Barro une pop e música brasileira ao brega funk e percussões baianas em "Língua", seu 3º álbum
Cantor, compositor e produtor musical pernambucano lança disco com participações de Chico César, Fran Gil, Rachel Reis e Marley No Beat
Nome pernambucano de maior expressão na produção musical pop contemporânea, Barro acabou de lançar, no último dia 9 de maio, "Língua", seu terceiro álbum. Com participações de Chico César, Fran Gil (Os Gilsons), Rachel Reis e Marley no Beat, o disco reúne o apuro e a maturidade azeitados em anos dedicados aos ofícios de produtor musical, compositor e cantor.
Em "Língua" – co-produzido com Guilherme Assis –, Barro robustesse a linguagem pop dos seus trabalhos anteriores – “Miocardio” (2016) e “Somos” (2018) – com matrizes da música e da percussão brasileira e latino-americana, algumas pitadas de brega funk, tendo o violão – pela primeira vez – como espinha dorsal de um som que atravessa o orgânico e o digital com sofisticação.
Os parceiros de composição mais frequentes em “Língua” são o produtor e músico Guilherme Assis e o onipresente Juliano Holanda. São eles que assinam a maioria das canções do disco em parceria com Barro.
"Língua"
“O disco é uma tentativa de apresentar a minha linguagem, depois de tantas coisas, a minha língua, meu idioma, minha forma de fazer isso”, conta Barro, que já assinou a produção de trabalhos de nomes como Duda Beat, Joyce Alane, Aíla, Rachel Reis – com ela, foi indicado ao Grammy Latino 2023, pela produção do disco “Meu Esquema”.
"Língua" começaria a ser trabalhado em 2020, mas “havia uma pandemia no meio do caminho”. Nesse período, aumentaram os convites para produção musical e feats e um contato mais estreito com outros “bolsões” de cultura, como com artistas do brega funk – como o encontro emblemático com Shevchenko e Elloco, em um feat. na música “Patricinha Maloqueira” – e com a produção de artistas baianos, levando-o a algumas incursões a Salvador.
“Todas as participações do disco tem muito a ver com esse período pandêmico, as aproximações que surgiram nesse tempo. A pandemia acabou sendo esse lugar de criar essas pontes, que só deu para desenvolver quando a coisa abriu”, conta Barro.
Sonoridade
Gravado entre o final de 2022 e todo o ano de 2023, "Língua" traz um resultado muito mais seguro e bem acabado do que os anteriores de Barro. Isso se deve ao aprofundamento, a que ele se propôs, em experimentações musicais, com a finalidade de encontrar em outras estéticas novas formas de expressar sua música e poética.
“As matrizes brasileiras, as percussões, esse amor pela nossa cultura mesmo, entendendo ela como um lugar potente de diálogo com qualquer coisa do mundo. Então, você vai ouvir samba, maculelê, salsa, afrobeats com panelinha de brega-funk… Então, as claves, matrizes brasileiras, estão todas lá. Só que com muito respeito, entendendo que isso pode ter uma abordagem contemporânea que não estigmatize isso num lugar limitado”, explica Barro.
Algo que Barro ainda não havia explorado em seus trabalhos anteriores e que ganhou destaque em “Língua” é o violão, elemento crucial para a música popular brasileira, que o artista quis incorporar ao seu som, que dialoga com elementos eletrônicos e digitais.
“Eu tenho uma coisa do violão que é muito meu, mas que eu não tinha trazido para os discos. Eu tinha a noção de que eu não tinha achado ainda uma linguagem que pudesse unir o meu interesse em produção musical com o meu violão, sem ficar caricato. Então, foi o tempo que eu precisei para achar os caminhos que iam dar em uma sonoridade mais amarrada, no sentido de ter um bom acabamento.”
Singles
Três faixas de "Língua" já haviam sido adiantadas ao público: “Deixa Acender”, com Rachel Reis; "Vira-Lata Caramelo", com Chico César; e o mais recente single, “Esqueça Tudo”.
“Deixa Acender” é o feat. com Rachel Reis, que traz como “localização” um dos points da praia de Boa Viagem, a Barraca do Pingo. O clima praieiro traz elementos do afrobeat (amapiano), panelinhas do brega funk e kizomba.
Em “Vira-Lata Caramelo”, o reggae que divide com Chico César, Barro fala sobre a complexidade identitária no Brasil, “mestiço, colonizado, violado, violentado, povos originários destroçados, povos diaspóricos, pós-colonização europeia, pós-guerra, asiáticos, paulistas… ”, reflete o artista. “... e eu meio que intui que o vira-lata caramelo é um nó histórico dessa ideia do viralatismo, que é repensar isso”, continua.
A música ganhou visualizer com animações do ilustrador garanhuense Pedro Vinicio, que assina a arte/encarte de “Língua”.
Sons de sintetizadores se unem ao violão, à batida do pagodão baiano e à panelinha do brega funk em “Esqueça Tudo”, último single lançado antes de “Língua” vir, inteiro, ao mundo. Uma das faixas mais confessionais do disco, segundo Barro.
O disco
“Língua” abre em clima caribenho e dançante: “Temporal” chega com Fran Gil dividindo os vocais com Barro. Entre o mambo e o calypso, o vigoroso instrumental da música tem como destaque Henrique Albino nos sopros e Ícaro Sá (Baiana System) na percussão.
O produtor musical Marley no Beat assina a segunda faixa do disco junto a Barro e Jáder. "Me Ter" combina o violão a células do funk carioca e do maculelê, com percussão da baiana Beatriz Sena.
Ela também marca presença em "Cobra Corta Caminho", um ijexá que, a certa altura, fisga o afrobeat, e traz o caráter coletivo do trabalho – “eu não ando só” – sob os auspícios da cobra coral, em algumas linhagens religiosas, símbolo de transformação e sabedoria.
“São matrizes afro-brasileiras que estão em toda a cultura nacional. Acho que Salvador tem uma ancoragem forte e inegável”, conta Barro sobre a influência baiana no som de “Língua”. Além de Beatriz Sena e Ícaro Sá – que também deixou sua marca nas faixas “Minha Língua” e “Água de Rio” – outro baiano no disco é Tainã Troccoli, que faz a percussão de “Idioma”.
Entre a bachata e o bolero, nesta faixa Barro canta sobre separação, e conta com a participação do músico e produtor Santiago Prieto Saraiba, da banda colombiana Monsieur Periné, tocando Charango, Cuatro Porto Riquenho e Lap Steel.
Uma das mais belas canções do disco é o portentoso samba “Se for pra ver”, canção surgida em uma ida ao hypado – nos últimos anos – Pagode do Didi, no Centro do Recife. O multi instrumentista Henrique Albino entra em ação novamente, fazendo os sopros desta música, que, desta vez, traz a percussão de Lucas dos Prazeres, dos nossos melhores.
Em “Minha Língua”, o violão a la Baden Powell em seus afro sambas introduz o que se ouve a seguir: um amálgama rítmico, com a poderosa percussão baiana de Ícaro Sá e as programações de Guilherme Assis. O músico Ed Staudinger – parceiro de Barro na outrora banda do artista, Bande Dessinée – participa nos sintetizadores, piano elétrico e mellotron.
“Água de Rio”, inicialmente inspirada no desequilíbrio climático que faz rios transbordarem, acabou ganhando outra intenção quando Barro passou a entendê-la com um potencial muito mais pronunciado ao instrumental. Tornou-se uma das mais leves músicas dos disco.
Ao contrário de como inicia, “Língua” encerra em calmaria e delicadeza, com “De Fato”, curiosamente a primeira música composta para o álbum, e como lembra o artista, “a única sem percussão”. Minimalista, sensível… nela, apenas Barro, Guilherme Assis e Ed Staudinger, entre cordas e piano.
Ao longo dos seus 36 minutos, "Língua" se mostra em seus vários idiomas, frutos da incessante lida de Barro com o ofício de criar, pensar, conceituar, dar sentidos e conferir sensibilidade a uma obra que é, até então, o melhor e mais original disco pop produzido na terrinha.