Alzheimer: genética pode ser a causa (não apenas fator de risco), revela novo estudo
Para cientistas, cerca de 15% a 20% dos casos ''podem ser rastreados até uma causa, e a causa está nos genes''
Os cientistas estão propondo uma nova maneira de entender a genética do Alzheimer, o que significaria que até um quinto dos pacientes seria considerado portador de uma forma da doença que tem origem genética.
Atualmente, a grande maioria dos casos de Alzheimer não tem uma causa claramente identificada. A nova designação, proposta em um estudo publicado nesta segunda-feira, poderia ampliar o escopo dos esforços para desenvolver tratamentos, incluindo a terapia genética, e afetar o planejamento dos testes clínicos.
Isso também poderia significar que centenas de milhares de pessoas somente nos Estados Unidos poderiam, se quisessem, receber um diagnóstico de Alzheimer antes de desenvolver qualquer sintoma de declínio cognitivo, embora atualmente não haja tratamentos para pessoas nesse estágio.
A nova classificação tornaria esse tipo de Alzheimer um dos distúrbios genéticos mais comuns no mundo, segundo especialistas médicos.
— Essa reconceitualização que estamos propondo não afeta uma pequena minoria de pessoas — disse o médico Juan Fortea, autor do estudo e diretor da Unidade de Memória Sant Pau, em Barcelona, Espanha.
— Às vezes dizemos que não sabemos a causa da doença de Alzheimer — afirmou, mas, segundo ele, isso significaria que cerca de 15% a 20% dos casos “podem ser rastreados até uma causa, e a causa está nos genes”.
A ideia envolve uma variante do gene chamada APOE4. Os cientistas sabem há muito tempo que herdar uma cópia da variante aumenta o risco de desenvolver Alzheimer, e que as pessoas com duas cópias, herdadas de cada um dos pais, têm um risco muito maior.
O novo estudo, publicado na revista Nature Medicine, analisou dados de mais de 500 pessoas com duas cópias do APOE4, um grupo significativamente maior do que em estudos anteriores. Os pesquisadores descobriram que quase todos esses pacientes desenvolveram a doença de Alzheimer, e os autores afirmam que duas cópias da APOE4 devem agora ser consideradas uma causa do Alzheimer, e não apenas um fator de risco.
Os pacientes também desenvolveram o Alzheimer relativamente jovens, segundo o estudo. Aos 55 anos, mais de 95% tinham marcadores biológicos associados à doença. Aos 65 anos, quase todos tinham níveis anormais de uma proteína chamada amiloide que forma placas no cérebro, uma marca registrada do Alzheimer. E muitos começaram a desenvolver sintomas de declínio cognitivo aos 65 anos, mais jovens do que a maioria das pessoas sem a variante APOE4.
— O mais importante é que esses indivíduos geralmente apresentam sintomas 10 anos antes do que outras formas da doença de Alzheimer — indicou Reisa Sperling, neurologista da Mass General Brigham, em Boston, e autora do estudo.
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— No momento em que são detectados e diagnosticados clinicamente, por serem geralmente mais jovens, eles refletem mais os sintomas — acrescentou.
As pessoas com duas cópias, conhecidas como homozigotas APOE4, representam de 2 a 3% da população em geral, mas estima-se que 15% a 20% das pessoas com demência de Alzheimer sejam portadoras da doença, segundo os especialistas. As pessoas com uma cópia constituem cerca de 15% a 25% da população em geral e cerca de 50% dos pacientes com demência de Alzheimer.
A variante mais comum é chamada APOE3, que parece ter um efeito neutro sobre o risco de Alzheimer. Cerca de 75% da população em geral tem uma cópia da APOE3, e mais da metade da população em geral tem duas cópias.
Especialistas em Alzheimer não envolvidos no estudo disseram que classificar a condição de duas cópias como Alzheimer geneticamente determinado poderia ter implicações significativas, incluindo o incentivo ao desenvolvimento de medicamentos além do recente foco principal da área em tratamentos que visam e reduzem a amiloide.
O médico Samuel Gandy, pesquisador de Alzheimer do Mount Sinai, em Nova York, que não participou do estudo, disse que os pacientes com duas cópias do APOE4 enfrentam riscos de segurança muito maiores com os medicamentos antiamiloides.
Quando a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o medicamento antiamiloide Leqembi no ano passado, exigiu uma advertência nos rótulos dizendo que o medicamento pode causar “eventos graves e com risco de morte”, como inchaço e sangramento no cérebro, especialmente em pessoas com duas cópias de APOE4. Alguns centros de tratamento decidiram não oferecer o Leqembi, uma infusão intravenosa, a esses pacientes.
Gandy e outros especialistas afirmaram que a classificação desses pacientes como portadores de uma forma genética distinta de Alzheimer estimularia o interesse no desenvolvimento de medicamentos seguros e eficazes para eles e acrescentaria urgência aos trabalhos atuais para evitar o declínio cognitivo em pessoas que ainda não apresentam sintomas.
— Em vez de dizer que não temos nada para você, vamos procurar um estudo — disse o médico, acrescentando que esses pacientes devem ser incluídos em estudos em idades mais jovens, devido ao início precoce da patologia.
Além de tentar desenvolver medicamentos, alguns pesquisadores estão explorando a edição de genes para transformar a APOE4 em uma variante chamada APOE2, que parece proteger contra o Alzheimer. Outra abordagem de terapia genética que está sendo estudada envolve a injeção de APOE2 no cérebro dos pacientes.
O novo estudo teve algumas limitações, incluindo a falta de diversidade que pode tornar os resultados menos generalizáveis. A maioria dos pacientes do estudo tinha ascendência europeia. Embora duas cópias de APOE4 também aumentem muito o risco de Alzheimer em outras etnias, os níveis de risco são diferentes, disse Michael Greicius, neurologista da Stanford University School of Medicine, que não participou da pesquisa.
— Um argumento importante contra a interpretação deles é que o risco da doença de Alzheimer em homozigotos APOE4 varia substancialmente entre diferentes ancestrais genéticos — disse Greicius, coautor de um estudo que descobriu que pessoas brancas com duas cópias de APOE4 tinham 13 vezes o risco de pessoas brancas com duas cópias de APOE3, enquanto pessoas negras com duas cópias de APOE4 tinham 6,5 vezes o risco de pessoas negras com duas cópias de APOE3.
— Isso tem uma importância fundamental ao orientar os pacientes sobre o risco genético da doença de Alzheimer com base em sua ancestralidade — assinalou — e também fala de uma genética e biologia ainda a serem descobertas que, presumivelmente, impulsionam essa enorme diferença de risco.
De acordo com o atual entendimento genético do Alzheimer, menos de 2% dos casos são considerados geneticamente causados. Alguns desses pacientes herdaram uma mutação em um dos três genes e podem desenvolver sintomas a partir dos 30 ou 40 anos de idade. Outros são pessoas com síndrome de Down, que têm três cópias de um cromossomo que contém uma proteína que geralmente leva ao que é chamado de doença de Alzheimer associada à síndrome de Down.
Sperling afirmou que acredita-se que as alterações genéticas nesses casos alimentam o acúmulo de amiloide, enquanto a APOE4 interferiria na eliminação do acúmulo de amiloide.
De acordo com a proposta dos pesquisadores, ter uma cópia do APOE4 continuaria a ser considerado um fator de risco, mas não o suficiente para causar Alzheimer, disse Fortea. É incomum que as doenças sigam esse padrão genético, chamado de “semidominância”, em que duas cópias de uma variante causam a doença, mas uma cópia apenas aumenta o risco, segundo os especialistas.
A nova recomendação levará a perguntas sobre se as pessoas devem fazer o teste para determinar se têm a variante APOE4.
Greicius declarou que, até que haja tratamentos para pessoas com duas cópias de APOE4 ou testes de terapias para evitar que elas desenvolvam demência, “minha recomendação é que, se você não tiver sintomas, definitivamente não deve descobrir seu status de APOE”.
— Neste momento, isso só causará sofrimento.
Sperling sinalizou que encontrar maneiras de ajudar esses pacientes é algo que precisa ser feito logo, acrescentando que “essas pessoas estão desesperadas, pois já viram isso em seus pais com frequência e realmente precisam de terapias”.