"Blockout": Famosos neutros sobre guerra em Gaza são alvo de boicote em campanha no TikTok
Ainda é incerto se o movimento de "cancelamento" será duradouro e com impacto real ou apenas uma "trend" momentânea, destaca especialista
Enquanto celebridades desfilavam no tapete vermelho do Met Gala em Nova York, na semana passada, ativistas pró-Palestina protestavam perto do local onde o evento ocorria, muitos sendo presos em seguida.
Paralelamente, críticas ao evento luxuoso em meio a uma catástrofe humanitária sem precedentes se espalhavam nas redes sociais, sobretudo no TikTok, culminando em um amplo movimento digital de "boicote" de famosos considerados neutros sobre a guerra na Faixa de Gaza — que já deixou mais de 35 mil mortos no enclave palestino, alvo de retaliação de Israel há pouco mais de sete meses após um ataque do grupo terrorista Hamas que matou cerca de 1.200 pessoas em território israelense e deixou aproximadamente 240 reféns.
O movimento reflete uma tendência observada na plataforma, onde postagens pró-Palestina predominam, conforme revelou um estudo recente.
O ponto catalisador da mobilização on-line foi uma menção à frase "que comam brioche!" — comumente atribuída à rainha Maria Antonieta às vésperas da Revolução Francesa, no século XVIII — por uma influencer americana, Haley Kalil.
A infame menção à monarca — esposa do rei Luís XVI e que acabou guilhotinada — ocorreu em um vídeo da tiktoker para promover um evento pré-baile, tendo sido divulgado logo após um alerta do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) sobre a situação em Gaza. Segundo a ONU, praticamente toda a população do enclave, de 2,3 milhões de pessoas, foi deslocada e está ameaçada pela insegurança alimentar, com risco iminente de fome extrema.
O vídeo foi o suficiente para aumentar a indignação na rede social, levando ao surgimento do movimento "Blockout 2024", que ganhou força rapidamente. A premissa é simples: bloquear as redes sociais de celebridades que não se utilizam da influência que têm para destacar a crise humanitária em Gaza, com o intuito de impactar seu engajamento e, consequentemente, reduzir a receita com publicidades, fazendo-as perder dinheiro.
Pouco mais de uma semana após o evento, dezenas de milhares de usuários já compartilharam suas listas de bloqueio de celebridades diárias ou semanais na rede social. Até o momento, são cerca de 38 mil publicações com hashtags relacionadas, e uma das contas mais expressivas do movimento (@Blockout2024) já ultrapassou as 4,4 milhões de curtidas, com quase 200 mil seguidores.
Apesar de ter maior tração no TikTok, a campanha se espalhou para Instagram e X (antigo Twitter), podendo significar consequências substanciais para as celebridades mencionadas. Um exemplo é a empresária e socialite americana Kim Kardashian, que esteve presente no baile e perdeu centenas de milhares de seguidores no Instagram nos últimos dias, segundo dados do site de estatísticas de redes Social Blade. A cantora Taylor Swift, por sua vez, também teve uma queda de mais de 200 mil seguidores na mesma rede desde a semana passada.
Ainda é incerto, porém, se o movimento será duradouro e com impacto real ou apenas uma "trend" momentânea, como explica a diretora do NetLab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais) da UFRJ, Marie Santini. Para ela, há ainda a possibilidade de um efeito "rebote", com fãs agindo em defesa das celebridades afetadas, aumentando assim a relevância e o engajamento nesses perfis.
A pesquisadora acrescenta que fenômenos irruptivos como este já aconteceram em outras ocasiões, como a Primavera Árabe — uma série de manifestações populares que ocorreram em diversos países do mundo árabe, principalmente no Oriente Médio e no Norte da África, a partir de 2010, levando à queda de vários regimes ditatoriais — mas ressalta que alcançar o sucesso não é uma tarefa simples.
— Raras campanhas de boicote têm um efeito prático de médio prazo — explica. — Porém, eventos desse tipo, que sejam capazes de ultrapassar um determinado ponto de inflexão e realmente viralizar de forma imparável, a ponto de mudar o patamar de seguidores e a relevância de determinados perfis na plataforma, podem acontecer, mas são raros.
Posts pró-Palestina são maioria
A rápida adesão ao movimento pode ser um reflexo de uma tendência apontada por uma pesquisa recente da Northeastern University, de Boston, nos Estados Unidos, que mostrou que há uma disparidade significativa entre as postagens pró-Palestina e pró-Israel na plataforma, com as primeiras superando em 20 vezes as últimas. A análise abrange o período de outubro de 2023, quando o conflito teve início, a janeiro deste ano, e levou em conta mais de 280 mil postagens com hashtags relacionadas ao conflito.
Desde o ataque do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro, o estudo mostrou que houve uma tendência de declínio constante no volume de postagens pró-Israel no TikTok. Isso, aponta a pesquisadora Laura Edelson, que conduziu a análise, indica uma possível mudança na percepção e no engajamento dos usuários com o tema ao longo dos meses.
— O que vemos com a atividade de publicações pró-Palestina é que ela cresce organicamente ao longo do tempo, atinge um pico e depois tem um declínio simétrico — diz Edelson. — Esse é o tipo de padrão mais comumente associado aos movimentos sociais.
Mas a análise dos dados da pesquisa, em conjunto com o movimento de boicote, também levanta questões sobre o papel das plataformas de mídia social na formação da opinião pública, sobretudo entre jovens, e na disseminação de informações sobre questões globais complexas, como o conflito em curso no Oriente Médio.
Com mais de 1,5 bilhão de usuários ativos — a maioria entre 18 e 24 anos — o TikTok rapidamente deixou de ser apenas uma rede de compartilhamento de vídeos sobre o cotidiano, mas também se tornou uma plataforma de destaque para a propagação de informação (e desinformação), destaca a diretora do NetLab.
— Em termos de expressão política juvenil, embora haja uma comunidade ativista progressista, dinâmica e influente no TikTok, na verdade há muita expressão política conservadora também na plataforma — aponta a pesquisadora.
Em paralelo à discussão, há ainda o embate entre o TikTok e o governo americano — maior aliado e financiador de Israel. Uma lei aprovada pelo Congresso dos EUA, sancionada pelo presidente Joe Biden no mês passado, determinou que a chinesa ByteDance, dona da plataforma, vendesse as operações da rede social nos EUA. A lei determina que o aplicativo corte por completo seus laços com a China, sob pena de ser banido do mercado americano.
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Na última sexta-feira, o secretário de Estado, Antony Blinken, e o senador republicano Mitt Romney pareceram concordar sobre a influência das redes sociais na narrativa do conflito, sobretudo no TikTok. Os comentários foram feitos durante um evento do Instituto McCain em Sedona, Arizona, onde Blinken afirmou que as pessoas deixaram de recorrer às fontes de notícias tradicionais e, em vez disso, estão se informando por meio de "feeds desordenados" nas redes sociais.
Outro republicano, o deputado Mike Lawler, também destacou o papel do TikTok em supostamente fomentar o ódio nos protestos estudantis pró-Gaza, que ocorreram recentemente em diversos campi universitários nos EUA. Columbia, universidade baseada em Manhattan, no estado de Nova York, foi a centelha desses protestos, após mais de cem estudantes terem sido detidos em meados de abril.