para ganhar tração como a musicalidade dos nossos companheiros latino-americanos?

— Os gringos se assustam um pouco com o tanto de informação que o funk tem — diz o produtor, salientando que a análise tem a ver com musicalidade e não com conteúdo de letras. — Ele, principalmente o carioca, tem uma linguagem agressiva, encantadora, porém um tanto poluída. Há uma enorme quantidade de coisa: beatbox, tamborzão, muita voz. Lembro de mostrar alguns beats, e o pessoal estranhar.

Estratégia pop
A adição de elementos do pop a “Funk generation” foi uma estratégia, segundo o produtor Marcio Arantes, para aumentar a penetração do funk nos Estados Unidos e na Europa. E, apesar da conexão de Anitta com o funk carioca, outras vertentes regionais do gênero foram contempladas. Foi um disco com melody e proibidão, que vai além do Rio de Janeiro.

—Apresentamos muitos beats flertando com o funk de Belo Horizonte, de São Paulo. “Meme”, por exemplo, brinca com o funk de BH. — diz Marcio, que, juntamente com DJ Gabriel, assina a produção com outros brasileiros, como o grupo Brabo, de Zebu, Maffalda, Gorky e Pablo Bispo, e o Tropkillaz, de Zegon e Laudz, e alguns estrangeiros, como Jason Evigan.

Simone Pereira de Sá, professora da UFF e autora do livro “Música pop-periférica brasileira”, diz que “um dos pontos fortes é Anitta ter se cercado de produtores e compositores brasileiros ligados ao funk, mas também de produtores ligados ao pop”:

— É um álbum que traz o ritmo como linha principal, mas não é um álbum de funk. É de pop funk ou funk pop, algo que ela sempre tem feito e é interessante. Outro ponto é a forma como ela passeia pela história do funk. Desde o início, reconhecemos batidas que remetem à Furacão 2000, depois tamborzão. Parece que ela está falando da história do ritmo.

Esse resgate foi um explícito pedido de Anitta tão logo a equipe se juntou num esquema de song camp, prática comum na indústria contemporânea em que se reúnem compositores e produtores de gêneros e nacionalidades variados para a produção de hits. “Funk generation”, por sinal, é fruto de três song camps, dois feitos em Los Angeles e um em Miami.

No primeiro, em setembro de 2022, a própria Anitta não apareceu, justamente por estar doente, mas mandou detalhadas anotações sobre o que queria. De lá saíram “Funk rave”, “Aceite” e “Cria de favela”.

—As primeiras coordenadas estavam ligadas à memoria afetiva, ao funk dos anos 2000, e trouxemos isso ao universo da Anitta, um universo mais pop — diz Marcio, que, assim como os outros parceiros, não sabia que ela passava por problemas de saúde na época.

A várias mãos
Das 15 músicas do disco, Anitta divide vocais em apenas três delas: “Double team” (com o porto-riquenho Brray e a espanhola Bag Gyal), “Joga pra lua” (Dennis e Pedro Sampaio) e Ahi (com Sam Smith). Nesta última, ela promete (“se a gente conseguir colocá-lo na rua”, diz) um clipe com uma ode a escolas de samba. Mas não apenas às mulheres exuberantes da Avenida:

—Não coloquei só a mulher bonita dançando, entendeu? Coloquei a velha guarda. Sempre tento colocar um estilo da cultura que seja mais profundo. Se a pessoa quiser e tiver interesse, vai conseguir se aprofundar em camadas mais além.

A cantora entende serem os clipes os espaços propícios para trabalhar mensagens que não conseguiu nas letras.

— Não conseguiria trazer tantas pautas, porque o funk brasileiro é isso, é dança, é sensualidade, é sexualidade. Alguns tinham pautas, antigamente, mas a gente não conseguiu encaixar para a realidade de hoje, do que as pessoas escutam na balada, do que as pessoas escutam para dançar. Então, a minha ideia era trazer isso em vídeos mesmo. Tanto que vai ter visuals de quase tudo, religião, carnaval.

Para Michele Miranda, a principal perspectiva de “Funk generation” é o empoderamento feminino:

— Tanto nos beats quanto no discurso, Anitta traz muito da vontade da mulher no álbum, uma resposta a muitos anos de submissão feminina dentro e fora do funk.