Israel discute plano para pós-guerra em Gaza com governo compartilhado entre países árabes e EUA
Proposta arquitetada por empresários pretende oferecer como moeda de troca a Netanyahu a normalização de relações com a Arábia Saudita; reconhecimento de Esta
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, evita há meses discutir publicamente sobre o futuro da Faixa de Gaza no pós-guerra. Tentando agradar tanto seus aliados da extrema-direita, que buscam reconstruir assentamentos israelenses no enclave, quanto parceiros estrangeiros, que desejam que o território retorne ao governo palestino, Netanyahu se absteve de declarações específicas.
Porém, nos bastidores, autoridades sêniores de seu Gabinete estiveram considerando um plano para o futuro de Gaza, no qual Israel ofereceria compartilhar a supervisão do território com uma aliança de países árabes, incluindo Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes, e com os Estados Unidos.
Em contrapartida pela gestão compartilhada do território palestino, Israel pretenderia alcançar a normalização de relações com a Arábia Saudita, de acordo com três autoridades israelenses e cinco pessoas que discutiram o plano com integrantes do governo israelense, ouvidas pelo New York Times sob condição de anonimato.
Membros da extrema direita da coalizão de Netanyahu provavelmente descartarão a ideia inicial, assim como os países árabes mencionados como possíveis participantes. Mas a proposta é o sinal mais claro até agora de que autoridades nos mais altos níveis do governo de Israel estão pensando no futuro de Gaza ao fim da guerra, e pode ser um ponto de partida para negociações futuras.
Os comentários surgem em meio a intensos esforços internacionais para fazer com que Israel e Hamas concordem com uma trégua que, eventualmente, possa evoluir para um cessar-fogo, e segue-se à pressão para que o Estado judeu planeje o 'day after'. A relutância de Israel em determinar como Gaza deverá ser governada criou um vácuo de poder em grande parte do território durante a guerra, levando à falta de lei e ordem e piorando a grave situação humanitária.
Autoridades de países árabes e analistas classificaram o plano de compartilhamento de poder como impraticável, porque não cria um caminho explícito para um Estado palestino, condição prévia para que governos como Emirados Unidos e Arábia Saudita aceitem se envolver no planejamento pós-guerra. Mas outros receberam a proposta com um otimismo cauteloso, porque pelo menos sugere uma flexibilidade entre os líderes israelenses maior do que suas declarações públicas sugerem.
Segundo a proposta, a aliança árabe-israelense, trabalhando com os Estados Unidos, nomearia líderes de Gaza para reestruturar o território devastado, reformar seu sistema educacional e manter a ordem. Após entre sete e dez anos, a aliança permitiria que os habitantes de Gaza votassem se seriam absorvidos por uma administração palestina unida que governaria tanto Gaza quanto a Cisjordânia ocupada por Israel. Enquanto isso, o plano sugere, o Exército israelense poderia continuar operando dentro de Gaza.
A proposta não diz explicitamente se essa administração compartilhada constituiria um Estado Palestino soberano ou se incluiria a Autoridade Palestina, que administra partes da Cisjordânia. Publicamente, o premier israelense rejeita a ideia de soberania plena aos palestinos e praticamente descartou o envolvimento da Autoridade Palestina. O escritório do primeiro-ministro israelense se recusou a comentar a reportagem do New York Times.
A proposta ainda não foi formalmente adotada pelo governo israelense e não há um detalhamento total de seus termos. Publicamente, o governo israelense apresentou apenas uma visão mais vaga sob a qual Israel manteria maior controle sobre Gaza quando encerrado o conflito.
Autoridades e analistas dos Emirados Árabes e da Arábia Saudita disseram que a nova proposta não garantia o envolvimento dos Estados árabes, especialmente porque não garantiria a soberania palestina e permitiria operações militares israelenses contínuas dentro de Gaza. O governo saudita disse que não normalizará as relações com Israel a menos que os líderes israelenses tomem medidas irrevogáveis em direção à criação de um Estado palestino.
— Os detalhes precisam ser mais claramente delineados de maneira ‘irreversível’ — disse Ali Shihabi, comentarista saudita considerado próximo à corte real saudita. — O problema é que os israelenses têm o hábito de se esconder por trás de termos ambíguos, então acredito que o governo saudita estaria procurando essa clareza.
Ainda assim, a proposta é o plano mais detalhado para a Gaza pós-guerra que se sabe que autoridades israelenses discutiram, e partes dela se alinham com ideias articuladas por líderes árabes tanto em público quanto em particular. Thomas R. Nides, ex-embaixador dos EUA em Israel, que foi consultado sobre o plano, disse que a proposta era significativa porque revelava o pensamento interno.
— Isso mostra que, apesar da postura pública do governo israelense, nos bastidores as autoridades estão pensando seriamente em como seria uma Gaza pós-guerra — disse Nides. — Obviamente, o diabo está nos detalhes, o que pode não ser suficiente para convencer parceiros árabes como os Emirados Árabes Unidos a se engajarem no plano. E nada pode acontecer até que os reféns sejam libertados e um cessar-fogo comece.
Proposta civil
O plano foi formalmente proposto às autoridades do Gabinete de Netanyahu, em dezembro, de acordo com um dos funcionários do governo. A proposta foi elaborada por um grupo de empresários, a maioria deles israelenses, alguns com relações próximas ao premier. Dois funcionários israelenses disseram que o plano ainda estava sendo considerado nos mais altos níveis do governo, embora não possa ser implementado até que o Hamas seja derrotado e os reféns restantes em Gaza sejam libertados.
O Hamas permanece no controle total de partes do sul de Gaza, apesar da devastadora campanha militar israelense que matou mais de 34 mil pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas, levou partes do território à beira da fome e deixou grande parte das cidades palestinas em ruínas.
Os empresários, que pediram para não terem seus nomes citados para não prejudicar a capacidade de promover a ideia, disseram que haviam informado autoridades de vários governos árabes e ocidentais, incluindo os Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, sobre o plano.
A proposta também foi apresentado a Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico que dirige um instituto que assessora o governo saudita em projetos de modernização. Um empresário palestino, que pediu para não ser nomeado para proteger seus parentes de retaliação em Gaza, também esteve envolvido em promover a ideia para autoridades americanas.
Questionado sobre o plano, o ministério das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos disse em comunicado que o governo não participará de nenhum esforço de reconstrução em Gaza "até que exista um acordo sobre um roteiro para uma solução política para o conflito, que inclua um caminho transparente, oportuno e vinculativo para todas as partes e que leve ao estabelecimento da solução de dois Estados, com um Estado Palestino independente".
Um funcionário saudita, falando sob condição de anonimato para atender ao protocolo do governo, rejeitou a proposta porque não criava um "caminho credível e irreversível" em direção à soberania palestina ou garantia o envolvimento da Autoridade Palestina. O mesmo funcionário negou que as autoridades sauditas tenham sido previamente informadas sobre o plano. Um porta-voz do governo egípcio se recusou a comentar.
O objetivo dos empresários é obter apoio internacional para a ideia para persuadir Netanyahu de que valeria a pena embarcar na difícil tarefa de obter apoio doméstico para ela.
O governo de coalizão de Netanyahu poderia entrar em colapso se ele formalmente apoiasse um plano que não descartasse definitivamente a criação de um Estado Palestino. Membros da extrema direita de sua coalizão se opõem veementemente à soberania palestina e querem restabelecer assentamentos israelenses em Gaza. Eles ameaçaram derrubar o governo se Netanyahu encerrar a guerra em Gaza sem antes eliminar o Hamas.
Pesquisas mostram que a maioria dos israelenses também se opõe à criação de um Estado Palestino, o que muitos consideram que seria uma recompensa ao Hamas por liderar o ataque terrorista que matou cerca de 1,2 mil pessoas em 7 de outubro.
Restauração de legado
Cauteloso em relação a ambos, o colapso de seu governo e a perda de apoio em uma subsequente campanha eleitoral, Netanyahu repetidamente expressou sua oposição a um Estado Palestino nos últimos meses, prometendo manter o controle israelense sobre a Cisjordânia e Gaza.
Mas analistas e alguns de seus aliados acreditam que ele estaria disposto a deixar aberta a possibilidade teórica de soberania palestina se isso permitisse que ele selasse um acordo histórico de normalização com a Arábia Saudita.
Estabelecer laços diplomáticos com o Estado árabe mais influente permitiria a Netanyahu restaurar parte de seu legado político, que foi manchado pelo ataque liderado pelo Hamas em Israel, o ataque individual mais mortal na história israelense, ocorreu sob sua supervisão.
— Ele quer esse legado — disse Nadav Shtrauchler, analista político israelense e ex-estrategista do primeiro-ministro. — Por outro lado, um, ele não acredita na solução de dois Estados. Dois, ele não pode vendê-la para sua base.